quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Neoliberalismo: a solução do capital para o problema que é a democracia...

Todos deviam ler, ver e ouvir isto, para não poderem ignorar. Sem excepção: tanto os que acham que não sabem nada de economia ou de política como os que acham que sabem alguma coisa de economia ou de política.

Estudei numa das melhores faculdades de economia do país, pelo que dizem. Durante os cinco anos que lá penei, ouvi um professor a abordar por alto Marx (o professor Carlos Pimenta) e outro a abordar por alto Karl Polanyi (o professor José Madureira Pinto). Todos os outros, incluindo vários que foram passando pelos ministérios de diversos governos, endoutrinaram-nos sem pudor nas teses do neoliberalismo, munidos de Hayek, Friedman e toda essa tropa-fandanga.

De tudo o que soube até hoje, todas as escolas de economia deste país funcionavam do mesmo modo. Suspeito que ainda funcionem. E de todas as vezes que levantei esta questão, que é uma questão gravíssima e que afecta sobremaneira a vida de todos nós, fui recebido com indiferença. A indiferença dos que já estavam endoutrinados, e portanto acreditavam que isto era a ordem natural das coisas, a indiferença dos que tinham algo a ganhar com isso e a indiferença dos que não queriam saber de temas tão aborrecidos.

Enfim, não desistirei nunca de bradar aos céus este crime colectivo, na esperança de que as pessoas acordem para ele.



 

Tradução livre a partir do primeiro minuto.

Chris Hedges - Quero perguntar, até que ponto o neoliberalismo é a próxima etapa do colonialismo?

George Monbiot - Para nós, o capitalismo é o produto fundacional do colonialismo. E vemos o neoliberalismo como o meio através do qual o capitalismo tenta resolver o seu principal problema, que é a democracia.

O capitalismo emergiu como uma forma de expropriação colonial, na sequência da pilhagem colonial,... e é impressionante, nós temos todas estas discussões acerca do capitalismo e a maioria das pessoas nessas discussões não parecem saber o que é..., nós datamo-lo, seguindo o brilhante trabalho do geógrafo Jason W. Moore, a aproxidamente 1450, na ilha da Madeira, que para nós é o primeiro sítio no qual existiram simultaneamente os três pilares do capitalismo identificados por Karl Polanyi - comodificação* do trabalho, do terra e do dinheiro - o que deu origem a esta nova fronteira colonial extremamente eficaz e virulenta que queimou recursos, queimou trabalho humano, com uma velocidade nunca antes vista, criou uma grande quantidade de lucro e depois o colapso ecológico seguido de abandono. E isso tornou-se o modelo que foi seguido. Os portugueses foram depois para São Tomé e fizeram exactamente o mesmo lá, e na costa do Brasil, desfazendo os ecossistemas costeiros do Brasil um atrás do outro, destruindo uma grande quantidade de vidas, através de escravatura e assassinatos, moveram-se para as Caraíbas e começaram a fazer algo muito parecido aí, onde foram acompanhados por outras nações europeias fazendo a mesma coisa.

O capitalismo é muitas vezes confundido com comércio, que é apenas comprar e vender coisas. Certamente há elementos de comércio no capitalismo, mas são coisas absolutamente diferentes. O comércio iniciou-se há muitos milénios, o capitalismo apenas há centenas de anos, e é um modo de organização económica extramamente coercivo, destrutivo e explorador.

E então, há cerca de 150 anos, o capitalismo encontra um problema, que é o facto de um grande número de adultos passarem a ter a possibilidade de votar. E quando os adultos podem votar, eles têm a temeridade de dizer "na verdade nós não queremos continuar a ser apenas trabalho comodificado, nós queremos passar a ter direitos de trabalho, queremos poder organizar o nosso próprio trabalho, queremos receber uma porção maior do valor que criamos, queremos coisas chocantes como fins-de-semana, e por falar nisso também queremos casas apropriadas, e não queremos que o nosso ar fique poluído e os nossos rios envenenados, queremos comer melhor comida". Todas estas reivindicações são inerentes ao capitalismo. Portanto desde que os adultos passaram a poder votar, o capital procurou resolver esse problema.

Uma maneira de resolver esse problema é o fascismo, que pode ser muito eficaz a resolver o problema da democracia. Mas quando o fascismo foi derrubado na Europa em 1945, tiveram de encontrar outra solução, e essa solução foi o neoliberalismo. O neoliberalismo acaba por ser uma maneira extremamente eficaz de resolver o problema da democracia.

CH - Deixe-me perguntar pelos sindicatos, porque certamente nos EUA, e no Reino Unido e em França, foram movimentos muito importantes no combate às características mais exploradoras que acabou de referir acerca do capitalismo.

GM - Uma ideia absolutamente fundamental no neoliberalismo é a de que os sindicatos estão contra a "ordem natural" - você falou muito bem na sua introdução da forma como o capitalismo se tenta descrever a si próprio como uma "lei natural", como a gravidade ou a evolução natural, algo que existe mesmo assim e por sua conta, não algo que foi inventado pelas pessoas, "não é um sistema feito pelos humanos é simplesmente a maneira como naturalmente interagimos uns com os outros". Mas, claro, não é nada disso. O neoliberalismo trata da remoção de todos os impedimentos ao capital, isto é, dos meios pelos quais os ricos se podem tornar ainda mais ricos, da forma como o queiram fazer, e a qualquer custo para os outros seres humanos e para os outros seres vivos. E é claro que um dos principais obstáculos ao capital é a existência de sindicatos, porque o que os sindicatos querem é que os trabalhadores tenham uma maior porção do valor que eles produzem, em vez de serem totalmente explorados e a sua produção tomada por outra pessoa qualquer.

Portanto, desde o início, o trabalho de Friedrich Hayek e Ludwig von Mises, em 1944, com os seus respectivos livros "o caminho para a servidão" e "burocracia", vimos o início de um ataque concertado aos sindicatos. E dentro de apenas 3 anos, em 1947, com a formação da Sociedade de Mont Pèlerin, assistimos ao desenvolvimento do que tem sido chamado da "internacional neoliberal", uma rede internacional de organizações apoiada por algumas das pessoas mais ricas do mundo, patrões extremamente poderosos e respectivas empresas a despejarem dinheiro nesta rede, com o principal objectivo de destruir a negociação colectiva e organização de sindicatos.

Com o passar dos anos, especialmente quando os seus políticos favoritos acederam ao poder, justa ou injustamente, Augusto Pinochet, Margaret Thatcher, Ronald Reagan, os sindicatos foram esmagados.

CH - Vamos de volta a Hayek e a essas figuras. David Harvey, no seu livro "uma breve história do neoliberalismo" argumenta que as elites governantes percebiam... figuras como Hayek eram consideradas por muitos economistas, certamente por muitos keynesianos, como sendo maus economistas, que não eram levados a sério... Harvey argumenta que as elites governantes sabiam dos problemas inerentes a essas políticas económicas, mas apoiaram-nas porque justificavam ou davam uma cobertura ideológica a este projecto neoliberal. Concorda?

GM - Sim, e é muito interessante ver o modo como por sua vez Hayek apoiou os seus novos patrocinadores, porque... esse livro "o caminho para a servidão", pode-se ver as suas falhas óbvias: é um enorme escorrega falacioso! Efectivamente diz "se houver alguma tentativa de proteger populações como um todo, ou de redistribuição de riqueza, ou de criação de serviços públicos robustos e de uma rede de segurança económica, isso inevitavelmente conduzirá a totalitarismo e tudo acabará com Estaline ou com Hitler". Enfim, são falácias lógicas ao longo de todo o caminho. É um disparate filosófico. Mas eles estavam todos felizes a apoiar isto porque lhes servia. Mas depois, o que é muito interessante, foi o modo como isso também se verificou ao contrário, com Hayek a abraçar as necessidades destes patrocinadores super ricos. Quando ele escreveu "a constituição da liberdade", publicado em 1960, a sua doutrina tinha ido de um discurso com falhas, mas honesto, sobre economia e política, para uma autêntica fraude. "A constituição da liberdade" é uma loucura total, é um livro totalmente maluco! Não é possível lê-lo sem nos preocuparmos com a saúde mental do autor. Mas o que aconteceu na realidade não é que Hayek a tinha perdido, é simplesmente que ele estava a dizer a estas pessoas muito ricas exactamente o que eles queriam ouvir. E o que ele estava a dizer é "não importa como fizeste a tua riqueza, pelo facto de seres rico tu és um tipo fantástico, és uma pessoa brilhante. e as pessoas que se tornam ricas, ou porque herdaram a riqueza, ou porque a roubaram, ou por outro meio qualquer, essas pessoas são os guias que a sociedade deve seguir. onde quer que essas pessoas vão, esse será um caminho fantástico para seguir, nós temos de seguir esse mesmo caminho, qualquer que ele seja." E no processo ele desistiu das suas oposições a coisas como monopólios... Ele disse abertamente "nós só temos que explorar e destruir o mundo natural, extrair o máximo dinheiro que pudermos disso, e depois reinvestir noutro sítio qualquer, e não importam os danos que causarmos entretanto". Ou seja, proposições doidas umas atrás das outras... mas isto era o que ele estava a receber através dos seus patrocinadores, portanto o desenvolvimento da sua doutrina foi uma resposta directa às vontades dessa classe oligárquica.

CH - E que foi apoiada por figuras como Margaret Thatcher.

GM - Sim. Um dos muitos anonimatos do neoliberalismo... porque "neoliberalismo" foi o termo que os próprios neoliberais utilizaram, logo no início quando começaram a discuti-lo, em 1938, no Colóquio Walter Lippman em Paris, eles usaram esse termo até aos anos 50 e depois, sem alarido, começaram a deixar de o usar, sem criar outro termo para o substituir... eles disseram simplesmente "isto é como as coisas são, é a lei natural, não tem de ter um nome"... e portanto começámos a dar-lhe nomes como Thatcherismo ou Reaganismo ou monetarismo ou economia da oferta... não tínhamos um nome para isso, porque não éramos capazes de identificar a sua fonte, éramos incapazes de o combater. E a história é que a Thatcher foi a impulsionadora dessas ideias. Não! De maneira nenhuma! Há uma história fanstástica contada por membros do seu gabinete-sombra da altura, não sei se é completamente verdadeira ou não, mas sabemos que no mínimo é verdadeira no espírito, a história é que pouco tempo depois de ela se tornar líder do partido conservador, em 1975, que estava na oposição no Reino Unido (o partido trabalhista é que estava no poder), o gabinete-sombra, isto é, o grupo de pessoas que querem tornar-se ministros se o seu partido aceder ao poder, durante uma reunião acerca da "verdadeira natureza do conservadorismo no nosso tempo"... e eram todos um bocado patéticos estes tipos nesta altura, ela tinha um carácter dominante... e ela chegou atrasada, percebeu o que estavam a discutir, e disse "isto é aquilo em que acreditamos!" e da sua mala retirou um livro muito usado, quase irreconhecível, e atirou-o para cima da mesa. E esse livro era "a constituição da liberdade" de Hayek.


* comodificação - é a transformação que torna algo transaccionável num mercado. Por exemplo, poderemos especular se e quando o ar que respiramos irá ser comodificado.

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