quarta-feira, 22 de abril de 2015

O problema da nudez...

A origem do mundo. Gustave Courbet, 1866.


1 - O episódio, que é o que menos interessa...

No passado domingo, na praia de Matosinhos, depois de ter jogado à bola (com o pé e com a mão, embora não ao mesmo tempo) e de, cheio de calor, ter temperado (como o aço rubro) na água fria do mar, dirigi-me para o balneário, a terceira rocha junto ao paredão do porto de Leixões a contar do mar, para me vestir e ir embora. Depois de, já em criança, ter chegado à conclusão que fazer um grande esforço para trocar de calções com uma toalha à volta é uma inutilidade, adquiri o hábito de trocar de calções sem toalha à volta. Além de ser muitíssimo mais prático, permite arejar melhor os tintins e deste modo secá-los. Porque também não é nada prático, nem cómodo, nem higiénico, vestir cuecas e calças com os tintins ainda húmidos. Finalmente, faço-o também para aproveitar uns segundos que seja sem roupa a tolher-me os movimentos.

A ponta de um dedo, enquanto fazia nudismo numa
praia perto da Zambujeira do Mar em 2009.


Gosto de me sentir nu. Gosto da sensação de não ter nada a apertar-me ou a alterar aquilo que no fundo sou. Gosto de ter a pele toda à mostra, e os pêlos todos. De passar a mão na pele da cara e de poder deslizar num contínuo até aos pés, sentindo que cabeça e pés partilham o mesmo embrulho e fazem parte do mesmo corpo, do meu corpo, muito uno. Sem sentir que a cabeça está aqui, as mãos acolá, os pés mais adiante, com botões e cintos e fivelas e colarinhos e elásticos e cordões pelo meio.

Por isso mesmo às vezes aproveito, quando estou em casa e há condições para isso, para andar nu. E porque tenho o sono leve, infelizmente, e porque rodopio na cama durante a noite e o pijama se enrola todo transformando-se em camisa de forças, durmo sempre nu.

As condições para me pôr nu em casa incluem não ter de fazer uma actividade que ponha em risco a integridade física da pele (que feliz ou infelizmente é delicada, como em quase toda a gente), não correr o risco de gelar de frio, e ter a expectativa de estar sozinho e invisível para os outros durante um bom bocado.

Desde cedo, desde criança, como atrás referi..., que aprendi as normas sociais desta questão. Aprendi que devo trocar de calções na praia com uma toalha à volta não por minha causa, mas por causa dos outros, porque eles podem não gostar. Mais tarde, aprendi com bastante surpresa... eu diria mesmo choque, que se pode ser preso por andar nu na rua. Para mim isso levantou uma série de questões de difícil resposta: e se a pessoa não tiver mesmo nada para vestir? e se, por exemplo, os amigos lá da rua me fizerem uma "barrela" (como eles chamavam à brincadeira idiota de tirar a roupa toda a uma pessoa e deixá-la nua no meio da rua... o termo existe no meu dicionário e está associado com as lavagens de roupa à moda antiga, em que inclusivamente se procedia ao branqueamento com cinzas)? e porque é que a pessoa há-de ir presa? que mal é que ela estará a fazer aos outros?...

Bom, com mais ou menos questões em aberto às quais os adultos não me sabiam responder cabalmente, eu aprendi. Mais tarde, porém, aprendi que, como alguém dizia, é importante saber as normas para poder quebrá-las. E comecei a quebrar as normas, com conhecimento delas. Percebi que a nudez interessa a praticamente toda a gente. Que quando uma pessoa se apresenta nua à sua frente, é-lhes muito difícil não analisar o seu corpo, e sobretudo os seus órgãos genitais (a mim também... e não evito... olho e analiso e já está!... qual é o problema?... mas acredito que se a nudez fosse mais normal na nossa sociedade, também o interesse em olhar e analisar seria menor). Percebi que isso pode fazer as pessoas pensar no seu próprio corpo, ou no de outros, e isso pode desencadear sentimentos de ciúme, de inveja, de desejo... Isso pode fazer as pessoas pensar em sexo. Em casos que me parecem doentios, isso pode fazer as pessoas terem repulsa, como se sentissem que é errado termos órgãos genitais agarrados ao corpo, ou como se tivessem nojo desses órgãos, no seu próprio corpo ou em corpos alheios.

Aprendi e percebi. E porque não desejo morrer novo, de cada vez que tiro os calções em público, faço por avaliar o contexto: estou na praia ou numa reunião com o chefe? quantas pessoas estão à minha volta? de que meio cultural serão e como avaliarão a nudez?...

Neste domingo, depois de uma olhadela à volta, constatando que não havia crianças por perto e que para além de uma mulher, que estava sentada a olhar o mar de costas para mim, só havia um grupo de homens já com alguma idade, pensei que não iria chocar ninguém. Estava no "balneário", num círculo formado por três amigos. Tirei os calções, e enquanto espremia o fato de banho, achava um sítio para o guardar, procurava a toalha para me secar e depois as cuecas para vestir, algo que deve demorar um loooongo minuto, aproveitei para deixar os tintins secar. Não me virei para fora do círculo, não fiz o pino e não anunciei em voz alta a chegada do novo profeta. Mas de qualquer modo, assim que eu me estava a começar a secar com a toalha, comecei a ouvir bocas que, ao fim de uns segundos, me pareceram serem a propósito da minha nudez. Ainda não tinha olhado para investigar melhor e estava a pensar "deve ser um amigo de alguém, a gozar com a situação...". Levantei a cabeça, certamente com um ar estúpido, ao mesmo tempo intrigado e pronto para entrar na brincadeira, e reparei que as bocas vinham de um homem que estava deitado numa toalha, entre amigos que estavam de pé, a uns dez metros de distância.

Na praia da Memória, Matosinhos, em 2013.
Foto de Rui Franco, que me cortou o pé.
Esta é mesmo a gozar a situação!... Então e agora! :)
(deves julgar-te muito lindo, deves!)


Para quem gosta de apreciar os genitais dos outros, um loooongo minuto é imenso tempo! Dá tempo para atentar, por entre as pernas próximas dos próprios amigos e por entre as pernas distantes dos amigos alheios, ao modo exibicionista que tem alguém que está a secar os tintins entre a mudança de vestuário molhado para vestuário seco. E o meu ar certamente idiota perante tais bocas deve ter parecido a esse homem uma verdadeira afronta, porque imediatamente a seguir ele estava a oferecer-me porrada, à boa maneira nortenha. Por entre as coisas que ele foi dizendo, que eu não fixei, lembro-me de ter referido qualquer coisa acerca de crianças e senhoras...

Assim que eu percebi que as bocas eram mesmo a sério, liguei o meu modo "evitar conflitos": desviei o olhar, coisa que qualquer etólogo compreenderá bem, ignorei e continuei a fazer o que estava a fazer que era, de qualquer modo, vestir-me. O homem continuou com as suas bocas, até que eu já estava com ar apresentável e ele finalmente acalmou-se.

Quando, passados uns cinco minutos, arranquei em direcção às ruas de Matosinhos, tentei olhar nos olhos o meu agressor, para lhe dizer simplesmente "está tudo bem... talvez para a próxima não seja necessário dedicar-me tanta violência verbal e ameaçar-me de violência física", mas ele refugiou-se no seio do seu grupo, certamente sem saber bem que atitude assumir agora que eu era, afinal, um ser igual a ele.

2 - O respeito...

O que é o respeito?... Há pouco tempo fiz um exercício para tentar definir para mim mesmo o que é o respeito, se o respeito é uma coisa boa ou má em si mesma ou em que circunstâncias pode ser considerado uma coisa boa ou má... Eu saí do exercício mais confundido do que quando entrei. No fundo, percebi que não percebo bem o que é o respeito. No meu dicionário as definições alternativas para respeito são as seguintes: acto ou efeito de respeitar (o que é quase uma tautologia digna de um bom dicionário, porque afinal os dicionários são tautologias), consideração, deferência, acatamento, veneração, homenagem, culto, apreço, submissão, temor, relação, reverência, importância, aspecto, consideração, ponto de vista. E creio que dá para perceber, logo à partida, que este não é um assunto fácil.

Para mim as palavras não têm valor em si. E se esta palavra é uma confusão, eu prefiro deitá-la fora e utilizar outra. Ou utilizar um conceito, mesmo que não possa ser sintetizado numa só palavra, que melhor exprima o que quero dizer.

O que está em causa no caso da nudez pública (porque creio que ninguém levantará sérias objecções à nudez privada) é fazermos algo que pode causar danos directos ou indirectos, imediatos ou desfasados no tempo, aos outros.

Facilmente entenderemos que este é um assunto polémico, onde as opiniões se dividem. E a conversa tenderá a seguir por aí...

Só que ao fazê-lo, ao centrar a conversa nas consequências da nudez pública, estamos a esquecer outros aspectos relativamente simples desta mesma questão. Por exemplo: se eu quiser andar nu na praia e não puder porque causo dano nos outros, isso causa-me dano a mim também. E qual é o dano maior? Quando alguém coloca a música muito alta num local público, isso pode incomodar os outros, e eu sou da opinião que o direito ao silêncio deve prevalecer. Mas tenho essa opinião porque por um lado é difícil evitar o som alto dos outros, e por outro há imensas oportunidades para ouvir som alto em público (demasiadas, segundo os meus padrões!). Quanto à nudez, basta não olhar, e o assunto ficará resolvido. E não há possibilidades alternativas para a nudez pública. Assim, não será também a reacção das pessoas uma violência sobre quem deseja andar nu?

Numa sociedade onde se apregoa aos quatro ventos o direito e o respeito (lá vamos nós!) à diferença, o que eu noto é que cada vez menos uma pessoa tem o direito de ser diferente. Há uma coisa que se define com uma clareza cada vez maior à medida que as décadas e os séculos avançam: um pensamento dominante. E esse pensamento dominante, que se imiscui no nosso pensamento sem darmos por isso desde bebés, é, como sempre foi, naturalmente avesso à diferença.

Finalmente, há a questão óbvia de resolver o assunto com porrada.

3 - O problema da nudez, finalmente...

As pessoas que se importunam com a nudez alheia sentem sempre uma necessidade de o justificar com o efeito nefasto que isso provoca em terceiros. Quando se lhes pergunta "mas qual é o teu problema?", elas sistematicamente não têm problema algum, os outros é que podem ter!

E quem são esses outros a quem a nudez pode causar dano? São sistematicamente apontados os entes mais coitadinhos da comunidade humana, os mais frágeis, os mais inocentes, os mais permeáveis às podridões do espírito, os mais puros: as crianças, sempre em primeiro lugar, e depois as mulheres. Os homens, esses nunca têm problema algum com a nudez, porque assim como assim já são podres de espírito por natureza, tarados sexuais por definição. Os velhos, esses, nunca são mencionados nestas conversas.

Numa pequena albufeira ao norte de Madrid, em 2006.
Todas as pessoas nesta foto, homens e mulheres
nos seus 20 anos, estão nus.


E que danos são esses que a nudez pode causar nessas pessoas castas? São os danos todos que associamos ao sexo e à carne: a inveja, o ciúme, o convite à facada, a pedofilia, o adultério, o incesto, a homossexualidade, e sabe Deus que outras coisas pérfidas e odiosas!... Tudo isso pode ser senão causado, pelo menos provocado pela simples visão da nudez alheia!

Isso é o que nos dizem uma vez após outra as pessoas que se insurgem quando vêm os pêlos púbicos doutro. Mas terá isso tudo alguma adesão à realidade?...

Dito de uma forma simples, para não me estender muito sobre isto, a resposta é: não. Não, a ideia de que a visão da nudez alheia pode provocar esse tipo de danos não tem qualquer fundamento. Pelo contrário, há imensas provas precisamente do contrário, isto é, que a visão ocasional ou sistemática da nudez alheia não causa nenhum desses danos (aliás, nem sequer muitos desses "danos" são efectivamente danos, e os que o são, são-no discutivelmente). E já apresentarei alguns exemplos.

Se, para já, admitirmos como verdadeiro o que acabei de afirmar, então seremos forçados a concluir que o problema que a nudez causa nas pessoas está precisamente na cabeça das pessoas. As pessoas objectam à nudez alheia porque não estão habituadas, porque têm medo, porque elas próprias têm algum desvio relativamente a uma atitude saudável perante o corpo humano e a sexualidade ou por outra razão qualquer, mas sempre por alguma coisa que está apenas e só dentro da sua cabeça.

E para quem, como eu, sabe que não tem um corpo fantástico, mas simplesmente gosta de uma vez por outra andar nu, e até prefere evitar confusões fazendo-o sozinho, ter de sentir o modo como os outros lhe colocam limitações à sua liberdade, baseados em problemas mentais sem adesão à realidade... bom... é um pouco frustrante...

Mas enfim... transige-se!

Que remédio!... Senão ainda acordamos mortos!

Vejamos então alguns fundamentos para a tese de que a visão da nudez alheia não causa danos nos outros, para lá do desconforto que pode causar olhar para algo de que não se gosta, como roupa feia, a menos que os outros tenham já à partida problemas com a sexualidade ou algo do género.

Em primeiro lugar, há que considerar que o homem é um bicho e nem sempre andou vestido. Aliás, a julgar pelo que é dito no programa da BBC que apresento em baixo, durante a maior parte da história da humanidade, a nossa espécie viveu e conviveu completamente pelada. E não consta que tenha ocorrido nada de muito grave, porque enquanto espécie, ela singrou.



Podem seguir os links para ver este programa da BBC desde o início. No programa também se avançam as teses de que a nudez pode pôr em causa a estabilidade dos casais e assim de toda a sociedade, de que é possível habituarmo-nos à nudez, de que ninguém nasce com modéstia sexual e de que podemos criar novas regras sociais, entre outras.

Em segundo lugar é necessário considerar que, conforme o programa anterior refere de passagem, as pessoas não nascem com qualquer conceito sobre a nudez dentro de si. Nem sobre roupas!... E enquanto os instintos sexuais surgem naturalmente, a seu tempo, as ideias sobre vestuário ou sobre nudez são integralmente adquiridas pelo meio social onde se vive.

Daí resulta que as pessoas que menos problemas têm com a nudez são precisamente as crianças. Era o que faltava uma criança ficar chocada por ter vindo ao mundo através da vagina da mãe, ou ficar relutante em chupar o mamilo de uma mama que se lhe apresente.

Em terceiro lugar, e em consequência do que foi dito, as nossas reacções à nudez são obrigatoriamente culturais. E a comprová-lo estão todas as culturas que ainda no momento presente consideram a nudez o estado normal das coisas. E não consta que sejam sociedades de tarados.

Em quarto lugar posso referir experiências como a da escola de Summerhill, uma escola muito diferente onde os alunos têm mais poder do que nas escolas comuns. Conheci este projecto há já muitos anos através do livro "Liberdade sem medo" que recomendo vivamente (aqui uma versão em inglês), do qual retiro o seguinte excerto:

"Nudity

Many couples, especially among the working class, never see each other’s bodies until one of them dresses the other’s corpse. A peasant woman I knew was a witness in a court case of exhibitionism. She was genuinely shocked. “Come, come, Jean:’ I chided her. “Why, you’ve had seven children.”

“Mr. Neill,” she said solemnly, “I never saw John’s...I never saw my man naked all my married life.”

Nakedness should never be discouraged. The baby should see its parents naked from the beginning. However, the child should be told when he is ready to understand that some people don’t like to see children naked and that, in the presence of such people, he should wear clothes.

There was the woman who complained because our daughter bathed in the sea au naturel. At the time, Zoe was one year old. This matter of bathing tersely sums up the whole anti-life attitude of society. We all know the irritation arising from trying to undress on the beach without exposing our so-called private parts. Parents of self-regulated, free children know the difficulty of explaining to a child of three or f
our why he must wear a bathing suit in a public place.

The very fact that the law does not permit exposure of the sex organs is bound to give children a warped attitude toward the human body. I have gone nude myself, or encouraged one of the women on the staff to do so, in order to satisfy the curiosity of a small child who had a sense of sin about nakedness. On the other hand, any attempt to force nudism on children is wrong. They live in a clothed civilization, and nudism remains something that the law does not permit.

Many years ago, when we came to Leiston, we had a duck pond. In the morning, I would take a dip. Some of the faculty and the older girls and boys used to join me. Then we got a batch of boys from private schools. When the girls took to wearing bathing suits, I asked one, a pretty Swede, why.

“It’s these new boys:’ she explained. “The old boys treated nudity as a natural thing. But these new ones leer and gape and --well, I don’t like it” Since then, the only communal nude bathing has been done during the evening trips to the sea.

One would think that being brought up free, the children in Summerhill would run about naked in summer. They don’t. Girls up to the age of nine will remain nude on a hot day, but small boys seldom do. This is puzzling when one takes into consideration the Freudian statement that boys are proud of having a penis while girls are ashamed of not having one.

Our small boys at Summerhill show no desire to exhibit themselves and the senior boys and girls hardly ever strip. During the summer, the boys and men wear only shorts without shirts. The girls wear bathing suits. There is no sense of privacy about taking baths, and only new pupils lock bathroom doors. Although some of the girls take sunbaths in the field, no boys ever think of spying on them.

I once saw our English teacher digging a ditch in the hockey field, assisted by a group of helpers of both sexes ranging in age from nine to fifteen. It was a hot day and he had stripped. Another time, one of the men on the staff played tennis in the nude. At the School Meeting he was told to put on his pants in case tradesmen and visitors should happen by. This illustrates Summerhill’s down-to-earth attitude toward nudity.

Pornography

All children are pornographic, sometimes openly, other times secretly. The least pornographic are those who have had no moral taboos about sex in their infancy and early childhood I am sure that later on our pupils from Summerhill will be less inclined toward pornography than children brought up under hush-hush method. As one boy said to me when he came back for a visit during his vacation from the university, “Summerhill spoils you in one way. You find chaps of your own age too dull. They talk about things I grew out of years ago”

“Sex stories?” I asked. “Yes, more or less. I like good sex stories myself, but the one they tell are crude and pointless. But it isn’t only sex. It’s other things, too - psychology, politics. Funny, I find myself tending to chum with fellows who are ten years older than I am.”

One new boy at Summerhill, who had not outlived the smutty phase of his prep school, tried to be pornographic. The others shut him up not because he was being pornographic but merely because he was sidetracking an interesting conversation.

Some years ago we had three girl pupils who had passed through the usual stage of talking out forbidden topics. Later, a new girl came to Summerhill and was assigned to a room with these three girls. One day, this new girl complained to me that the three other girls were dreadfully dull companions. “When I talk about sex things in the bedroom at night, they tell me to shut up. They say they are not interested.”

It was true. Naturally, they had an interest in sex but not in its hidden aspect. These girls had had their conscience about sex as a dirty subject destroyed. To a new girl, fresh from the sex talk of a girls’ school, they appeared to be highly moral. And they really were highly moral, for their morality was founded on knowledge--not on a false standard of good and bad.

Children who are freely brought up about sex matters have an open mind about so-called vulgarity. Some time back, I heard a vaudevillian in the London Palladium who sailed very near the wind in a breezy Elizabethan manner. It struck me then that he got laughs from his audience that he couldn’t have got from the Summerhill crowd. Women shrieked when he mentioned ladies’ undergarments, but Summerhill children would not consider such remarks at all funny.

Once, I wrote a play for the kindergarten children. It was quite a vulgar play about a woodcutter’s son who found a hundred-pound note and ecstatically showed it around to his family, including the cow. The dumb beast swallowed it, and all the family’s efforts to get the cow to drop the note proved futile. Then the boy conceived a brilliant idea. They would open a booth at a fair, and charge a shilling for two minutes of attendance. If the cow dropped the money during someone’s attendance, that person would win the
money.

The play would have brought down the house in a West End music hall. Our children, however, took it in their stride. Indeed, the actors (six to nine years old) saw nothing funny in it at all. One of them, a girl of eight, told me that I was silly not to use the proper word in the play; of course, she meant what other people would call an improper word.

The free child is not likely to suffer from voyeurism at Summerhill. Our pupils do not snigger or feel guilty when a film shows a toilet or mentions birth. Every now and then we have an epidemic of writing on toilet walls. To a child, the toilet is the most interesting room in any house. The toilet seems to inspire many writers and artists, which is natural when one considers that the bathroom is a place for creation.

It is a fallacy that women are more pure-minded than men. A man’s club or bar, however, is much more likely to be pornographic than a woman’s club. The vogue of the risque story is entirely due to its unmentionableness. In a society without sex repressions, the unmentionable would disappear. At Summerhill, nothing is unmentionable and no one is shockable. Being shocked implies having an obscene interest in what shocks you.

Those people who cry in horror, “What a crime to rob little children of their innocence!” are ostriches hiding their heads in the sand. Children are never innocent, though they are often ignorant. And the ostriches fly into hysterics over depriving the child of ignorance.

The most suppressed child is really not ignorant about much. His contact with other children gives him that dreadful “knowledge” that miserable little kids give to each other in dark corners. For those who have been at Summerhill since an early age, there are no dark corners. These children do have an interest in sex matters, but it is not an unhealthy interest. Such children have a really clean attitude toward life."

(Texto completo aqui)

É muito interessante o aspecto salientado pelo autor acerca do modo como as crianças, e eu acrescento todas as outras pessoas, ligam menos às coisas quando estão habituadas a elas...

Mas para quem achar que isto é apenas um caso isolado, um exemplo sem paralelo, um ensaio sem fundamento, eu apresento então um estudo científico com um pouco mais de rigor. Chama-se "Early childhood exposure to parental nudity and scenes of parental sexuality ("primal scenes"): an 18-year longitudinal study of outcome." e está disponível aqui. O estudo aponta precisamente que não há efeitos significativos da exposição das crianças à nudez dos pais ou à sua sexualidade.

E enfim... para quem se interessar por isto, até o artigo da wikipedia sobre a nudez é um bom ponto de partida!... A mim dá-me vontade de dizer: escuta, Zé ninguém!...

sábado, 18 de abril de 2015

Foram-me ao cego!...

E pelos vistos está tudo bem!...

Terceira em Abril...

Fotos aqui.

O conversor...

Quem conversa a dor
é como um conversor
que não conserva a dor.


quinta-feira, 2 de abril de 2015

Os momentos altos dos meus dias...

Às vezes vêm-me das pontas dos dedos...


quarta-feira, 1 de abril de 2015

O leite liberalizado...


Este artigo vem na sequência do anúncio do fim do sistema de quotas leiteiras na União Europeia. É especialmente escrito para quem julga que os partidos são todos iguais, que socialismo ou liberalismo são apenas palavras e que nada dessas análises sócio-político-económico-coisas tem a ver com a nossa vida do dia-a-dia.

A sobreprodução ocasional

Ao contrário do que alguém menos informado possa supor, muitas crises económicas não são de subprodução, mas sim de sobreprodução. Isso mesmo: produzem-se bens e serviços em quantidade superior àquilo que as pessoas e as empresas são capazes ou estão dispostas a adquirir. Também é assim nos tempos actuais, em que tanto se fala de crise.

Na agricultura e na pecuária essas crises de sobreprodução são conhecidas desde tempos anteriores à Maria Cachucha. Basta que num determinado ano haja um conjugação de factores nesse sentido: as pessoas têm pouco dinheiro no bolso, os agricultores plantaram todos a mesma coisa há uns meses atrás, as condições climatéricas foram favoráveis... E logo o mercado fica inundado, por exemplo, de tomates.


E qual é o problema da sobreprodução? Bom, o problema é que, por uma vez, a "lei" da oferta funciona mesmo, e os preços dos produtos excedentários tendem a descer imenso. Imagine que produziu tomates e que os vai vender ao mercado. Imagine que fez as contas e chegou à conclusão que gastou 1000 moedas para produzir 1000 tomates. Imagine que tenta vender os tomates a 2 moedas cada um e que não consegue vender nenhum. Provavelmente baixará o preço para 1,5 moedas por tomate. Imagine que então só consegue vender 100 tomates. Neste momento você gastou 1000 moedas e só conseguiu reaver 150, portanto ainda tem um grande prejuízo. Imagine que em desespero, e para tentar pelo menos ficar com as contas equilibradas, você baixa o preço para 1 moeda por tomate. Mas, mesmo assim, e porque há muita gente a fazer o mesmo e há tomates por todo o lado, você só consegue vender mais 500 tomates. Neste momento você gastou 1000 moedas e só conseguiu reaver 650, e ainda tem 600 tomates para vender. Então você pensa: eu tenho mesmo que conseguir as 1000 moedas, pelo menos, para poder pagar os empréstimos que fiz quando plantei os tomateiros... Assim, você decide começar a vender os tomates abaixo do seu custo, a 0,5 moedas por tomate. Bom... o mecanismo continua até que você já está praticamente a dar os seus tomates ao preço da chuva e mesmo assim não consegue reaver as 1000 moedas que investiu no início.

Tudo isto poderia ser evitado facilmente se o mercado não funcionasse de forma tão desregulada. Há muitas formas de o conseguir. A forma mais fácil é simplesmente destruir parte da produção. No exemplo dos tomates, se metade dos tomates produzidos fossem imediatamente destruídos, o preço não baixaria tanto e a crise poderia ser evitada.

Mas o problema de executar semelhantes medidas é que elas têm de ser planeadas em conjunto por todos os produtores. É aí que se demonstra que um mercado regulado funciona melhor que um mercado desregulado, e que a procura do bem colectivo produz um resultado globalmente melhor do que a procura do bem individual por cada agente económico.

Ou seja: se for necessário destruir metade da produção de tomates, quem é que será o primeiro produtor a destruir metade da sua produção?... Imagine-se nessa situação. Será que você estaria disposto a destruir metade da sua produção?... Você e outros produtores como você estariam dispostos a fazê-lo, talvez... mas muitos outros não. E no final você, com a sua atitude bem intencionada, constataria que o preço do tomate não iria baixar tanto, mas você ficaria muitíssimo prejudicado, pagando do seu bolso o aumento do rendimento dos outros produtores!

Para que medidas deste tipo funcionem é necessário que haja algum tipo de concertação dos interesses de todos os produtores num mesmo mercado. As cooperativas de produtores podem fazer esse trabalho de concertação. Também os governos dos diversos países.

Mas quando os mercados se tornam cada vez mais integrados, rumo à globalização total, as estruturas de concertação também têm de se tornar globais. Imagine, para demonstrar isto mesmo, que no mercado dos tomates existe uma cooperativa de todos os produtores de tomate excepto um, que tem a mania que não está para pertencer a cooperativas. Se num ano de sobreprodução a cooperativa decidir destruir metade dos tomates, para impedir que os preços do tomate baixem muito, o produtor isolado, que não destruiu metade da sua produção, fica em vantagem perante todos os outros!... Torna-se então necessário que não só as estruturas de concertação se tornem globais, como que a participação dos produtores nessas estruturas seja obrigatória.

A PAC - Política Agrícola Comum

A PAC é das primeiras e das mais importantes políticas da União Europeia. Foi implementada através do Tratado de Roma (assinado em 1957 pela Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Alemanha Ocidental, França e Itália) que instituiu a CEE - Comunidade Económica Europeia, que precedeu a Comunidade Europeia e a União Europeia.

No rescaldo da segunda guerra mundial, com a noção plena da importância da autosuficiência alimentar, e após um período de subprodução, o objectivo primordial da PAC foi o de garantir essa autosuficiência alimentar. Para esse efeito foram implementadas políticas de aumento da produtividade agrícola e pecuária e políticas de apoio ao rendimento dos respectivos produtores.

O que se seguiu foi uma história de "sobre-sucesso"! O aumento da produtividade foi de tal ordem, que cedo se passou de uma situação de sobprodução para uma situação de sobreprodução. Os mecanismos da PAC que existiam para garantir o rendimento dos produtores começaram a ser levados ao limite. No caso do leite, por exemplo, a CEE adquiria leite e derivados (sobretudo derivados menos perecíveis como leite em pó, leite condensado ou manteiga) para impedir a queda dos preços nos mercados. Isto equivale a retirar artificalmente do mercado a produção excedentária, o mesmo que destruir tomates no exemplo anterior. Só que a quantidade adquirida destes produtos era tão elevada que a CEE estava a gastar rios de dinheiro e além disso não conseguia dar destino aos produtos adquiridos (uma das coisas que foi feita foi enviar os excedentes para outros países, em forma de "ajuda humanitária", o que na verdade só contribuiu para aniquilar os produtores desses mesmos países).

Foi então que PAC foi alterada e foi introduzido o sistema de quotas: a sobreprodução seria evitada se a quantidade máxima produzida em cada período estivesse fixada logo à partida.

A sobreprodução sistemática

O mundo está em constante evolução. Muitas coisas mantêm-se, mas outras alteram-se. Uma das coisas que se tem alterado muito ao longo das últimas décadas é a produtividade técnica das actividades económicas. Os avanços no conhecimento e na aplicação desse conhecimento conseguiram e continuam a conseguir, efectivamente, aumentos espantosos de produtividade. O que se passou nas últimas décadas na Europa com os produtos agrícolas e pecuários foi um exemplo desse aumento da produtividade técnica.

(imagem retirada daqui)


(A produtividade técnica é uma produtividade real, no sentido que compara a quantidade de factores produtivos utilizados com a quantidade de produtos gerados. Distingue-se da produtividade económica, que compara o dinheiro gasto em factores produtivos com o dinheiro conseguido na venda dos produtos.)

No caso das actividades primárias na União Europeia, a PAC foi a medida adoptada que permitiu estancar o problema da sobreprodução sistemática gerada pelos aumentos da produtividade nesse sector.

Mas não existe nenhuma política semelhante para as restantes actividades produtivas! Porquê?...

O liberalismo económico

A resposta à última questão reside na ideologia do liberalismo económico que molda o pensamento dominante em Portugal e em muitos outros países no momento actual.

Segundo o liberalismo económico, o óptimo social atinge-se através da prossecução dos óptimos individuais. Basicamente é o "cada um por si", o "fé em Deus" e o "vale tudo menos tirar olhos". Segundo os apologistas desta ideologia, qualquer intervenção do Estado na economia, seja no sentido de criar impostos, de criar estruturas de concertação, de subsidiar, de impôr códigos de conduta, de limitar a concentração económica ou a circulação de capitais, de redistribuir o rendimento para atenuar as desigualdades, de criar empresas estatais para assegurar bens e serviços fundamentais ou de em algum modo afectar a propriedade privada e a livre iniciativa dos indivíduos, é uma intervenção que introduz mais custos sociais do que benefícios e, portanto, deve ser evitada.

Os partidos de direita são os defensores por excelência do liberalismo económico. Em Portugal, PSD e CDS são os partidos de direita com maior expressão. De cada vez que um português vota num destes partidos está, com consciência disso ou não, a apoiar a implementação de políticas económicas liberais.

PSD e CDS fazem parte de um partido político europeu chamado "Partido Popular Europeu". É este partido político que, em resultado das eleições europeias, tem tido a maioria dos deputados no parlamento europeu nos últimos anos. É este partido que implementa as políticas liberais ao nível da União Europeia.

Liberalismo económico é um conceito que em geral não é bem visto por quase todas as pessoas que têm pelo menos uma vaga noção do que seja. Isto acontece porque o conceito se associa a um "salve-se quem puder" ou à "lei do mais forte". Note-se que estas associações são, em geral, correctas! E precisamente por causa disso, as pessoas que consciente ou inconscientemente defendem o liberalismo económico tendem a adoptar outros nomes para designar essas ideias. Por exemplo, os defensores da "economia de mercado" em geral são defensores do liberalismo económico. Ao nível dos partidos as designações tornam-se bem mais sofisticadas, no sentido de captar o maior número de eleitores possível. É assim, por exemplo, que PSD quer dizer "Partido Social Democrata" e CDS quer dizer "Centro Democrático e Social". Destas designações ficamos a saber que os partidos supostamente defendem a democracia e têm em conta aspectos sociais... É muito vago, não é?... No entanto, além de ser vago, nem sequer é verdade: por exemplo, ambos os partidos defendem o capitalismo, e o capitalismo é contrário à democracia.

Mas um exemplo extremo deste tipo de designações inócuas, para não dizer enganadoras, com o objectivo único de captar eleitores, é precisamente o de "Partido Popular Europeu". Qualquer coisa entre o "partido do povo" e o "partido populista"... é algo que não diz nada de nada acerca do que se está efectivamente a defender. Note-se que essa é também uma designação que o CDS adoptou para si própria.

Mas voltemos à questão que ficou em aberto na última secção: porque é que a União Europeia só tem políticas que combatem sobreproduções na agricultura e na pecuária?

Agora que percebemos que a União Europeia é comandada por defensores do liberalismo económico, já podemos compreender que a questão a colocar deve ser precisamente a inversa: porque é que a União Europeia mantém a PAC? Isto porque já sabemos que o liberalismo económico defende que os mercados não devem sofrer qualquer tipo de intervenção de qualquer tipo de autoridade.

A PAC é uma política excepcional. Os liberais sabem bem que o funcionamento livre dos mercados gera crises de sobreprodução (muitas vezes seguidas de crises de sobprodução), gera crises de desemprego, gera concentrações económicas fabulosas, e gera uma data de outros efeitos socialmente indesejáveis. Os liberais defendem ainda assim este tipo de economia porque eles estão do lado dos fortes. E de cada vez que existe uma deslocalização de uma empresa, ou uma inundação com importações baratas que arrasa a economia local, ou uma falência ou algo do género, isso significa que há um lado mais forte que está a benificiar com isso tudo. E é esse lado mais forte que os liberais protegem.

Daí, por exemplo, todo o discurso liberal da meritocracia - que devemos premiar o mérito, isto é, devemos premiar os melhores, promover a excelência e por aí fora - que quase todas as pessoas aceitam de bom grado, sem se aperceberem que numa corrida, dê por onde der, só pode haver um vencedor, e que provavelmente esse vencedor não seremos nós!

A PAC e o liberalismo económico

A PAC é excepcional e existe apenas porque os liberais, por mais que liberais que fossem, eram também um pouco nacionalistas, e tinham também um pouco de medo de não ter o que comer ao virar da esquina. Afinal, os sistemas liberais só podem ser mantidos com Estados fortes, Estados protectores dos interesses liberais dos mais fortes, e toda essa máquina precisa de ser alimentada, literalmente.

No entanto, uma das coisas que tem mudado no mundo é a facilidade de circulação das pessoas, dos bens e do dinheiro. E isso tem tornado os liberais um pouco menos nacionalistas e um pouco menos medrosos, no sentido de que eles sentem, crescentemente, que não necessitam de depender das condições de um local em concreto da superfície do planeta: se o problema vem de acolá, passa-se a ter relações com o acoli; se as coisas correrem mal aqui, facilmente nos mudamos para ali.

Se houver crise nos tomates, faz-se cozinha inovadora com as mangas do Panamá.

E é assim que surgem as pressões para desmantelar os mecanismos da PAC que permitiram até agora manter uma comunidade de agricultores bem sustentada na União Europeia. O anúncio do fim das quotas na produção de leite é apenas um passo nesse sentido.

O impacto do fim das quotas na produção de leite

O fim das quotas na produção de leite significa que a produção do leite se irá passar a reger pelos mesmos mecanismos que existem no mercado dos computadores ou de outro qualquer bem transaccionável. Os produtores poderão dar azo à sua produtividade e aumentar a produção seu bel-prazer. Inevitavelmente os preços do leite no mercado europeu tenderão a baixar bastante. E isso irá aumentar a competição entre os produtores. Alguns produtores tentarão diferenciar-se, criando nos consumidores a ideia de que o seu leite é melhor que o da concorrência (o que muitas vezes poderá ser apenas uma ilusão), para assim conseguirem vender a um preço ligeiramente superior. Mas a grande maioria irá simplesmente acompanhar a descida de preços geral. Muitos produtores irão então descobrir que a produção de leite "já não compensa" e irão abandonar a actividade. O abandono da actividade de muitos produtores será bem-vinda pelos produtores que restarem.

Ou seja, no final acontece aquilo que os liberais defendem: a concorrência irá baixar os preços e puxar pela produtividade e pela competitividade das empresas, o que será benéfico para os consumidores, e será benéfico para os produtores, no sentido de que os melhores receberão o seu prémio. É a cartilha completa!



Cantava o José Mário Branco, na sua música "do que um homem é capaz":

"...
vão poluindo o percurso
com as sobras do discurso
que lhes serviu para abrir caminho

à custa das nossas utopias
usurpam regalias
para consumir sozinho

com políticas concretas
impõem essas metas
que nos entram casa dentro

como a trilateral
com a treta liberal
e as virtudes do centro

no lugar da consciência
a lei da concorrência
pisando tudo pelo caminho

p'ra castrar a juventude
mascaram de virtude
o querer vencer sozinho
..."

O que será pisado pelo caminho serão os produtores mais pequenos e naturalmente menos competitivos, que irão ser forçados a abandonar a actividade. Serão pisados os interesses dos animais, que passarão a ser olhados integralmente como máquinas de leite e viverão em ambientes como o que ilustro no início deste artigo. Serão pisados os interesses dos produtores de outros países, que verão os seus mercados inundados com os excedentes da produção europeia. Será pisada a diversidade genética, sendo eleita apenas a espécie mais produtiva, e passando-se o mesmo relativamente à alimentação das vacas. Será pisada a natureza, no sentido mais profundo, e ainda mais os interesses económicos dos mais pequenos, ao ser fomentada a utilização de produtos transgénicos. Serão pisados os interesses dos consumidores que ficarão cada vez mais sujeitos a serem enganados relativamente à verdadeira composição e proveniência do que estarão a consumir.

Mas tudo valerá a pena, dizem-nos, porque o leite será mais barato. Mesmo que já nem seja leite e mesmo que já não tenhamos dinheiro para o comprar.

A posição do CDS nos Açores como exemplo paradigmático

Diz uma notícia do jornal i, com a data de ontem, que "o CDS-PP/Açores anunciou esta terça-feira que vai agendar um debate de urgência sobre o fim das quotas leiteiras na Assembleia Legislativa da região, em Abril, para exigir ao Governo Regional que apresente uma estratégia para o sector."

(a posição do PSD é semelhante)

Isto parece uma anedota... mas não nos devemos rir tanto de aspectos que têm consequências tão sérias.

Parece uma anedota, porque o CDS é um partido liberal, mesmo que diga o contrário (se alguém tiver dúvidas em relação a isto faça o favor de investigar o conteúdo de todas as propostas defendidas pelo CDS no parlamento, por exemplo), e portanto o CDS não advoga a intervenção do Estado na economia. A "estratégia para o sector" que o CDS verdadeiramente defende é a ausência de estratégia, deixando os mercados funcionar livremente.

Por isso mesmo, quando uma medida deste tipo ameaça pôr em causa o modo de vida de uma proporção significativa do arquipélago dos Açores, o CDS fica dividido. Se lermos mais atentamente a tal notícia do jornal i, notaremos como o CDS defende "medidas" do governo regional, mas não defende os subsídios, defendendo em vez disso o aumento da competitividade das empresas e a redução dos custos de produção. Mas o aumento da competitividade das empresas e a redução dos custos de produção de leite é algo que compete exclusivamente às empresas, segundo a perspectiva do CDS, e que a concorrência tratará naturalmente de espicaçar. As explorações industriais de vacas e as rações trangénicas seguirão o seu caminho!...

É assim que o CDS, ao mesmo tempo que vê as suas próprias políticas a serem implementadas a nível da União Europeia, sente necessidade de dizer qualquer coisa, para parecer que está do lado dos agricultores, mesmo que na verdade diga apenas mais do mesmo.

Esta relação entre o CDS e a agricultura é uma coisa que se compreende melhor quando se percebe, por exemplo, a grande diferença que há entre a CNA - Confederação Nacional da Agricultura e a CAP - Confederação dos Agricultores de Portugal, e quando se coloca a questão numa perspectiva histórica, a começar de lá de trás, do tempo do feudalismo. É que na agricultura, como em tudo o resto, os interesses não são todos iguais: os interesses de quem tem mais são sempre muito distintos dos interesses de quem tem menos.

E é triste ver como agricultores e produtores pecuários de menor capacidade económica acabam convencidos com discursos à la Paulinho das Feiras, e acabam a dar o seu apoio a partidos políticos que depois, efectivamente, contribuem para a sua aniquilação económica. São os tiros nos pés desta gente...