sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Divertindo-nos até à morte...



"Amusing ourselves to death" é o título do livro que acabei de ler, do Neil Postman, e que recomendo vivamente.

Deixo um excerto do último capítulo, "the Huxleyan warning", que nos fala da nossa ideologia do "lol", isto é, deste nosso modo de ser tão vazio e tão entranhado que mede tudo em gargalhadas e sorrisinhos idiotas (em baixo faço a minha própria tradução):

"Those who speak about this matter must often raise their voices to a near-hysterical pitch, inviting the charge that they are everything from wimps to public nuisances to Jeremiahs. But they do so because what they want others to see appears benign, when it is not invisible altogether. An Orwellian world is much easier to recognize, and to oppose, than a Huxleyan. Everything in our background has prepared us to know and resist a prison when the gates begin to close around us. We are not likely, for example, to be indifferent to the voices of the Sakharovs and the Timmermans and the Walesas. We take arms against such a sea of troubles, buttressed by the spirit of Milton, Bacon, Voltaire, Goethe and Jefferson. But what if there are no cries of anguish to be heard? Who is prepared to take arms against a sea of amusements? To whom do we complain, and when, and in what tone of voice, when serious discourse dissolves into giggles? What is the antidote to a culture's being drained by laughter?

I fear that our philosophers have given us no guidance in this matter. Their warnings have customarily been directed against those consciously formulated ideologies that appeal to the worst tendencies in human nature. But what is happening in America is not the design of an articulated ideology. No Mein Kampf or Communist Manifesto announced its coming. It comes as the unintended consequence of a dramatic change in our modes of public conversation. But it is an ideology nonetheless, for it imposes a way of life, a set of relations among people and ideas, about which there has been no consensus, no discussion and no opposition. Only compliance. Public consciousness has not yet assimilated the point that technology is ideology. This, in spite of the fact that before our very eyes technology has altered every aspect of life in America during the past eighty years. For example, it would have been excusable in 1905 for us to be unprepared for the cultural changes the automobile would bring. Who could have suspected then that the automobile would tell us how we were to conduct our social and sexual lives? Would reorient our ideas about what to do with our forests and cities? Would create new ways of expressing our personal identity and social standing?

But it is much later in the game now, and ignorance of the score is inexcusable. To be unaware that a technology comes equipped with a program for social change, to maintain that technology is neutral, to make the assumption that technology is always a friend to culture is, at this late hour, stupidity plain and simple. Moreover, we have seen enough by now to know that technological changes in our modes of communication are even more ideology-laden than changes in our modes of transportation. Introduce the alphabet to a culture and you change its cognitive habits, its social relations, its notions of community, history and religion. Introduce the printing press with movable type, and you do the same. Introduce speed-of-light transmission of images and you make a cultural revolution. Without a vote. Without polemics. Without guerrilla resistance. Here is ideology, pure if not serene. Here is ideology without words, and all the more powerful for their absence. All that is required to make it stick is a population that devoutly believes in the inevitability of progress. And in this sense, all Americans are Marxists, for we believe nothing if not that history is moving us toward some preordained paradise and that technology is the force behind that movement.

Thus, there are near insurmountable difficulties for anyone who has written such a book as this, and who wishes to end it with some remedies for the affliction. In the first place, not everyone believes a cure is needed, and in the second, there probably isn't any. But as a true-blue American who has imbibed the unshakable belief that where there is a problem, there must be a solution, I shall conclude with the following suggestions.
(...)"

A minha tradução:
"Os que falam deste assunto precisam muitas vezes de levantar a sua voz até um nível quase histérico, sujeitando-se a ser classificados de cobardes, de incómodos públicos ou de Jeremias. Mas eles fazem-no porque o que eles pretendem que os outros vejam parece benigno, quando não é mesmo completamente invisível. Um mundo orwelliano é muito mais fácil de reconhecer e combater do que um huxleyano. Toda a nossa experiência nos preparou para reconhecer e resistir à prisão quando os portões começam a fechar à nossa volta. Não é provável, por exemplo, que sejamos indiferentes às vozes dos Sakharovs e dos Timmermans e dos Walesas. Pegamos em armas contra um tal oceano de problemas, apoiados pelo espírito de Milton, Bacon, Voltaire, Goethe e Jefferson. Mas e se não houver gritos de angústia para se ouvir? Quem é que está preparado para pegar em armas contra um mar de divertimentos? A quem nos podemos queixar, e quando, e em que tom de voz, quando o discurso sério se dissolve em risinhos? Qual é o antídoto para uma cultura que é arrastada pelo riso?

Receio que os nossos filósofos não nos tenham deixado orientação neste assunto. Os seus avisos foram tradicionalmente dirigidos contra aquelas ideologias conscientemente formuladas que apelam às piores tendências da natureza humana. Mas o que se passa na América não é o resultado de uma ideologia articulada. Nenhum Mein Kampf ou Manifesto Comunista anunciou a sua chegada. Acontece como consequência não intencional de uma mudança dramática nos nossos modos de conversação pública. Mas é uma ideologia, apesar de tudo, pois impõe um modo de vida, um conjunto de relações entre pessoas e ideias, sobre as quais não tem havido consenso, discussão ou oposição. Apenas submissão. A consciência pública ainda não assimilou que tecnologia é ideologia. Isto apesar do facto de perante os nossos olhos a tecnologia ter alterado todos os aspectos da vida na América ao longo dos últimos oitenta anos. Por exemplo, teria sido desculpável em 1905 não estar preparado para as mudanças culturais que o automóvel iria trazer. Quem poderia ter suspeitado nessa altura que o automóvel ditaria como haveríamos de conduzir a nossa vida social e a nossa vida sexual? Que reorientaria as nossas ideias acerca do que fazer com as nossas florestas e cidades? Que criaria novas formas de expressar a nossa identidade pessoal e o nosso estatuto social?

Mas entretanto já passou muito tempo, e a ignorância da partitura é agora indesculpável. Não estar consciente que uma tecnologia vem equipada com um programa de mudança social, manter que a tecnologia é neutra, assumir o pressuposto de que a tecnologia é sempre amiga da cultura é, neste momento mais tardio, estupidez pura e simples. Além disso, já vimos o suficiente por esta altura para saber que mudanças tecnológicas nos nossos modos de comunicação são ainda mais conduzidas ideologicamente que mudanças nos nossos modos de transporte. Introduza-se o alfabeto numa cultura e alterar-se-á os seus hábitos cognitivos, as suas relações sociais, as suas noções de comunidade, história e religião. Introduza-se a imprensa com caracteres móveis e far-se-á o mesmo. Introduza-se transmissão de imagens à velocidade da luz e far-se-á uma revolução cultural. Sem um voto. Sem polémica. Sem resistência de guerrilha. Aqui está a ideologia, pura, senão mesmo serena. Aqui está a ideologia sem palavras, e ainda mais poderosa pela sua ausência. Tudo o que é necessário para que pegue é uma população que devotamente acredite na inevitabilidade do progresso. E neste sentido todos os americanos são marxistas, pois acreditamos sempre que a história nos move em direcção a um paraíso pré-organizado e que a tecnologia é a força por trás desse movimento.

Assim, existem dificuldades quase inultrapassáveis para quem escreva um livro como este e o queira terminar com alguns remédios para a aflição. Em primeiro lugar, nem toda a gente acredita que uma cura é necessária, e em segundo lugar, provavelmente ela nem existe. Mas enquanto fiel Americano que assimilou a inabalável crença de que onde há um problema tem de haver uma solução, concluirei com as seguintes sugestões.
(...)"