domingo, 11 de novembro de 2012

Assim se chamam as coisas pelos nomes que elas são...

Ontem fui ao teatro. Nele aprendi, do poema "autogénese" da Natália Correia, estes versos, cuja genialidade se sente pelo tanto que sintetizam em tão poucas palavras:

"A gente só nasce quando somos nós que temos as dores"

Relembrei a cantiga de amigo de João Roiz de Castelo-Branco (séc. XV):

"Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes, os tristes,
tão fora de esperar bem
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém."

E do Ary dos Santos, fiquei a conhecer o seu poema "objecto":

"Há que dizer-se das coisas
o somenos que elas são.

Se for um copo é um copo
se for um cão é um cão.
Mas quando o copo se parte
e quando o cão faz ão ão?
Então o copo é um caco
e um cão não passa dum cão.
Quatro cacos são um copo
quatro latidos um cão.
Mas se forem de vidraça
e logo forem janela?
Mas se forem de pirraça
e logo forem cadela?
E se o copo for rachado?
E se o cão não tiver dono?
Não é um copo é um gato
não é um cão é um chato
que nos interrompe o sono.
E se o chato não for chato
e apenas cão sem coleira?
E se o copo for de sopa?
Não é um copo é um prato
não é um cão é literato
que anda sem eira nem beira
e não ganha para a roupa.
E se o prato for de merda
e o literato de esquerda?
Parte-se o prato que é caco
mata-se o vate que é cão
e escreveremos então
parte prato sape gato
vai-te vate foge cão

Assim se chamam as coisas
pelos nomes que elas são."




E aqui o registo sonoro original dessa noite em casa de Amália que deu origem à peça de teatro a que assisti.

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