segunda-feira, 22 de julho de 2019

Chantagem...

Esses chantagistas desses trabalhadores!... Ameaçam não trabalhar se não lhes derem o que eles querem!... Onde é que já se viu?...
 
Mas quem é que os enfermeiros julgam que são? 
Os professores devem achar que são mais do que os outros! 
Os juízes são uns privilegiados! 
Funcionários públicos? É só mama! 
Os pilotos? Em greve? A que propósito? 
Os médicos deviam era tratar as pessoas como nos seus consultórios particulares! 
Acho muito bem que impeçam a greve dos enfermeiros! 
Mas que poder é esse que os motoristas têm de parar um país? 
Os maquinistas em greve? E as pessoas é que se lixam, né? 
Os mestres da Soflusa também? 
Esses sindicalistas que ganhem juízo! 
Os estivadores não gostam? Então que vão para outro lado! 
Também eu tive de penar muito! 
Esses sindicatos novos não respeitam os acordos pré estabelecidos! 
Os polícias não deviam ter direito à greve! 
... 
É assim, não é?...
 
Quem se lixa é o mexilhão, claro! O mexilhão dos médicos, dos enfermeiros, dos polícias, dos pilotos, dos maquinistas, dos camionistas, dos juízes, dos funcionários públicos, dos técnicos de diagnóstico, dos mestres, dos inspectores da PJ, dos trabalhadores dos CTT, dos estivadores, dos artistas, dos estudantes, dos trabalhadores dos registos... E ainda mais o mexilhão que com maior ou menor dor de cotovelo não tem possibilidade ou tomates para ter um sindicato, o mexilhão que se cansou de ser um funcionário com condições de merda e teve a coragem de mudar e transformou-se num recibo verde, o mexilhão como eu, cujas greves não afectam ninguém, não são notícia de jornal, e logo são as únicas que recolhem a graça do pensamento dominante, o mexilhão que nem trabalho tem, o mexilhão que nem pensar sabe, ou não quer, e não conhece as regras do próprio mundo onde vive, o mexilhão que acredita que só há mexilhão abaixo de si, e acima só privilegiados, o mexilhão que queria ser ainda mais privilegiado que esses privilegiados, para lhes poder pagar em vingança a sua inveja e a sua mesquinhez, os Zés ninguéns desta vida que perpetuam um oceano de mexilhões onde devia estar uma humanidade.
 
O povo português devia estar todo em greve! Greve de ser português! Greve de ser povo! Greve de ser o que é e greve de simplesmente não ser!

Chantagem é agora o acto de exigir condições dignas para trabalhar.
Chantagem passará portanto a ser, igualmente, a exigência de trabalho antes do pagamento.

Que deus fez uma merda tão grande assim?...

Se ao menos fossem eles todos em greve!... Ou eu a fazer greve deles, ou duma sociedade deles!... 

Mas não posso. Eles sofreram. E agora a sua solidariedade para comigo é proporcional ao meu próprio sofrimento.
 
Tal como para com os enfermeiros, os juízes, os médicos, os professores, os polícias, os pilotos, os maquinistas, os camionistas, os funcionários públicos e quem mais vier.

Haja sofrimento então.
Seja feita a sua vontade.

sábado, 6 de julho de 2019

A anormalidade desportiva...

Este artigo é inspirado pelo seguinte vídeo, recentemente divulgado:



Efectivamente não é fácil fazer a distinção entre sexo masculino e sexo feminino. Os autores do vídeo afirmam, como se de uma verdade absoluta se tratasse, que distinção de género é uma coisa e distinção de sexo é outra. Quando na verdade, tudo isso não passam de tentativas de os seres humanos organizarem a realidade em caixinhas estanques. Enfim... às vezes pode ser necessário... e às vezes pode não ser fácil.

Mas eu gostava de levar este assunto um pouco mais além.

Podemos reparar que o vídeo em cima é todo acerca da fixação de critérios que permitam classificar uma pessoa como pertencente ao sexo feminino, para efeitos de participação em provas desportivas. E porque é que não se fazem provas deste tipo para verificar o sexo masculino dos atletas?... A resposta é evidente: porque me muitos desportos os atletas do sexo masculino conseguem melhores resultados que as atletas do sexo feminino.

E isso pode parecer fazer todo o sentido. Mas perguntemo-nos: qual é a lógica subjacente a essa distinção?... Provavelmente, avanço eu, consideramos injusto colocar os atletas todos no mesmo saco, quando sabemos à partida que, por motivos de ordem natural, uns vão sempre ter vantagem sobre os outros. Por exemplo: se sabemos à partida que numa corrida de 100m os homens têm vantagem sobre as mulheres, e portanto numa competição conjunta os vencedores vão ser quase invariavelmente homens, consideramos que isso é injusto para as mulheres. E assim criamos uma separação, para que cada "tipo" de atleta possa concorrer com os seus "semelhantes", naquilo que nos parecerá uma competição mais justa.

Talvez já estejam a ver onde quero chegar...

Se assim é, então porque é que se colocam todos os atletas masculinos numa única competição de salto em altura, mesmo sabendo que os que medem mais de um metro e noventa vão sempre vencer os que medem menos de um metro e sessenta?... Porventura terão os baixos culpa de serem baixos?... Qual é a justiça de os colocar todos numa só competição?...

Portanto...

O que está em causa no desporto de alta competição é afinal o quê?... Estamos a medir o quê?... Quando os atletas correm para chegar o mais rapidamente possível à meta, estamos apenas a medir o tempo que eles levam a fazê-lo?... Ou estamos a medir também o esforço com que se empenharam no momento da prova? Ou a sua preparação? Ou o quê?...

Nas provas de orientação da Federação Portuguesa de Orientação, e apenas como exemplo, existem categorias para atletas masculinos e femininos, para individuais e grupos, para novos e velhos, para provas curtas e provas compridas, etc.

No limite, cada atleta terá o seu próprio escalão. Ou seja, no limite, cada atleta deverá competir apenas e só consigo próprio. E esse será o extremo máximo da justiça: o que é justo é que cada um tente sempre bater o seu próprio recorde pessoal, dados todos os constrangimentos com que tem de lidar.

No extremo máximo da espectacularidade, se lhe posso chamar assim, temos as competições onde todos competem com todos, independentemente de quaisquer constrangimentos, e onde se apura o ser humano que é mais rápido, ou mais forte, ou por aí fora.

No entanto, não tardará muito, na era da biónica, para que os organizadores dos eventos desportivos terão de formular normas para distinguir o que é e o que não é um ser humano.

Podemos assim situar as provas desportivas (e, já agora, todas as outras) ao longo de um eixo, onde temos num extremo a justiça máxima e no outro extremo a espectacularidade máxima.

No nosso mundo, todas as provas de alta competição são provas que se aproximam da espectacularidade máxima.

E isso é muito giro... mas é precisamente por isso que eu deixei, já desde há algumas décadas, de prestar atenção a essas provas, sejam os jogos olímpicos, os campeonatos de atletismo ou os campeonatos de futebol. Porque essas provas desportivas podem ser para atletas do sexo masculino e para atletas do sexo feminino, mas parece-me que não são muito adequadas a seres humanos normais. São provas de freaks, de gente que se dedica excessivamente a um assunto só... Gente que tem o corpo fisicamente deformado para conseguir fazer uma só coisa, gente que dedica a maioria do seu tempo a fazer apenas essa coisa, gente que se estica até ao limite das normas em relação a tudo o que está ao seu alcance, naturalmente incluindo aqui todo o tipo de drogas, para conseguir ser o mais espectacular em seja lá o que for...

E nós, quais tarados a ver um espectáculo de freaks condenados a matarem-se uns aos outros ou a serem estraçalhados pelas feras, aplaudimos do conforto do nosso assento no estádio, ou no sofá.

Acabe-se com esses espectáculos de anormais, e num instante a questão da classificação sexual perderá o seu interesse. Como, digo eu, seria justo.