sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Bicicleta, finalmente!...



O meu primeiro dia de bicicleta depois da ruptura do Aquiles. A diferença que me faz!...

Perfilados de medo...


Poema de Alexandre O'Neill, escrito noutro contexto. Hoje tudo é mais difuso. E o medo, mais difuso, dá também lugar à indiferença e à modorra. "A vida sem viver é mais segura". "Já vivemos tão juntos e tão sós que da vida perdemos o sentido". Gostava eu de poder condensar assim em poucas palavras críticas tão significantes e certeiras.

A música do José Mário Branco o que faz é transmitir de forma audível a mesma mensagem. É pesada. Transmite uma monotonia de uma vida feita de infinitos passos sempre iguais, uma desgraça peganhenta de onde queremos sair e não conseguimos. Na minha definição, o bom artista é o que consegue transmitir ao público a quem se dirige as sensações que pretende. Obrigado Zé Mário, como tu uma vez disseste "obrigado Sophia".




Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.

Aventureiros já sem aventura,
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.

Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido,
os loucos, os fantasmas somos nós.

Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido…

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A febre dos artigos pouco científicos...


No seguimento do último artigo aqui publicado sobre a produção de ciência, uma reflexão própria acerca deste tema.

Há muitas coisas que estão profundamente erradas na ciência, enquanto método de produção de conhecimento, tal como é praticada nos nossos dias.

Podemos distinguir, mesmo que artificialmente, dois tipos diferentes de investigação: a fundamental, que procura descortinar os fundamentos dos fenómenos observáveis, e a aplicada, que procura resolver uma situação concreta através da aplicação de conhecimentos em grande medida já existentes.

Nos dias de hoje, ambos os tipos de investigação se desenrolam de modo muito diverso do que era feito em tempos idos. Em qualquer caso, a investigação sempre necessitou de um excedente de recursos, incluindo tempo. Sem tempo nem materiais disponíveis para além dos necessários à sobrevivência, toda a investigação se tornava mais difícil ou mesmo impossível. Além disso, especulo, a apropriação dos ganhos da investigação seria também muito importante. Quem não tivesse tempo ou materiais ou não pudesse ficar com o fruto da investigação para si não teria grande motivação ou capacidade para se dedicar a essa actividade. Pelo contrário, quem dispusesse de tempo e materiais e pudesse apropriar-se dos benefícios da investigação, só precisaria de juntar o ingrediente da curiosidade ou da vontade de mudança e melhoria para levar a cabo a investigação.

A investigação seria assim, nos seus primórdios, uma actividade conduzida por um indivíduo isolado, e eventualmente alguns subalternos. Mas com o passar do tempo, e à medida que as descobertas mais fáceis e os conhecimentos mais triviais eram consolidados, a investigação e o alcance de conhecimentos novos foi-se tornando cada vez mais difícil. Foi surgindo cada vez mais a necessidade de construção de equipamento próprio e dedicado à investigação, a necessidade de especialização de cada indivíduo numa determinada área do saber, a necessidade de medição mais precisa, a necessidade de colaboração entre diversos indivíduos. Foram então proliferando os pequenos laboratórios particulares, os livros e as cartas que eram trocadas entre investigadores. A ciência foi-se dividindo nos seus ramos.

Alguns séculos se passaram e actualmente tudo isto foi levantado a um novo expoente. Hoje em dia, a investigação científica recorre em grande medida a equipamentos muito sofisticados, é muito especializada, requer muito tempo, muita dedicação, muita colaboração de vastas equipas de cientistas...

No entanto, a questão primordial que devemos sempre colocar, aquela questão aparentemente ingénua mas que não deve ser contornada, é a de saber para quê: qual é o objectivo actual da investigação científica?

Como sempre, a resposta evidente é: a investigação científica é conduzida para que possamos dar resposta às questões que ainda não a têm e finalmente para que possamos todos viver melhor. No entanto, e contrariamente àquilo que pode parecer evidente, para podermos saber se a ciência nos permite viver melhor, precisamos antes de mais nada de saber do que verdadeiramente precisamos para viver melhor. Do que é que as pessoas verdadeiramente precisam para viverem bem?

Precisarão as pessoas de televisores, de telemóveis, de automóveis? E de televisores tão finos como uma folha de papel, telemóveis minúsculos e carregadíssimos de funcionalidades e automóveis pejados de electrónica e super-potentes?

E de afecto, precisarão as pessoas de afecto?...

Uma das coisas que seria expectável como fruto da actividade científica seria o aumento do conhecimento de toda a população. Esse aumento de conhecimento pode dar às pessoas uma mundivisão mais abrangente e mais coerente, e pode também dar-lhes um maior domínio sobre si próprias e sobre o mundo que as rodeia, fazendo-as sentir mais capazes e mais úteis e dando mais sentido às suas vidas. Parece-me que isso seria algo muito importante para aumentar o bem-estar das pessoas neste planeta.

No entanto, agora que a investigação científica se concentra em questões de âmbito cada vez mais restrito e mais difíceis de alcançar, cabe perguntar se o seu fruto permitirá verdadeiramente que as pessoas vivam melhor.

A especialização do saber e das actividades acarreta efeitos secundários indesejáveis. A tecnologia sofisticada também. No fundo, os avanços na ciência também. E é importante e necessário colocar tudo isto na balança.

Mais especificamente é necessário saber até que ponto é importante canalizar recursos para a produção de conhecimento novo ultra-especializado, quando há investimentos gigantescos por fazer na interligação e na disseminação do conhecimento já existente.

Não será a espécie humana já detentora do conhecimento suficiente para acabar com a fome no mundo, para acabar com a obesidade, para despoluir os rios e as florestas, para implementar modos de vida mais ecológicos e saudáveis, para aumentar a qualidade de vida de todos?

No entanto, se atentarmos bem, grande parte da investigação científica, sobretudo a mais ligada às ciências da física, da química, da biologia e afins, e que requer investimentos maiores, é orientada pela obtenção de lucro. Há quem acredite que o lucro é o motor da economia e que isso está muito bem assim, pois ele baseia-se na satisfação das vontades individuais. No entanto, basta lembrarmo-nos do caso das drogas para sabermos que há algo de errado nesse modelo.



Há sempre o caso paradigmático da investigação médica. No entanto, mesmo nesse caso devemos levantar algumas questões fundamentais. Será que queremos mesmo viver para sempre?... Quais as consequências disso?... Quais as consequências do actual envelhecimento da população nos países mais desenvolvidos?... Como atacar as questões por ele levantadas?...

Bom, mas passemos a questões mais concretas sobre o modo como se processa a investigação científica. Em geral a investigação científica é realizada por uma data de indivíduos muito bem intencionados, no auge das suas capacidades, chamados bolseiros, e por outra data de indivíduos potencialmente menos bem intencionados, chamados professores de ensino superior.

Os bolseiros são jovens que em geral têm currículos académicos bons, têm curiosidade, têm criatividade, querem saber mais, querem desenvolver coisas novas, e não arranjam melhor maneira de o fazer do que trabalharem para uma instituição a troco de um mau salário sem quaisquer garantias do que quer que seja. Os bolseiros são trabalhadores precários. Os chefes dos bolseiros são uma mistura entre investigadores seniores e gestores (há gestores, investigadores, investigadores-gestores e gestores-investigadores), cuja principal preocupação é a de conseguirem financiamento para os projectos da sua instituição. O financiamento é conseguido sobretudo através da candidatura de projectos que possam dar à instituição um reconhecido prestígio público, apenas no caso das instituições públicas, ou, o que é mais comum, que possam dar a instituições privadas alguma perspectiva de lucro acrescido no futuro.

Os professores do ensino superior, público, particular ou cooperativo, universitário ou politécnico, têm como principal função... será ensinar?... Não. A sua principal função, de acordo com os seus interesses particulares, é manterem ou melhorarem a sua posição. A manutenção e a progressão na carreira de professor requer avaliações positivas. E as avaliações positivas requerem produção científica. Não sei bem quem engendrou este sistema, mas a verdade é que, na profissão de professor do ensino superior, a capacidade de motivação dos alunos, de educação e de transmissão de conhecimentos é o que menos interessa. O que é avaliado é a produção científica.



Em ambos os casos, dos professores e dos bolseiros, a quantidade da produção científica é em geral avaliada pela quantidade de artigos e outros documentos publicados e a qualidade é avaliada pelo contexto em que esses documentos são publicados.



A questão que se levanta é a seguinte: se alguém está na vanguarda do conhecimento numa determinada área do saber, como é possível avaliar a qualidade do seu trabalho? Quando é possível, como consequência do novo conhecimento alcançado, fazer previsões que facilmente se demonstrem adequadas, a avaliação torna-se fácil. Mas quando assim não é...



Desde há bastante tempo que a avaliação da qualidade do trabalho científico é feita entre pares. De resto é assim com todas as outras actividades humanas. Um bom músico prefere ser reconhecido por outros que ele também considere bons músicos, e não por leigos. Desde há poucos séculos, as sociedade científicas desempenhavam esse papel. Eram o local onde se reuniam as pessoas que mais sabiam de uma determinada área do saber e onde as ideias eram discutidas e de algum modo avaliadas.

Hoje em dia, no entanto, a necessidade de um reconhecimento expresso que possa ser apresentado como prova no momento de avaliação e de progressão na carreira transformou as discussões informais na formal publicação de artigos em revistas e conferências. E a avaliação desses artigos é feita por painéis de supostas sumidades na matéria.

O que é que acontece quando as próprias sumidades são avaliadas de acordo com o mesmo método, e quanto tudo isto é transformado em transacções com contrapartida monetária?...

Bom, o que acontece é o seguinte:
  • como é sabido que todos os investigadores (bolseiros ou professores ou outros) são avaliados pelos artigos publicados em revistas ou conferências, a possibilidade dessa publicação passa a ter um preço, isto é, cobra-se a publicação de artigos em revistas ou em conferências;
  • as revistas e as conferências científicas transformam-se assim num negócio onde prestígio e dinheiro estão relacionados das mais diversas formas e onde aparentemente todos ficam a ganhar. Quem organiza fica com o dinheiro e com o prestígio, os participantes juniores ganham prestígio a troco de dinheiro, os participantes seniores ganham prestígio e conferem prestígio à conferência e aos juniores, etc. A revisão de artigos é também um processo onde se troca prestígio e dinheiro;
  • como a publicação de artigos é em geral muito cara, os investigadores que não estejam associados a uma instituição com alguma capacidade financeira ficam prejudicados. Ao mesmo tempo, essas instituições, para não incorrerem apenas nos custos elevados de publicarem artigos dos seus investigadores, promovem também as suas conferências e as suas revistas próprias. Assim o dinheiro circula entre as instituições.
Em todo este processo actual de produção científica avaliado pelos artigos publicados existe um processo de auto-alimentação que atribui um prestígio cada vez maior a quem já tem mais prestígio. De facto, o número de artigos publicados influi no resultado de concursos e na obtenção de financiamento, na publicação de mais artigos, no acesso às posições de chefia. As posições de chefia permitem, por seu turno, a gestão de equipas de investigação de pessoal subalterno, cuja produção científica, também concretizada em artigos científicos, leva a chancela do chefe. Finalmente, como se isto não bastasse, são instituídos prémios que não raras vezes os investigadores seniores atribuem uns aos outros.

É assim que o mundo está pejado de investigadores seniores que se divertem a saltar de conferência em conferência nas paisagens e nos hotéis mais aprazíveis do planeta, enquanto os bolseiros e os professores juniores que tentam preservar a sua situação vão suando as estopinhas.



Ah, ia-me esquecendo... O número de vezes que um artigo é referido noutros artigos é também utilizado como critério de avaliação da qualidade da produção científica. E nesse sentido surgiram os chamados "clubes de citações"... Isto é quase como o jogo do software de vírus e de anti-vírus. Nisso a imaginação humana é imbatível! :) E depois há o milagre da multiplicação dos artigos, em que cada parcela de produção científica serve de base para uma multidão de artigos apenas ligeiramente distintos uns dos outros...



O que acontece, em suma, é um imenso jogo de influência, de poder, de dinheiro, o mesmo que noutros círculos sociais, e através do qual se perde a oportunidade de concentrar esforços naquilo que é verdadeiramente mais importante, a oportunidade de dar vidas dignas às pessoas, e de homogeneizar um pouco mais o conhecimento em toda a população.

Pelo meio, lá vão resultando algumas coisas que verdadeiramente funcionam. Mas fica sempre a questão: serão elas verdadeiramente necessárias?...



terça-feira, 28 de agosto de 2012

A credibilidade das conferências "científicas"...

Um artigo do Jorge Buescu publicado na revista Ingenium da ordem dos engenheiros:


(para ver maior clicar com o botão direito e seleccionar "open link in new tab" ou "abrir ligação em nova página")

O link para o gerador de artigos aleatórios (vale a pena!): aqui.

Marinaleda, Andaluzia...

O que é que precisamos para sermos felizes?... Esta é a história de uma outra maneira de fazer as coisas. Pode não ser a maneira que todos desejem. Mas deve fazer-nos pensar.





"- A luta não pára nunca.
- Porquê?
- Porque se paramos de lutar, os poucos direitos que temos, tiram-nos logo."

E acerca da luta, o maioral lá do sítio resolveu há pouco tempo invadir dois hipermercados, encher os carrinhos com produtos, sair sem pagar e distribuir tudo pelos mais necessitados. É justo ou não é justo?... Vejam aqui.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Sísifo...

(pintura de Tiziano, 1549)


Recomeça…
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar
E vendo
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Diário XIII

--------------------------------------------------

Sísifo é um personagem da mitologia grega, condenado a empurrar uma rocha montanha acima, mas sempre que estava quase a atingir o topo a rocha rolava pela montanha abaixo até ao ponto de partida. "Trabalho de Sísifo" é o nome dado a um trabalho árduo e infindável que não permite atingir os objectivos desejados. Fazer deste um mundo melhor é um trabalho de Sísifo. Ser livre também o pode ser.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

De volta à montanha!...

(foto tirada pelo João Pedro Teixeira, no planalto entre o Guidão e a Pedrada)

O primeiro passeio nas montanhas do Norte de Portugal depois da lesão no tendão de Aquiles. Já há duas semanas tinha feito um passeio no canhão da Ota, mas a montanha é sempre outra coisa. Há algo de espiritual no estar longe de tudo, no estar mais alto que tudo e todos que vivem lá em baixo, naquelas árvores e arbustos, nos falcões e abutres, naquelas águas frescas e límpidas... Que falta isso me faz! :)

------------

Instalação de caneta de feltro em pé vivo, por Alexandra, 9 anos. No parque de campismo de Travanca.



Alexandre e os seus amigos do deserto...

Uma história que me chegou através do "clube de contadores de histórias", que regularmente envia por email pequenas histórias. Esta é muito simples, mas não resisto a pô-la aqui. De facto, a combinação do Alexandre, da casa de adobe, do gosto pelos bichos e pelos outros e da turbina eólica é uma coincidência surpreendente! :)

 -----------------------------------

 

Alexandre vivia numa casinha de adobe à beira da estrada perdida no meio do deserto. Ao lado, havia um poço e uma hélice movida a vento. Alexandre e o seu único companheiro, um burrico, dispunham assim de toda a água de que precisavam. Naquele lugar afastado do mundo, Alexandre acolhia de boa vontade quem ali parasse para se refrescar. Mas os visitantes eram raros e iam-se logo embora.
Alexandre sentia-se muito só. Para ocupar os momentos de solidão, decidiu fazer um jardim. Semeou cenouras, feijões e grandes cebolas roxas, tomates e milho, melões, abóboras e pimentos vermelhos. Logo de manhã cedo e durante horas, Alexandre trabalhava no seu jardim. Gostava sobretudo de o ver crescer, antes do calor do deserto apertar e o obrigar a refugiar-se em casa.
Os dias passavam lentamente, sem qualquer novidade, até que uma bela manhã foi surpreendido pela chegada de um visitante. Um esquilo surgiu do silêncio e avançou, lentamente, pé ante pé. Ao vê-lo aproximar-se do jardim, Alex ficou imóvel. O esquilo escapou-se para um rego onde matou a sede e depois desapareceu. Nesse instante, Alexandre deu-se conta de que tinha esquecido a sua solidão, e passou a ficar à espera que o esquilo regressasse.
O esquilo voltou muitas mais vezes e sempre com novos companheiros: ratos de pescoço branco, os geomis da montanha, grandes lebres, ratos cangurus do Texas e ratinhos de bolsa de Bailey. Também vieram muitos pássaros visitar o jardim de Alex: os cucos corredores da Califórnia, os picanços de Gila e os tordos dos remedos de bico curvo. Os trogloditas de cabeça castanha, os pardais de artemísia, de olhos orlados de branco, as pombas da Carolina e ainda muitos mais, que pousavam nos ramos da alfarrobeira, ou descansavam nos catos sanguaro, antes de saciaram rapidamente a sua sede, ao cair da noite. Por vezes, até uma velha tartaruga atravessava lentamente o jardim.
Alex sentia que, assim, o tempo passava mais depressa, porque a cada instante se distraía com um novo visitante. Já não estava só, mas interrogava-se se isso seria de facto o mais importante.
Depressa percebeu que os visitantes não vinham procurar um amigo, mas vinham simplesmente à procura de água. E Alex pensou em todos os outros animais do deserto… o coiote e a raposa cinzenta, os linces ruivos, as mofetas, os texugos, os pecaris (os porcos monteses da América do Sul), os veados, a corça e os cabritos monteses. Encontrar água para todos não era problema. Com o dínamo e o poço, Alex podia fornecer muita água. Mas tinha de descobrir um meio de todos poderem usufruir dela.
Alex resolveu fazer um reservatório. Sem perder tempo, começou a escavar. Foi uma tarefa cansativa, que durou vários dias, sob um sol escaldante. Mas encheu-se de coragem ao pensar que podia ajudar tantos hóspedes sequiosos. Restava agora esperar pela chegada dos animais corpulentos. Alex andava de um lado para o outro, como era costume, dava de comer ao burrico, tratava do jardim… Os dias passavam e nada de novo acontecia. Alex tinha esperança, mas passavam semanas e semanas e tudo continuava calmo. Porque é que os animais não vinham? Alguma coisa devia estar errada!
Depressa se desvendou o mistério. Uma manhã, uma mofeta aventurou-se a chegar perto da poça de água. Mas, mal viu Alex, fugiu para o silvado. Como é que ele não tinha pensado nisso? Era preciso mudar a poça de água de lugar o mais depressa possível. Alex começou a cavar num lugar mais afastado, escondido atrás de um silvado. Acabada a obra, escondeu-se ali perto e esperou. Será que viriam? E desta vez não ficou desiludido!
Uns atrás dos outros, tímida e furtivamente, os animais saíram do deserto. Como a nova poça ficava um pouco afastada da casa e da estrada, os animais não tinham medo. Alex tinha muitas provas disso: a chilreada dos pássaros ao cair da tarde, o sussurro da alfarrobeira na calada da noite, traindo a presença de um coiote, de um texugo ou talvez de uma raposa cinzenta, o passo leve de um veado, os grunhidos dos pecaris.
E, durante as horas passadas a ouvir calmamente todos os ruídos dos seus novos companheiros, Alex pensou que era essa a sua melhor recompensa… O presente que lhes oferecera, a poça de água, nada era, comparado com o que ele recebera em troca: a presença cúmplice e amiga dos animais.
Richard E. Albert
Alexandro et ses amis du désert
Paris, Éditions Autrement, 1997