quarta-feira, 5 de junho de 2019

Os comboios, mais uma vez...

Nas últimas semanas têm sido publicadas notícias acerca de problemas na CP, Comboios de Portugal.

Já tenho publicado alguns artigos sobre aquilo que considero ser uma morte lenta e premeditada dada aos transportes ferroviários em Portugal.

Veja-se, por exemplo:
https://irresponsabilidadeilimitada.blogspot.com/2012/04/cp-modus-operandi.html

Não deixa, no entanto, de merecer destaque que são agora os próprios trabalhadores da CP que fazem greve pela contratação de mais pessoal...

Parece, neste país de automobilistas amantes da natureza, que os trabalhadores da CP são agora os únicos a defender o sistema ferroviário. Não é a população, não é a administração da CP, não é o ministro dos transportes, nem o primeiro-ministro, nem algo do género, não são os partidos políticos, não é um grupo de jovens à porta da Assembleia da República, nem um grupo de professores a passar a mensagem junto dos alunos... Nada!... Ninguém quer saber. A não ser, talvez, os próprios trabalhadores da CP que, ao defender a contratação de mais pessoal, não estão necessariamente a requerer melhores condições para si mesmos (embora provavelmente, e merecidamente, também possam estar).

É cansativo insistir neste assunto. Os comboios são muito mais eficientes em termos energéticos do que os automóveis, são mais seguros, e em muitos tipos de viagens são mais rápidos.

Mas os automóveis são "nossos"! Aha!... Podemos afirmar a nossa diferença, de Mini vermelho, ou de Mercedes Benz no meio das latas dos outros... Podemos tirar catotas do nariz e ter sexo dentro do nosso carro. Podemos ir para onde quisermos e quando quisermos sem ter de esperar na estação ou sequer ter de caminhar até ela.

Sim, podemos... O transporte rodoviário é hoje muito prático, mesmo que tremendamente ineficiente, porque ao longo das últimas décadas foram investidas quantidades colossais de dinheiro em tudo o que com ele estava relacionado.

Podemos usufruir do nosso carro... mas ao mesmo tempo podemos também:
  • pagar o imposto sobre veículos automóveis
  • pagar o imposto sobre produtos petrolíferos
  • espetar-nos de frente contra um muro
  • levar com um camião em cima
  • ser atropelados ao andar na rua
  • pagar os polícias, as ambulâncias, os "tapadores" de buracos, os mecânicos, os reboques, os seguros, os semáforos e sei lá que mais que está associado à coisa
  • (ah, mas podemos acumular pontinhos num cartãozinho colorido de uma empresa petrolífera qualquer!!! que bom!!)
  • ocupar o espaço público com asfalto... asfaltar tudo, cortar árvores, eliminar passeios, forrar anteriores jardins com parques de estacionamento
  • pagar o estacionamento
  • e perder tempo à procura dele
  • gramar com o barulho permanente dos automóveis a circular e ficar tão habituados a isso que já nem reparamos
  • respirar os gases tóxicos e as partículas em suspensão que resultam da queima de quantidades quase inimagináveis de combustíveis (só na Área Metropolitana de Lisboa são mais de 1.200.000 toneladas anualmente)
  • perder tempos infinitos em engarrafamentos e em compensação ganhar muitíssima ansiedade
  • contribuir em fim de vida, para uma sucata porreira, onde os pobrezinhos podem ir buscar peças baratas para as suas latas em desintegração
Enfim... palavras para quê?

Entretanto, há a "cena" da "alta velocidade"!

Os comboios são porreiros por causa da "alta velocidade"!...

As pessoas, todas amantes da natureza, claro!, só falta mesmo irem protestar em frente à Assembleia a pedir que os políticos façam contra os próprios políticos aquilo que os protestantes não fazem contra eles mesmos... essas mesmas pessoas que gostam de reciclar para ficar com o cadastro limpo, um dia irão perceber, mal ou bem, que a cena da alta velocidade é um buraco negro.

Por um lado, a classificação da velocidade em alta ou baixa é relativa e evolui no tempo. E isso significa que a corrida por velocidades mais elevadas não tem fim à vista. E também significa que quem embarca no sonho de se poder deslocar mais rapidamente só está a comprar infelicidade. Quando, afinal, a felicidade está se calhar bem mais à mão. Somos bichos de hábitos, bons e maus. É só necessário lembrar disso.

Por outro lado, a energia necessária ao transporte de alguma coisa através da atmosfera evolui com o quadrado da velocidade, e a potência necessária evolui com o cubo da velocidade. Para um comboio circular a 300 km/h ele necessita de 9 vezes mais energia no total da viagem, e 27 vezes mais energia em termos instantâneos, do que um comboio a circular a 100 km/h.

Se os amantes da natureza são maus na física ou a fazer contas, eles acabarão por perceber, mais tarde ou mais cedo, porque a física não se vai embora só porque não a sabemos abordar.

Seja como for, deixo-vos um vídeo que se aplica à construção de linhas de alta velocidade nos EUA. Talvez, apesar de tudo, dê para retirar algumas ideias acerca do que se passa no nosso país.