terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Progresso geométrico...



Claustrofobia ou calor humano?...

Alegremo-nos. Um dia o progresso irá permitir que cada uma destas pessoas compre o seu próprio automóvel.

sábado, 26 de novembro de 2016

Misantropia...



Num dos livros que agora estou a ler, há esta passagem:

"Viajar, para mim, é uma forma risonha de estar só. Viajar - de barco, de avião, até de monótono comboio - tem de ser uma atenção, uma concentração apenas dividida entre o meu possível tempo de vida e o percurso efectivo. Por isso temo e odeio o rosto inesperado, o «olá» de quem nada me diz, a mão estranha esticada contra o meu sonho, a palmada no ombro da minha inocência, forçosamente resignada, o ímpeto ridículo, hipócrita e expansivo desse alguém em que não pensava há tantos anos e que, como um boneco enfadonho ou uma pirraça do demónio, irrompe na viagem e me rouba o prazer de ver a espuma na esteira do barco, a nuvem sob a asa do avião, a velocidade traumatizada da árvore além da janela do comboio."

Só leio meia página por dia, e ainda nem a meio vou, mas posso desde já recomendar: "o medo" de José Martins Garcia.

Misantropia, antropofobia, essa maçada de ter de aturar a humanidade, toda junta ou aos bocadinhos...

E, no entanto, acredito que ninguém gosta verdadeiramente de estar só. Todos querem poder partilhar o que têm dentro. O misantropo talvez tenha perdido a paciência...

Todos somos diferentes. Quanto mais formos nós próprios, quanto mais originais e criativos formos, mais diferentes seremos. A vivência em sociedade é, mesmo que discutivelmente, necessária e desejável.

Como o alemão barbudo dizia, a economia é a infraestrutura na qual assentam todas as superestruturas sociais. A economia molda o homem. Mais do que o homem molda a economia, mesmo que a economia seja simplesmente um produto da humanidade.

A diversificação das mentes humanas acompanha a diversificação das actividades económicas. No tempo em que, por necessidade ou outro motivo, todos eram pastores, agricultores, pescadores, e outros ôres, no tempo em que todos viviam na mesma casa, o entendimento seria porventura mais fácil do que no tempo em que os pais não entendem os cursos, supostamente superiores, que os filhos estão a "tirar".

A tendência será para um crescimento do potencial de desentendimento... Neste contexto, tornam-se cada vez mais importantes as estratégias de empatia...

Se todos somos cada vez mais diferentes, é cada vez mais necessário desenvolver capacidades que nos ajudem a ultrapassar essa diferença no necessário convívio com os outros humanos.

A tolerância é uma coisa horrível, como dizia o Rui Pereira. É horrível porque o conceito nasce de uma relação de ódio, ou pelo menos de desgosto, porque cheira a desigualdade, porque a sua concretização não implica qualquer tentativa de compreensão, de aproximação, de empatia.

Infelizmente, talvez se torne cada vez mais necessária. Como dizia o Zizek, não podemos fazer depender a paz no mundo da compreensão entre os povos e entre as pessoas. Há demasiadas pessoas. Há demasiados povos. As diferenças são demasiado complexas. E todos temos tempo e paciência de menos! Se assim fosse, estaríamos em guerra permanente!... O que se calhar é o caso... O que é necessário é poder garantir a paz, mesmo que não exista qualquer compreensão!

A tolerância será a estratégia mínima para conviver com a diferença. Idealmente quereríamos muito mais. Idealmente quereríamos compreensão mútua. E compreensão, bem o sabemos, não implica aceitação, não implica concordância, não implica reprodução. Apenas compreensão.

E compreensão é uma ferramenta contra a solidão.

Houvesse mais paciência e existiria menos misantropia.

O que nos tira a paciência então?...

O facto de sermos tão diferentes uns dos outros?... Talvez... Isso implica um esforço acrescido de adaptação mental ao José, à Maria, ao Belchior, ao Camelo...

A isso não é alheia a economia em que vivemos. Sempre a infraestrutura!... Ela é cada vez mais incompreensível. E a alienação é crescente. Alienação, de alienar, do latim alienus, que pertence a outro, que por sua vez deriva de alius, que não quer dizer alho, mas quer dizer outro. Alienação é transmissão ao outro. E na análise do alemão barbudo, alienação é o deixar aos outros a compreensão do mundo em que vivemos, é o entregar aos outros a condução da nossa vida, é o transmitir aos outros o sentido da própria existência.

Quando as pessoas passam oito ou mais horas de cada dia a fazer algo que não entendem bem, para fins que não consideram muito necessários, utilizando ferramentas que lhes saem completamente do controlo, para poderem receber um pouco de dinheiro que, em boa verdade, não fazem ideia de onde vem ou para onde vai, é disso mesmo que estamos a falar: de alienação.

Uma economia que fizesse mais sentido aos olhos de cada um permitir-nos-ia ganhar algum controlo sobre as nossas vidas e permitia que nos compreendêssemos melhor uns aos outros. Infelizmente, o próprio progresso tecnológico é aqui parte da equação. Porque é difícil conciliar o progresso tecnológico com uma diminuição da alienação. No entanto, creio que a solução para isso passa pelo questionamento do próprio progresso tecnológico. Talvez descubramos que a alienação nos conduziu a uma situação em que nem sequer somos capazes de explicar bem a necessidade do progresso tecnológico!

Mas o que nos tira a paciência para lidarmos com as diferenças que encontramos nos outros não resulta apenas dessas mesmas diferenças.

Resultará a falta de paciência também da nossa falta de tempo?... Talvez. E nesse caso eu volto a perguntar: quem nos obriga a gastar oito ou mais horas de cada dia a fazer algo que nem sempre percebemos bem para o que serve?

Resultará da nossa ânsia de encontrarmos a felicidade de modos rebuscadíssimos e que nos consomem imensa energia?... Talvez. E nesse caso eu pergunto: o que nos impede de sermos felizes de um modo simples?

De que mais resultará a nossa falta de paciência para aturarmos o nosso "semelhante"?...

Semelhante?...

O vídeo que partilho no início desta mensagem fala-nos, a certa altura, do dilema entre a sinceridade e a adequação ao ambiente em que nos inserimos.

Nunca encontraram alguém que, no início duma conversa com desconhecidos, começa logo por dizer "quem dera que o Benfica ganhe" e "aquele camelo do Passos Coelho"?... Isso é que é sinceridade!... E ao mesmo tempo talvez um pouco de desrespeito pela opinião alheia...

Já tive amigos a acusarem-me de falta de sinceridade. Aqui na Terceira diriam que eu era falso. E com toda a razão!

O meu problema pessoal com essa acusação não é a sua veracidade ou falta dela. O meu problema é que demonstra uma total insensibilidade face à dificílima situação em que se encontram as pessoas que são verdadeiramente diferentes.

Em muitos contextos históricos a exposição da diferença era equivalente a uma sentença imediata de morte. Hoje será talvez apenas uma sentença de ostracismo...

A minha conduta sincera seria então a de admitir perante todos que:
  • o futebol profissional é uma forma de umas pessoas ganharem dinheiro à custa de outras, que envolve doses de violência verdadeiramente brutais, e que se alimenta de um tribalismo primitivo do seu público;
  • o conteúdo dos canais de televisão resulta apenas doutra forma de umas pessoas ganharem dinheiro à custa de outras, mesmo o conteúdo dos noticiários (ou sobretudo), que envolve doses de violência ainda maiores, e que se alimenta do voyeurismo, do sentimentalismo bacôco, das nossas emoções mais límbicas;
  • quase todas as profissões à nossa volta são apenas formas de umas pessoas ganharem dinheiro à custa de outras, e que todas as pessoas que não se revoltam contra isso estão, voluntária ou involuntariamente, a ser coniventes com essa situação;
  • o modo como as pessoas estão constantemente a tentar afirmar-se através do seu currículo profissional, através do seu penteado e da sua roupa, através do seu automóvel e das férias que tiveram num lugar exótico, através da sua página de facebook e das fotos que lá colocam, são apenas demonstrações de carências afectivas, narcisismos ou arrogâncias patológicas;
  • as músicas que eles ouvem são uma merda.
A minha conduta sincera incluiria isso e muito mais, desde a decoração do interior das casas das pessoas, passando pelas próprias casas das pessoas, até à moeda única e à colocação de satélites em órbita... Até à necessidade de fundir todo o cobre gasto em estúpidas estátuas representativas de seres sanguinários que ao longo da história fizeram questão de afirmar diferenças precisamente onde elas eram menos relevantes!

O que resultaria de tamanha sinceridade?...

Enfim...

Eu tenho piedade, porque às vezes a malta não tem mesmo a mínima ideia do que faz!...

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Não entrego a alma...


quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Um lugar para se estar de pé!...


um lugar para caminhar lentamente
amplo e morno
com murmúrios de pessoas a viver
tranquilamente
onde a confiança deixa as portas abertas
e as árvores deixam algumas folhas cair ao chão
e o chão tem espaço e tempo para tudo

um lugar onde se podem abrir os braços
e cantar ao céu
onde nenhuma combinação de cores
é suficientemente exuberante
onde o medo não reina
mas sim a vida...
e as pessoas...
murmurando

um lugar onde se pode ver ao longe
e ao longe se pode ver diferente
em cada direcção
e em cada canto
há comunhão de interesses
há curiosidade, há procura
há entrega

um lugar onde se pode dizer
e se diz
eu sou assim

agora...


domingo, 25 de setembro de 2016

Progressão...

(no Ilhéu das Cabras)


"E se soubermos ver nos sonhos o processo
os passos para trás não são um retrocesso."
José Mário Branco, in A Noite


Progressão

Locomoção flutuante
ondulante
vagarosa.

Persistente
rotação repetente
articulação pendente
ou içada
alternadamente.

Vou.
Voo.
Fluo como flui o mundo
à minha volta:
ordenadamente, uma
componente cíclica
e outra única
rectilínea,
em frente.

Respiro.
Sustenho.
Insisto.
Vou e venho,
vou e venho...

Pairo
sobre um chão inundado
que lá no fundo sustenta
um oceano
profundo e pesado...
E que nem por isso
parece cansado!

Vermes do fogo vagueiam
pelos pepinos do mar.
Poliquetas esvoaçantes filtram
o que apanham no ar.
Sargos, peixes-porco, salmonetes,
alfaces, águas-vivas, rabanetes,
todos dançando abrem alas
para me deixar passar.

Insistente
rodo lentamente
o membro de trás
e retraio
o membro da frente.

Respiro.
Sustenho.
Insisto.
Vou e venho,
vou e venho...

Mas eis que estaco!

O fluxo sempre no braço
o movimento através do espaço
os fluidos
os sais
o calor
a troca
o mar
este longo abraço...

São novos os peixes
as algas, os corais,
mas lá no fundo
aquele chão
não mudou mais.

Percebo então
a onda
que se faz anunciar:
antes de levar atrai
atrasa ou faz parar.
A tal etapa que complementa
o movimento pendular.

Respiro.
Sustenho.
Insisto.
E apenas venho...

Há anos que ando nisto,
pairando este mesmo mar
sempre o mesmo fundo
o mesmo braço a rodar,
e a onda que se anuncia
e este anseio infecundo
de voltar a voar...

Deve ser gigantesca!...
E quando vier
não faço ideia
para onde me irá levar!

AWF, Angra do Heroísmo, 24 de Setembro de 2016

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Era uma vez um país...

Em 2013, em Almada, acompanhado da minha mãezinha, tive felicidade de poder assistir a isto:



De Miguel Calhaz,

Era uma vez um país

Lá num canto desta velha Europa
era uma vez um país

vivia à beira do mal “prantado”
mas apodrecia na raiz


Reza a história que foi saqueado
mesmo por debaixo do nariz

Triste sina, oh! Que triste fado!
Era uma vez um país

E os mandantes que por lá passavam
eram só ares de “bon vivant”

Viviam à grande e à francesa
como se não houvesse amanhã

E havia quem avisasse o povo
p'ra não dar cavaco a imbecis

Mas caíram na asneira de novo
era uma vez um país

E esta fábula do imaginário
tão próxima do que é real

Canção de maledicente escárnio
à república do bananal


Que se encontrava em tão mau estado
andava a gente tão infeliz

E o polvo já tão infiltrado
era uma vez um país


E lá se vão sucedendo os casos
grita o povo: “agarra que é ladrão!”

Mas passam belos dias à sombra do loureiro
Enquanto o Duarte lima as grades da prisão

E nunca se esgotam os personagens
neste faz de conta que é assim

Raposas com passos de coelho no mato

e até um corta relvas de madeira no jardim

Entre campeões de assalto à vara
e filósofos de pacotilha

Entram nas portas dos submarinos
azeiteiros de oliveira às costas
com o ouro da nação p'ra pôr nas ilhas
Caimão, cai pé, baixa os braços e as calças
e a cabeça e o nariz,

aqui finda esta história
que não tem final feliz
pois
era uma vez um país.

Porreiro, pá!...

domingo, 11 de setembro de 2016

Medo...



Obrigado Liliana.

O medo é parte integrante de nós.
Um brinde então, à outra parte de nós, que abraça e envolve o nosso sistema límbico, e nos permite reflectir, analisar e ultrapassar... e de que maneira!... o medo.