quinta-feira, 18 de março de 2021

Um parafuso a mais...

 

tenho um sortido

de parafusos contorcidos

apanhados por aí

nos caminhos que percorro

à velocidade que consigo

com um par de rodas

e um par de pernas

a caminho do antigo.


parafusos,

filetes revolvidos,

voltas sulcadas nos fusos

de vidas que dão voltas...

mas são rectilíneas!


encontro-os por aí

caídos no chão duro

que nos ampara a todos.

base firme

sobre a qual ora construímos

as mais frutíferas paixões

ora as desmioladas opiniões

que ornamentam os tolos.


à velocidade que consigo

sigo à margem dos que vão

fugidos daqui

futuros de si

de chaves na mão.


só eu sei que

quando lá chegam

não chegam apenas mais leves

mas também menos conexos.

afinal é para permitir

raciocínios complexos

e dar miolo aos sexos

que se sulcam e aparafusam

pernos de revolvidos filetes.


páro no meu caminho por isso.

pego no pedaço perdido

parafuso sempre contorcido

e levo-o até casa comigo

para o adicionar ao sortido.


tenho-os de todos os tipos

guardados em frascos de vidro

consoante o comprimento.

aparentemente fúteis,

guardo-os com carinho

pois certo chegará o momento

em que se tornarão úteis

a unir peças no caminho.


awf, angra do heroísmo, março 2021


(na parede do hospital Júlio de Matos, Lisboa, 2013)