quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Ambiguidades evidentes... e prementes...

Hoje ao regressar a casa, senti necessidade de comprar algo num supermercado para o pequeno almoço de amanhã. À entrada do supermercado fui interceptado por uma pessoa que me pediu para lhe comprar um determinado produto.

Geralmente não cedo à chantagem emocional da esmolinha, porque quando me pedem algo eu imediatamente penso nos escroques que me chulam até ao tutano, têm muitíssimo mais do que eu, e por causa disso nem frequentam a rua ou os supermercados onde se podem deparar com estas situações.

Mas esta pessoa, o Jorge, foi tão específica no seu pedido - é uma pizza que lá está... custa um euro e noventa... sabe qual é?... eu vou lá consigo, está bem? - que eu acedi. Entrámos no supermercado, fui com ele buscar a pizza e levámo-la para o micro-ondas que lá havia. Era congelada. Demorava mais tempo a aquecer.

Eu fui reunir as coisas que queria e quando já estava pronto fui ter com o Jorge ao micro-ondas. E como aquilo continuava às voltinhas, o que, segundo ele, é o que os micro-ondas fazem, conversei com ele.

Perguntei-lhe: se houvesse trabalho, tu trabalhavas? E ele explicou-me demoradamente (a pizza às voltinhas) que se houvesse um trabalho onde ele se sentisse bem... E não foi nada vago. Referiu horários de trabalho, referiu um trabalho adequado às suas competências, referiu a possibilidade de evoluir dentro do trabalho... Não referiu a remuneração.

E eu podia ter-lhe dito: seu preguiçoso!... O que eu queres é o bem-bom!...

Mas não o fiz. Não porque me sentisse inibido de o fazer. Não o fiz porque concordei completamente com ele. É claro que ele quer o bem-bom! Também eu quero! Todos queremos!

Mas é preciso trabalhar, dir-me-ia alguém potencialmente mais sensato. Pois... ou talvez não, responderia eu um pouco mais informado. E se no mundo de hoje não é necessário que todos trabalhem, também é verdade que é necessário que pelo menos alguns trabalhem. Mas se os ganhos de produtividade nos permitem estar um pouco mais folgados, porque não termos finalmente trabalhos com menor carga horária, mais dignos, mais adequados, mais enriquecedores?

O Jorge tinha toda a razão. E não é por eu trabalhar numa coisa que não gosto e suar as estopinhas para poder pagar o meu jantar e ainda pagar o dele que me vou pôr a discutir com ele se sou eu ou ele quem tem razão. Não... Quem certamente não tem razão é quem nos mantém a ambos em situações indignas.

Mas o Jorge continuou. E disse: eu gostava da escola. E a minha mãe perguntou-me: e o que é que tu queres da escola. E eu respondi: quero saber ler e escrever. Quero saber ler e escrever...

E ficou calado, a olhar para mim, eternos segundos... E eu, a olhá-lo nos olhos, castanhos, a pensar: sim, aprender a ler e a escrever... pois claro... toda a gente... toda a gente?... toda?... bem, de facto... há muita gente que aprende a ler e a escrever e depois não lê e não escreve. Há muita gente que aprendeu a ler e a escrever e nunca chegou a saber ler ou escrever...

E o que não somos capazes de fazer, lendo e escrevendo?...

PS - Ah, o Jorge topou logo que eu sou do Porto!... :)

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