Este é um excerto do livro "And the weak suffer what they must?" de Yanis Varoufakis. Nem ele, nem eu, temos a Thatcher em muito boa conta. Ela fez parte de um grupo de políticos que a nível mundial instalaram, à lei da bala, o sistema económico que hoje temos onde cada vez mais só o dinheiro conta. Não me esqueço, por exemplo, da sua amizade com Pinochet, a quem ela deu guarida na sua velhice, protegendo-o inclusivamente de um mandado de prisão internacional. Mas, mesmo tendo sido a Thatcher uma política de direita que governou a favor dos oligarcas capitalistas, até ela foi capaz de identificar que um Banco Central Europeu não democrático, como o que hoje temos, seria uma péssima opção.
Ao contrário do que alguns poderão pensar, o sistema económico que temos é tudo menos natural. Ele foi construído à revelia da vontade da população (por exemplo: foi você que pediu um BCE?) para promover um determinado tipo de economia.
O que aconteceu no ano da pandemia em que a actividade económica foi tremendamente reduzida, e em que consequentemente foi lançado um "plano de recuperação e resiliência" com biliões de euros a surgirem sabe-se lá de onde, ao mesmo tempo que as dívidas públicas de quase todos os países europeus se mantinham inalteradas, pagando anualmente juros que seriam mais do que suficientes para, por exemplo, colocar os sistemas nacionais de saúde em ordem, é um exemplo flagrante de como a governação é feita em favor de quem tem o poder económico e não em favor da generalidade da população.
Apesar disso ser flagrante e de ter impactos determinantes na vida de todos nós, a ponto de eu arriscar dizer que não há nada mais importante na condução da nossa vida material, todos seguimos impávidos e serenos na nossa ignorância acerca de onde o dinheiro surge e como desaparece. Já era tempo de mudar isso!
Excerto, com descuidada tradução minha:
"Que boa ideia!" respondeu Thatcher, depois de uma grande alegria ter enchido a Casa [dos Comuns]. E seguiu dizendo, em tom de brincadeira, "não tinha pensado nisso. Mas se pensasse, não haveria um banco central europeu que não presta contas a ninguém, muito menos aos parlamentos nacionais. Porque com um banco central desse tipo não haveria democracia, [e o banco central estaria] retirando os poderes de todos os parlamentos e tendo uma só moeda e uma política monetária e uma política de taxa de juro que nos retiraria a todos poder político."
Foi possivelmente a primeira e a última vez que o primeiro ministro de uma potência europeia acertou em cheio relativamente à natureza da união monetária da Europa. A noção de que o dinheiro pode ser administrado apoliticamente, apenas por meios técnicos, é uma loucura da maior perigosidade. A fantasia do dinheiro apolítico foi o que transformou o padrão do ouro do período entre guerras num sistema primitivo, cujo inevitável colapso impulsionou o fascismo e o nazismo com os efeitos que todos conhecemos e lamentamos.
O padrão do ouro baseava-se na ideia de despolitizar o dinheiro através da associação da sua quantidade à quantidade de ouro - um metal que os políticos não podiam criar do nada, uma vez que é fornecido exogenamente pela natureza. Hoje, a mesma fantasia do dinheiro apolítico pode ser encontrada não apenas na construção de um banco central europeu que não responde perante nenhum parlamento (como Thatcher tinha avisado) mas também nas modernas moedas digitais como o Bitcoin, cuja imagem de marca é precisamente a de não ter uma autoridade política a dirigi-lo. A ideia preciosa de Margaret Thatcher foi que o controlo das taxas de juro e da oferta de moeda é uma actividade política quintessencial que, se removida do controlo de um parlamento democraticamente eleito, origina uma descida inexorável para o autoritarismo.
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025
Thatcher e o Banco Central Europeu...
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