terça-feira, 13 de maio de 2014

Salgalhadas na Lusolândia (4/4)...

Mensagem original


Excerto do capítulo XX de "Salgalhadas na Lusolândia" de José Luís Felix:

Eram 20 horas e iniciavam-se os telejornais. Chegara por fim a hora das declarações do chefe do governo, ansiosamente aguardadas e publicitadas ao longo do dia.
“Lusolandas e lusolandos”, começou ele, solenemente enquadrado por uma bandeira nacional, uma jarra de rosas amarelas e um galo de Barcelos. “Os adversários da estabilidade, dos mais sacrossantos valores pátrios e a gente de todas as oposições não tem descanso.
Levantam calúnias e utilizam o embuste como uma arma de arremesso. Atrevem-se até a insinuar que o nosso governo não tem exercido uma acção sem paralelo nos últimos anos em toda a Europa, para conseguirmos enfileirar entre os melhores actores da acção política na União Europeia.
Os exemplos que podem atestar a nossa actividade são inúmeros, do choque tecnológico ao Programa Acelerex, das Reformas na Função Pública à construção de novos estádios de futebol e auto-estradas, a melhoria da produtividade e a modernização do tecido empresarial lusolando. Todas estas acções se inserem numa estratégia devidamente definida. Nós não nos deixamos arrastar pela demagogia, pelo discurso fácil. Podemos assegurar que só com o esforço de hoje será possível o aumento da riqueza do país e, no futuro, a melhora das condições de vida de todos nós. Principalmente dos menos favorecidos pela sorte, sempre presentes nos nossos corações.
Por isso mesmo posso desde já anunciar-vos duas novas medidas para apoiar os nossos idosos mais desfavorecidos, aqueles que auferem uma pensão inferior a 200 euros. Assim, daqui a 3 meses, todos eles irão beneficiar de um aumento extraordinário de 4 euros mensais.
Além disso todos irão também usufruir de uma medida excepcional da Segurança Social. A cada um será oferecido mensalmente um quilo de arroz e uma asa de frango. O nosso governo está atento às dificuldades sentidas pelos mais desfavorecidos dos nossos concidadãos.
Estas dificuldades resultam, é bom realçar, da conjuntura internacional e do aumento dos preços da energia. Convém recordar que tal situação foi recentemente agravada com a tentativa de realização maciça de shows de sexo ao vivo na Arábia Saudita, o que originou graves inquietações entre os crentes daquele país e o consequente aumento do preço do petróleo.
Também a crise dos mercados financeiros, uma verdadeira hecatombe diabólica, cujo entendimento só está ao alcance das mentes mais capacitadas da complexa ciência económica, não nos deixou de lado.
No entanto, a nossa economia é sólida e resistente a todas as procelas, estejam descansados. Os grandes especuladores, essa gente de maus instintos, que se aproveitam do idealismo dos governantes, não têm cabimento nem entrada na nossa Lusolândia. Tranquilizem-se que o governo está permanentemente atento!
Posso assegurar-vos no entanto que, apesar destes factores negativos provenientes do estrangeiro, não esquecemos aqueles que mais se ressentem da crise dos mercados mundiais. As nossas crianças também serão contempladas com uma medida extraordinária. Cada uma delas terá, já a partir do próximo ano lectivo, uma cesta de fruta todas as semanas, contendo uma laranja, uma banana e um cacho de uvas.
Isto revela o empenhamento do meu governo, apesar das graves dificuldades orçamentais herdadas que, desde a primeira hora, temos combatido. Passado tão pouco tempo já conseguimos alcançar um défice bem inferior à meta dos 3% que as normas comunitárias nos impõem, um facto único na história orçamental da Europa, conseguido em tão pouco tempo. Tudo isto sem esquecer os mais desfavorecidos, como todas as medidas de carácter social que temos tomado bem demonstram, reforçadas agora com as decisões anunciadas.
Quanto ao tema da segurança, tantas vezes invocado pelas oposições da forma mais despudorada, como ainda hoje se viu na Assembleia, num espectáculo indigno dos mais altos valores democráticos que nos norteiam, trata-se de uma falsa questão. A Lusolândia é já um dos países mais seguros do mundo e as medidas que irei anunciar irão consolidar ainda mais a nossa posição no ranking dos países seguros.
Todas as nossas forças policiais colocadas no terreno irão receber novos equipamentos, nomeadamente couraças de couro e aço, cassetetes de grande alcance e armas de raios imobilizantes.
Por outro lado o Governo vai fazer um enorme esforço financeiro e serão abertos imediatamente concursos para a admissão de 6.000 novos polícias nos diversos serviços policiais nacionais.
A investigação e repressão também conhecerão um novo impulso com a entrada em vigor do sistema de outsourcing nos serviços policiais. Toda a actividade administrativa, auxiliar e de guarda das instalações passará a ser executadas por uma empresa multinacional devidamente credenciada nesta área, a Brutal Police, que também nos fornecerá o mais moderno know-how e técnicas avançadas de ataque e investigação da criminalidade. Nesta mesma perspectiva se insere a construção de 5 novas super-prisões, a serem geridas pela Brutal Police, que permitirão alojar 10.000 presos e vender as prisões situadas dentro das maiores cidades do país.
(...)
Foi por esse espírito de missão pelo interesse geral que eu, assim como todos os membros do meu governo, decidimos abraçar a causa pública. Para o bem da nossa Pátria, de uma Lusolândia mais feliz, de acordo com os valores que nos foram transmitidos pelos nossos heróis ao longo da história.
A Pátria não se discute, não permitiremos que os mais sagrados valores da democracia sejam postos em causa por uma dúzia de indivíduos que, certamente mal avisados, decidiram colocar em causa a honrada actividade da política. Não é demais lembrar que, sem acção dos responsáveis políticos, sem o empenhamento dos partidos políticos, sem os garantes da democracia, a existência da nossa civilização não seria possível. Se déssemos ouvidos ao canto de sereia da ignorância, dentro de pouco tempo mergulharíamos no caos, no salve-se quem puder, no homem lobo do homem. Nunca permitiremos que se ponha em causa a grandeza dos partidos políticos, os verdadeiros pilares que garantem uma relação harmoniosa e democrática entre os povos.
Lutaremos com determinação, mas sempre de forma democrática, para impedir o regresso à barbárie e garantir as regras da civilização compreendidas e aceites por toda a sociedade.
(...)”
Todo o restante discurso se pautou pela mesma orientação e o efeito que as palavras do Aristóteles produziram foi esmagador.
Todos aqueles que o ouviram ficaram sensibilizados com a sua sensatez e clarividência. Estes eram também os atributos que, a par da sua condição democrática, os mais encartados comentadores da Lusolândia passaram imediatamente a salientar. O Aristóteles e o seu partido davam a devida resposta aos opositores e os diversos politólogos não lhe poupavam elogios. O velho oráculo professor Fatelo, por exemplo, não se detinha nos encómios e chegou a propor, “Face a esta atitude que revela um enorme sentido das responsabilidades, é chegado o momento do TYD, o meu partido, entrar em negociações com o Arquitecto Aristóteles e o PF para estabelecer um pacto de regime. A pátria tem de estar acima das rivalidades partidárias”. Também o Dr. Vitelinho ficou extasiado face à intervenção do líder do governo, “O Arquitecto Aristóteles Acomodado revela mais uma vez uma enorme capacidade democrática e elevado sentido de estado”. O próprio Mikel Xosa Tavás, um consumado independente, assegurou, “O Aristóteles marcou pontos com esta intervenção, reveladora duma capacidade até aqui insuspeitada, própria de um verdadeiro homem de estado”.
(...)

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