domingo, 11 de março de 2012

O processo da dívida pública. Duas explicações alternativas...



Escolha a que achar mais plausível.

Hipótese "andámos a viver acima das nossas possibilidades"

  1. A população portuguesa está farta de viver como um país do terceiro mundo, portanto exige dos políticos serviços públicos dignos de um país do primeiro mundo.
  2. Os políticos advertem a população para os custos acrescidos que isso teria.
  3. Os políticos sugerem que a transição para serviços do primeiro mundo seja financiada por impostos sobre o património.
  4. A população portuguesa considera que é imoral cobrar mais impostos aos mais ricos, pelo que pressiona os políticos para se financiarem através de empréstimos de curto prazo junto de privados, nacionais e estrangeiros.
  5. Os políticos endividam-se de acordo com a vontade da maioria da população portuguesa.
  6. Com esse dinheiro os políticos transformam os serviços públicos em serviços dignos de um país do primeiro mundo.
  7. Passado algum tempo surge a “crise financeira mundial” que faz com as taxas de juro pagas pelos empréstimos contraídos no passado aumentem imenso.
  8. Mesmo considerando que as agências de rating são não democráticas e defendem interesses particulares, e que os elevados juros que têm de pagar vão beneficiar os que já são mais poderosos, os políticos sabem que não têm alternativa senão pagar a totalidade dos juros e da dívida, porque essa é a vontade da população portuguesa.
  9. Uma vez que é necessário dinheiro para pagar os juros acrescidos e que os políticos não podem emitir moeda, nem renegociar, nem deixar de pagar, nem criar impostos extraordinários sobre o património ou as grandes fortunas, nem deixar de apoiar os bancos privados em dificuldades, nem nada disso, eles vêem-se compelidos a cortar nos serviços públicos, a aumentar os impostos sobre os mais pobres, a privatizar as empresas públicas mais rentáveis e estratégicas e a pedir ajuda a instituições internacionais de auxílio a países em dificuldades.
  10. Os representantes dessas instituições de auxílio estudam o caso português. Depois de constatarem que Portugal é um país pobre e que os seus serviços públicos são da mais elevada qualidade e baixo custo para o utente que há no mundo (escolas, estradas, hospitais, tribunais, segurança pública, cultura, etc.) emitem um comunicado conjunto com os políticos portugueses acusando a sua população de terem vivido acima das suas possibilidades.
Hipótese "eles viveram e vivem cada vez mais em cima das nossas possibilidades.

  1. A população portuguesa está farta de viver como um país do terceiro mundo, diz mal de tudo e todos a toda a hora, mas não exige nada dos políticos, porque não percebe nada disso. Alternativamente procura distracções.
  2. Os políticos percebem que a população portuguesa, por ignorância, por falta de empenho, por não estar politizada, por não intervir e por não fiscalizar os políticos, pode ser facilmente enganada e, consequentemente, os dinheiros públicos podem ser canalizados para benefícios pessoais (quer do próprio político, quer de grupos sociais mais ou menos restritos a que pertence).
  3. Os políticos vêm a oportunidade de obtenção de benefícios de todo o tipo através da realização de obras que enchem o olho mas não contribuem para a melhoria dos serviços públicos à população, e muito menos para a sua alfabetização funcional. O dinheiro para tais obras será obtido através de empréstimos, que têm a vantagem de serem assumidos em nome da população, e não do próprio político que daqui a uns anos já não estará no mesmo cargo. Os restantes políticos não se preocupam muito porque sabem que poderão sempre acusar os seus antecessores dos erros previamente cometidos, sem serem eles próprios incriminados no processo.
  4. A população portuguesa rejubila com a ideia de ter obras públicas que enchem o olho. Muitos empreiteiros também rejubilam com a possibilidade de fazerem muito bons negócios. A população portuguesa não faz qualquer ideia de onde vem o dinheiro e também não quer saber disso, quer é distracção.
  5. Os políticos endividam-se nos montantes, prazos, juros e outras condições que lhes parecem convenientes.
  6. Com esse dinheiro os políticos constroem rotundas e mais rotundas, estádios, auto-estradas umas a seguir às outras, remodelam passeios, asfaltam jardins, emparedam estações de comboio que já não se usam, acrescentam faixas de rodagem em estradas onde já não cabe mais nada, contratam serviços privados a torto e a direito, fazem campanhas do tipo “portugall”, põe privados a tomar conta das grandes obras públicas, dão-lhes os benefícios disso e ainda lhes pagam por cima, etc, etc. Tudo é feito de forma a dar a impressão que Portugal se está a modernizar, para satisfazer a população e promover a reeleição, de modo a que algum dinheiro possa ficar nos bolsos dos amigos e de modo que os credores dos empréstimos também sejam amigos.
  7. Passado algum tempo surge a “crise financeira mundial”. Apesar do seu impacto directo na economia portuguesa ser pequeno, as pessoas e instituições habituais que possuem o dinheiro e o emprestam ao Estado português aproveitam-se da situação e aumentam, sem que alguém os tenha obrigado, as taxas de juro exigidas para os empréstimos do costume.
  8. Os políticos decidem apoiar, à revelia da população portuguesa, os bancos privados que apresentam dificuldades em resultado dessa crise financeira e continuam a endividar-se, fazendo rolar a dívida, sem informar devidamente a população e sem emitir qualquer opinião negativa sobre o sistema financeiro não democrático em que estão inseridos (e que é desconhecido da maioria da população).
  9. Os políticos, servindo como intermediários entre a população e os credores da dívida, que são sobretudo instituições financeiramente poderosas, não levantam sequer a possibilidade de existência de qualquer alternativa que não seja fazer como “os mercados” mandam. Assim, não promove o debate sobre esse tema junto da população e, pelo contrário, faz por abafar qualquer tentativa nesse sentido (por exemplo através da disseminação de uma determinada ideia de “responsabilidade”, isto é, dizendo que quem discute alternativas é irresponsável). Os políticos justificam essa atitude junto da população disseminando o medo de “assustar os mercados”. Entretanto, eles e as pessoas dos grupos mais ou menos restritos aos quais pertencem, continuam a beneficiar da situação e do pagamento dos juros elevados. Neste sentido, os políticos aprovam, à revelia da população, cortes nos serviços públicos, aumentos de impostos sobre os mais pobres, privatizações das empresas públicas mais rentáveis e estratégicas e pedidos de empréstimos a instituições geridas pelos maiorais do costume, como o FMI, não considerando quaisquer possibilidades alternativas.
  10. No sentido de moralizar o saque que os políticos exercem sobre a população, difunde-se na população portuguesa, incapaz de distinguir entre a sua própria dívida privada e a dívida pública, a ideia de que a dívida é imoral (o que é curioso, vindo das mesmas pessoas que dizem que os bancos são essenciais para o bom funcionamento das economias, e sabendo nós que os bancos funcionam através da concessão de crédito), que ela resulta do facto de os portugueses terem andado a viver acima das suas possibilidades e que ela tem de ser paga, “custe o que custar”.

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