sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Aforismos - 4...

Qualquer sistema é bom desde que as pessoas sejam boas. Inversamente, todos os sistemas são maus se as pessoas forem más. Como todas as pessoas são boas e más ao mesmo tempo, este óptimo torna-se difícil de alcançar!

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Aforismos são as coisas que nos ajudam a chegar às aforas.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Aforismos - 3...

Estes não são meus, antes foram-me enviados pelo Cláudio Anes.

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Uma sociedade só é democrática quando: ninguém for tão rico que possa comprar alguém; ninguém for tão pobre que tenha de se vender a alguém. - Jean Jacques Rousseau

A verdadeira compaixão é mais do que atirar uma moeda a um pedinte. É ver que o edifício que produz pedintes precisa de reestruturação. - Martin Luther King Jr.

Entre um governo que faz o mal e o povo que o consente há uma certa cumplicidade vergonhosa. - Victor Hugo

O preço a pagar pela tua não participação na política é seres governado por quem é inferior. - Platão

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Comentários meus:

Como no mercado de trabalho as pessoas vendem o seu trabalho, isto é, vendem-se, parece-me que estamos muito longe das condições do Rousseau. O edifício que produz pedintes precisa de ser destruído! A cumplicidade do povo às vezes é mascarada pela ignorância. A ignorância às vezes é provocada por quem disso beneficia, por vezes é provocada por quem não quer ver. Quando se pode ver e tudo se faz para o evitar, não se pode alegar ignorância. Daí é que surge a cumplicidade. A não participação na política é em si mesmo um acto político.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Welcome to the coal world...

Um vídeo feito pela Greenpeace da Austrália sobre a exploração do carvão e alguns custos associados.



Tenho formação em engenharia mecânica. Nesta área, os bons empregos são na Austrália, em Angola, na Noruega... A extracção de recursos naturais é uma coisa que sempre deu e continua a dar. E quem é que, numa altura de crise como esta, resiste a empregos tão bem pagos?...

Noutro dia via uma entrevista em que o entrevistado dizia: eu encontro muita gente que diz "eu sou honesto", mas então eu pergunto-lhes "mas já foste tentado?"...


terça-feira, 18 de setembro de 2012

Aforismos - 2...

É bom ter os pés bem assentes na terra e a cabeça nas nuvens. O ideal é o corpo a unir as duas partes.

Sobe que sobe...

 

Finalmente abandonei a fisioterapia! Quase cinco meses após a ruptura do tendão, estou livre para levar uma vida normal! :) Ainda ando com a meia elástica, ainda vou tendo umas dorzitas, ainda não consigo fazer certos movimentos com a perna, ainda tenho os músculos atrofiados. Mas que diferença desde o tempo em que tinha de ir ao pé coxinho até à casa de banho e tinha de tomar banho sentado no chão com a perna de fora...

Escolhi a clínica de fisioterapia com base na distância à minha casa e na possibilidade de estacionar bem perto, o que no início me fez toda a diferença. Mais recentemente comecei a andar de bicicleta, com todas as vantagens que isso tem. No entanto, isso tinha uma grande desvantagem. É que a clínica fica mesmo na parte mais baixa da Calçada de Carriche e a minha casa fica mais alta que a parte mais alta da calçada!

Todos os dias, durante as últimas semanas, saía da fisioterapia ensopado em suor, já cansado de um dia de trabalho, com fome e sede, e cheio de vontade de chegar a casa, e tinha de empurrar a bicicleta calçada acima, literalmente... E não podia deixar de me sentir um bocado como a Luísa. Ninguém me apalpava as cochas e ninguém se servia de mim... foi o que me valeu! :)

Calçada de Carriche


Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

António Gedeão

 E aqui, na voz de Carlos Mendes e na música de José Niza.


Yeah!...

Este "yeah" é que me parte todo!... :)


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Aforismos - 1...

Se queres ser uma pessoa linda, nunca tentes ser melhor do que os outros. Tenta, isso sim, ser melhor que tu próprio e sobretudo ajuda os outros a fazerem o mesmo.

A manifestação de dia 15 e os conflitos internos da malta...

(creio que esta foto é da Agência LUSA)

A manifestação que ocorreu em diversas cidades de Portugal (e pelos vistos não só) contra a Troika trouxe às ruas pessoas que nunca nas suas vidas se tinham manifestado publicamente deste modo. Muitas das pessoas que se manifestaram deram no passado o seu aval (activa ou passivamente) às políticas que PS, PSD e CDS têm levado a cabo nas últimas décadas.

O que é que poderá resultar então de uma manifestação que, segundo alguns canais de rádio e televisão, terá sido uma das maiores desde o 25 de Abril de 1974?

A sondagem que a Eurosondagem realizou entre os dias 10 e 13 de Setembro dá a resposta. PS, PSD e CDS continuam a ter quase 80% dos votos. Portanto a resposta é simples: desta manifestação não pode resultar nada.

De facto, que diferença faz o governo cair, se logo de seguida ele será substituído por outro governo dos mesmos partidos do costume?...

As pessoas que activa ou passivamente apoiaram as políticas do PS, do PSD e do CDS nas últimas décadas e que agora se insurgem contra estas políticas, têm obrigatoriamente que ter um conflito interno. Os conflitos internos são desagradáveis, e há muitas estratégias possíveis para minorar esse desconforto. Mas quer as pessoas tenham ou não consciência disso, esse conflito tem de existir. E passo a explicar porquê.

Os três partidos que tenho referido - PS, PSD e CDS - têm tido um discurso unânime de que não existe alternativa senão pedir o que eles chama de "ajuda" à Troika e diminuir o défice orçamental, o que só se consegue com políticas de contenção (a tal "austeridade"). Durante os últimos meses temos ouvido insistentemente que não há alternativa, não há alternativa, não há alternativa... Diz-se, ao mesmo tempo, que qualquer alternativa (porque afinal existem alternativas) seria uma catástrofe. Os portugueses levaram uma lavagem cerebral orquestrada por estes partidos, pelos empresários, pelos meios de comunicação social, pelos fazedores de opinião e passaram a acreditar, mais do que acreditam noutras instituições, que não há alternativa ao FMI.

Se as pessoas acreditam que não existe alternativa, então estão de acordo que é necessário conter o défice, e que isso só pode ser feito através de uma diminuição das despesas do Estado e/ou de um aumento das receitas. Quando o cidadão comum pensa em diminuição das despesas do Estado não pensa, em geral, no encerramento de escolas, de tribunais, de hospitais, nem de outros serviços. No entanto, imagina o despedimento dos funcionários públicos supérfluos, aqueles que não está lá a fazer nada - que também é uma ideia que abunda no imaginário liberal. Também se imagina a diminuição das despesas como uma redução dos vencimentos dos políticos. São as tão famigeradas "gorduras do Estado".

O problema destas ideias que as pessoas têm acerca das despesas do Estado é que em geral elas não correspondem à realidade. Por um lado, a maioria dos funcionários públicos estão lá efectivamente a fazer alguma coisa, e se optarmos por despedimentos em massa vamos certamente dar cabo dos serviços públicos. Por outro lado, muitas das tais "gorduras do Estado", como os salários dos políticos, embora eu concorde que em alguns casos pudessem ser reduzidas, elas não têm um peso assim tão grande na despesa total do Estado.

Os juros pagos pelo empréstimo do FMI ao Estado português, esses sim, são uma fatia razoável dos gastos públicos totais. Mas desses as pessoas não se costumam lembrar quando imaginam o Estado a reduzir a sua despesa.

A outra medida necessária para a diminuição do défice é o aumento da receita do Estado. Quando se imagina um aumento da receita imaginam-se receitas extraordinárias resultantes de privatizações, e imaginam-se receitas provenientes de aumentos dos impostos habituais: IVA, IRS, etc. Não se costumam imaginar novos impostos sobre o património. E quanto aos impostos sobre os rendimentos de capitais, como são as rendas, os juros, os lucros e as mais-valias de bolsa e outras, o discurso tem sido unânime: os partidos PS, PSD e CDS têm-nos ensinado que não se pode taxar muito os rendimentos dos capitais, nem os próprios capitais, porque isso reduz a "atractividade" da nossa economia para o capital, porque isso pode fomentar uma fuga de capitais, porque isso diminui a competitividade das empresas e coisas do género.

Quem apoia, activa ou passivamente, as políticas do PS, PSD e CDS, apoia também este ponto de vista de que é necessário proteger os empresários e os seus rendimentos, porque são eles que geram as empresas, os empregos e os rendimentos e permitem que esses rendimentos de algum modo cheguem até nós.

Uma coisa que estas medidas propostas para diminuir o défice têm em comum, seja a diminuição das despesas do Estado, seja o aumento das suas receitas através da tributação dos rendimentos do trabalho e o consumo, é a diminuição do rendimento disponível das famílias. Com essa diminuição vem uma redução do consumo interno, uma redução das vendas das empresas e uma recessão económica. Finalmente, como consequência de um agravamento da recessão económica, vem uma redução das receitas fiscais e porventura uma necessidade de aumento das despesas do Estado com apoio social (por exemplo através de subsídios de desemprego).

Portanto, as medidas de diminuição da despesa e aumento da receita têm de ser bem escolhidas, bem medidas, e aplicadas no tempo e no momento certos, de forma a minimizar o efeito negativo que têm na economia e a maximizar o efeito positivo que têm na redução do défice.

O que se tem passado é que os governos não têm conseguido evitar a recessão económica e a consequente diminuição das receitas do Estado. Mas, como "não há alternativa", isso implica consecutivos aumentos de impostos para compensar essas perdas nas receitas.

Assim sendo, a pergunta impõe-se: quem apoia as políticas do PS, PSD e CDS, e desse modo concorda com o ponto de vista de que "não há alternativa", que é preciso reduzir o défice, que temos que pagar aos credores, que não podemos taxar os capitais, vem agora para as ruas manifestar-se contra o aumento da tributação (chame-se o que se quiser) dos rendimentos do trabalho?...

Mas as pessoas querem sol na eira e chuva no nabal?... Se elas próprias acreditam que não há alternativa!...

O conflito interno devia ser sanado através de doses elevadas de abertura de espírito, de construção de barreiras às lavagens cerebrais, e da constatação de que existem alternativas, muitas! O conflito interno devia ser sanado compreendendo que os nossos interesses nem sempre são os mesmos que os interesses desses partidos (PS, PSD e CDS) e que é necessário, também a nível partidário, procurar alternativas. O conflito interno devia ser sanado através de uma diminuição do medo e de um aumento do conhecimento.

Infelizmente, sei-o bem, as pessoas costumam resolver os seus conflitos internos de outros modos. Admitir erros, mudar, pensar nos problemas... tudo são chatices... E para todas as chatices podemos contar com a sociedade que fomos construindo, prolixa em produtos e serviços que nos fazem sentir melhor. Quando assim é, o que é que se pode esperar de uma manifestação como esta?...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Como é que se vive com 600 euros por mês?...

O ministro das finanças responde. Atentem:

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Sabes como é 15 de Setembro...

No próximo sábado, dia 15 de Setembro, estão convocadas manifestações em diversas cidades do país contra a Troika e contra as políticas que dela nos fazem reféns - ver aqui.



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Sabes como é,

o que a gente quer é mudar o mundo, não fazemos a coisa por menos, já os beatles vinham com esta cantiga e a culpa não foi da Yoko Ono. Só que nem por isso os caciques se espantam e os cidadãos se acordam a montar algo de agradável. Parte será questão de gosto e feitio. Será outra de transigir, que é do mais difícil que há quando divergem os nossos absolutos. E depois há o medo, que facilmente se dilui nesta modernidade líquida, que requer determinação para se dissolver. E por vezes sabes lá de que parte te privas porque eles querem, e que parte outra sonhas porque ainda eles te deixam. Que tramada é esta terceira pessoa plural indicativa––até porque há quem acredite que a coisa é nossa e quem cultiva e partilha o comum deve por ele––e por si–– responsabilizar-se: um qualquer elo que não tem de ser sólido mas convém que funcione em conjunto. Isto é: inventámos a roda e a democracia, o que foi muito; agora é revolver os eixos pares, os dinâmicos êmbolos do teu trabalho, dentro e fora, aros distribuidores de luz. E depois poder também girar suficientes e livres, que é o que hoje nos retiram, porque antes nos querem eficientes e crentes no paradoxo da austeridade produtiva. Mas sabes o resgate: a tua natureza contra o abstracto que estabelecem os banqueiros, vertigem de fumo e espelhos, de mal formados fabricantes de armas e andróides. Que o consumo que te vendem só te rouba o desejo e estraga o clima, imateriais super-potentes de viagras, os vilõezinhos das troikas, que te dizem que lhes deves quando tu nunca os viste mais pobres, a empatar o que tens a fazer––ah! o amor. E há por ora esta divisão: eles ou tu. E é relativamente simples: eles são poucos, querem mandar; tu és dos tantos que queremos mudar.
Já calhava bem uma revolução.
"
 
Margarida Vale de Gato, tradutora, professora universitária, poeta.

Obrigado Margarida.

Petição pública contra o aumento de impostos...

Anda a circular na Internet um apelo à subscrição de uma petição contra o aumento dos impostos - ver aqui. Li com atenção o texto da petição. Achei-o enganador e pernicioso. Nos pontos seguintes tento esclarecer porquê. Este texto é dedicado apenas a quem não está na mó de cima.

1. Ao contrário do que é dito, Portugal não foi obrigado a pedir ajuda externa à Troika (conjunto formado pelo FMI, pelo Banco Central Europeu e pela Comissão Europeia, da qual, não nos esqueçamos, Durão Barroso é o presidente). Isso foi uma decisão política apoiada pelos partidos do costume (PS, PSD e CDS). Havia muitas alternativas e a sua discussão não cabe neste pequeno texto (leiam, por exemplo, o que é dito aqui). Certamente a aceitação de um sistema económico onde o juro é soberano e onde as agências de “rating” mandam mais que os governos faz parte de quem defende o liberalismo, que é o que fazem os partidos do costume (PS, PSD e CDS). No entanto, uma alternativa simples para a resolução do problema da dívida, e que não é mencionada nem é explorada pelos partidos do costume, é procurar o dinheiro em quem o mais tem e não nos mais desfavorecidos. Calha que os credores da dívida pública portuguesa fazem parte do grupo dos que mais tem...

2. A "ajuda externa" não é ajuda nenhuma, e o uso desse termo é enganador. A Troika não "ajuda" Portugal. O que fazem é um empréstimo ao Estado português que este depois tem de devolver e sobre o qual ainda tem de pagar um juro bem superior ao que qualquer um de nós poderia receber se emprestasse o seu dinheiro a um banco. A Troika emprestou a Portugal 78 mil milhões de euros. A taxa de juro e as comissões sobre esse montante rondam os 4% ao ano. Isso significa que Portugal pagará mais de 3000 milhões de euros de juros todos os anos. No final do prazo, mais de metade do dinheiro recebido de empréstimo terá sido usado para pagar juros. Que raio de “ajuda” é esta?

3. Os credores internacionais "deixaram de acreditar" que Portugal pudesse pagar as suas dívidas e portanto passaram a exigir mais? Isso não é o comportamento de um agiota? Não há sequer uma condenação moral a esses credores? E afinal quem é que manda: são os credores ou somos nós? Para continuar a dar rios de dinheiro aos credores em forma de juros nós todos temos de sofrer as medidas de austeridade? Que raio de sistema é este? Quem é que implementou este sistema? Para benefício de quem?

4. Afirma-se que os bancos nacionais chegaram ao limite das suas capacidades. E então? É suposto acreditarmos que isso é terrível? Coitadinhos dos bancos?... Os bancos nacionais existem para fazerem rios de dinheiro e também à nossa custa, através dos juros que lhes pagamos pelos empréstimos que pedimos. Duvido muito que os bancos nacionais tenham chegado ao limite da sua capacidade de empréstimo, até porque as reservas mínimas legais para os bancos são de apenas 1% ou até 0%, isto é, inexistentes (vejam aqui). Lembremo-nos que os bancos não precisam de dinheiro para poder emprestar. Os bancos são instituições financeiras e como tal criam o dinheiro a partir do nada. Literalmente (se tiverem dúvidas sobre esse processo podem ler por exemplo isto). Mas mesmo que os bancos tenham atingido o seu limite, isso seria para eles uma óptima notícia, pois significaria que a sua capacidade de arrecadar juros estaria maximizada. Finalmente uma nota para dizer que não existe grande diferença entre pagar juros a pessoas ou instituições muito ricas nacionais ou estrangeiras. A ideia de que é melhor ser um capitalista nacional a beneficiar com isso do que um estrangeiro, de que “o que é nacional é bom”, aplicava-se antes da livre circulação de capitais, pessoas e bens. No contexto actual estas análises territoriais perderam um pouco o seu sentido.

5. Afirma-se e reafirma-se a ideia de que não há qualquer alternativa, que o ajustamento é "violento, mas necessário", de que os partidos PS, PSD e CDS, cada um na sua vez, bem tentaram fazer o melhor para nós, mas coitadinhos não conseguiram... Essa é a ideia que a maioria das pessoas tem porque foi a ideia que lhes foi transmitida pelos noticiários, comentadores, empresários e demais fazedores de opinião que todos conhecemos. No entanto essa ideia é falsa. PS, PSD e CDS são partidos que defendem determinados interesses que não são os da maioria da população, mesmo que a maioria da população vote neles (os vídeos da Manuela Ferreira Leite a dizer que devemos proteger os ricos ou do Sócrates a dizer que o que falta é cimento ou as intervenções do Portas sobre os submarinos são elucidativos e exemplares). Foram eles que governaram o país nestas últimas décadas e foram eles que nos enfiaram, sem nos elucidarem nem nos perguntarem nada, num sistema financeiro, monetário e político em que perdemos a soberania a favor dos interesses económicos dos gigantes deste planeta. Desenganem-se: PS, PSD e CDS tiveram e continuam a ter imenso sucesso nas suas políticas – nunca como hoje houve tanto dinheiro na mão dos ricos de Portugal.

6. Desenganem-se também se julgam que a carga fiscal total em Portugal é elevadíssima e muito superior à de outros países (o ponto 8 está relacionado com isto). Os impostos e as taxas existem para financiar os serviços públicos que são muitíssimo necessários. Escolas, bibliotecas, jardins, passeios, estradas, pontes, cinema, teatro, música, literatura, pintura e demais artes, tribunais, hospitais e centros de saúde, caminhos de ferro, água, electricidade, saneamento, televisão, rádio, faróis, segurança pública, segurança social, transportes públicos, desporto, investigação científica, recolha e tratamento de lixo e tantas outras coisas são muito necessárias e têm de ser financiadas de algum modo. Os partidos do costume (PS, PSD e CDS) têm propagandeado nas últimas décadas a ideia de que o que é público é mau e o que é privado é bom e têm defendido a passagem das actividades potencialmente lucrativas para o sector privado. Continuem a apoiar as políticas desses partidos e acordarão amanhã num país onde tudo isso é privado. Espero então, quando tiverem um problema de saúde ou ficarem desempregados, que tenham a sorte de estar do lado de quem pode pagar...

7. Portanto, os impostos são necessários. No entanto, meter, como faz o texto desta petição, os impostos todos ao molho dentro do mesmo saco é um tremendo erro. O que os Estados têm obrigação de fazer, através dos serviços públicos e do seu financiamento, é precisamente uma redistribuição da riqueza dos que mais têm para os que menos têm, garantindo o mínimo de dignidade a estes últimos. Para esse efeito existe toda uma panóplia de diferentes impostos. Considerar que um aumento da tributação das mais valias em bolsa é o mesmo que o aumento do IVA, como o faz este texto, é um erro gravíssimo. De facto, quem aposta na bolsa é porque tem dinheiro para isso, e certamente não são as pessoas mais desfavorecidas que o fazem. Além disso, as mais-valias são rendimentos que não remuneram qualquer trabalho, nem sequer qualquer esforço, apenas remuneram uma aceitação de um risco, como quem joga na lotaria. O IVA, por seu turno, afecta toda a gente, e sobretudo os mais pobres. De facto, enquanto alguém muito afortunado só gasta uma parte do seu rendimento ou da sua fortuna, e o IVA só incide sobre esse rendimento ou essa fortuna, alguém mais pobre gastará muito provavelmente a totalidade do seu rendimento, e sobre a sua totalidade incidirá o IVA. Aumentar os impostos pode significar tirar aos mais ricos para dar aos mais pobres ou pode significar tirar aos mais pobres para dar aos mais ricos. Esta última opção, de tirar a quem tem menos para dar a quem tem mais é o que tem sido feito e é isto que é profundamente errado e condenável. Tratar todos os aumentos de impostos como iguais é atirar areia para os olhos das pessoas.

8. Defende-se em diversos momentos a ideia de que o Estado é “pesado”. Durante muitos anos temos ouvido muitos comentadores, todos seleccionados a dedo, como o Marcelo Rebelo de Sousa ou o António Vitorino ou outros, a dizer que "o Estado é pesado". E passámos a acreditar nisso, sem sequer saber muito bem o que isso quer dizer. Automaticamente também passámos a acreditar que é necessário reformar o Estado, e logo imaginamos como algo de bom o despedimento de funcionários públicos (que imaginamos como os seres mais preguiçosos do planeta), as privatizações e tudo o que serve para desmantelar todos os serviços públicos. Na verdade, os gastos públicos em percentagem do PIB são superiores numa data de países que normalmente consideramos mais evoluídos que o nosso, como é o caso da Islândia, França, Suécia, Dinamarca, Bélgica, Finlândia, Áustria, Itália ou Reino Unido. Mas além disso, o PIB deles é bem superior ao nosso. Assim, se virmos qual é a despesa absoluta desses governos por cada cidadão, descobriremos que o gasto médio dos países que referi é quase o dobro do nosso! Será que na Suécia, na Dinamarca ou na Finlândia eles também defendem a privatização dos serviços públicos?...

9. É-nos dito que é um "mal necessário" implementar medidas contrárias às que são prometidas em campanha eleitoral. Talvez isso possa ser denominado de outro modo...

10. Tenta passar-se a ideia de que Pedro Passos Coelho e o seu governo tomaram as medidas necessárias para combater o que estava mal. Diz-se até que foram tomadas medidas relevantes em diferentes áreas que se espera que tenham efeitos positivos na economia. Bom, podem ter um efeito bom na economia, mas péssimo na maioria dos portugueses! É sempre necessário lembrarmo-nos que nós não somos a economia e o que é bom para a economia nem sempre é bom para nós. De resto, quem escreveu estas coisas ou é ignorante, o que custa a crer, ou está novamente a querer lavar-nos a cabeça. Pedro Passos Coelho disse mais do que uma vez que as medidas que o governo tomou vão além do que a Troika exigiu porque isso fazia parte do seu programa eleitoral (ver por exemplo aqui). Todas as medidas que são tomadas estão claramente de acordo com a linha política do PSD e do CDS. Isso não devia ser novidade para ninguém, porque esses dois partidos defendem o liberalismo económico. Nesse sentido o agravamento dos impostos aos mais desfavorecidos, a diminuição dos salários reais de todos os trabalhadores, o aumento da flexibilidade, a precarização do trabalho, a facilitação do despedimento, os apoios às empresas, sobretudo às grandes, o desmantelamento dos serviços públicos e a privatização daquilo que é apetecível aos privados, tudo isso faz parte de qualquer programa político de qualquer partido liberal. Um dia a crise irá embora, mas essas medidas ficarão, a garantir a prosperidade aos capitalistas que já hoje mais beneficiam com isto tudo. E chamar-se-á a isso progresso! A menos que a população acorde entretanto...

11. Tenta passar-se a ideia de que as medidas são temporárias, o que está por demonstrar. Na verdade o mais provável é que sejam definitivas, de acordo com as orientações políticas do PSD e do CDS, conforme já foi dito no ponto anterior.

12. Fala-se da reforma do Estado “prometida há duas décadas”. Fala-se de identificar as áreas e as funções que devem ser garantidas pelo Estado. Está-se de forma encapuzada a defender, aliás conforme o que já disse antes, o desmantelamento dos serviços públicos e a privatização de tudo o que for possível privatizar, isto é, do que tem interesse para os privados. Implicitamente está-se a dizer que o Estado faz mal e os privados fazem bem. Está-se a dizer que não devemos sequer tentar ter serviços públicos como os suecos. Portanto, quem escreveu isto também defende uma determinada forma de organização da sociedade. Defende os credores, que supostamente não têm culpa de nada, defende o FMI o BCE e a Comissão Europeia, que supostamente não têm culpa de nada, defende o governo actual nas suas medidas considerando-as necessárias, defende que não havia alternativa... Além disso, quem defende a diminuição do peso do Estado, sobretudo em tempos de crise, demonstra que não percebe muito de economia. De facto, os gastos públicos são precisamente o melhor impulsionador da economia em tempos de crise. E é precisamente nos países onde os gastos públicos são maiores (em percentagem do PIB) que os efeitos das crises são mais suaves para a população.

13. É dito algo que faz sentido: que o aumento dos impostos agravará a recessão e incentivará a economia paralela. Isso faz sentido, se os impostos a aumentar forem os do costume, mormente os indirectos, sobre o consumo, como o IVA, o imposto sobre os produtos petrolíferos, ou outros. No entanto, sempre que se fala de impostos, e também nesta petição, parece que as pessoas se esquecem de coisas que deveriam saber. Uma dessas coisas é que metade dos rendimentos portugueses são rendimentos do capital (ver por exemplo aqui), isto é, são juros, rendas ou lucros. Estes rendimentos, ao contrário do salário, não remuneram qualquer trabalho, mas apenas a iniciativa, a assumpção de riscos ou coisas do género, coisas que não fazem despentear ninguém. Pois metade de todos os rendimentos portugueses são rendimentos do capital. E eles não estão nada bem distribuídos: todos sabemos que as grandes empresas são quem tem os rendimentos mais elevados, sobretudo nestes tempos de crise. Porque é que não se tributam estes rendimentos em vez de tributar quem trabalha? Será um esquecimento?... Não, a resposta que às vezes nos dão é que isso não é possível senão os grandes capitalistas, que são quem nos dá emprego, fogem com o capital para outro país qualquer. Mas o que não é dito é que aceitar que isto possa ser feito assim ou defender algo diferente é algo que está nas nossas mãos. Isto só é assim porque durante décadas os partidos de sempre (PS, PSD e CDS) conseguiram enfiar-nos neste sistema liberal, do qual a União Europeia é também um produto. Mas podia e pode ser de outro modo... A outra coisa que parece ficar esquecida quando se fala de impostos, é que tributar os rendimentos nem sequer é a forma mais justa de o Estado conseguir o seu dinheiro. A forma mais justa é através da tributação do património. “Paga mais quem tem mais” parece ser um bom princípio, mas ele é diferente de “paga mais quem ganha mais”. E isto significa que já é tempo de acabar com os paraísos fiscais, que são um autêntico escândalo, e que os partidos de sempre (PS, PSD e CDS) defenderam e defendem, e de acabar com o sigilo bancário e começar a tributar as fortunas dos mais ricos. Não há forma mais justa. Se se implementasse um imposto sobre as fortunas isso seria um aumento de impostos e no entanto não implicaria um aumento da recessão. Pelo contrário, a arrecadação de impostos sobre fortunas que estão relativamente imóveis para redistribuição pela economia e para estímulo do consumo dos privados (não se esqueçam nunca que cada euro que o Estado gasta, gasta-o a pagar a alguém, e que esse alguém depois vai gastá-lo noutra coisa qualquer, sobretudo se for alguém com poucos rendimentos) é uma forma óptima de pôr a actividade económica a andar para a frente.

14. É dito que “o Governo tem de garantir a redução do défice público (...) através da redução efectiva e sustentada da despesa pública, sem artifícios ou medidas extraordinárias ou temporárias.” O aumento das receitas, por exemplo através da tributação das fortunas, conforme referi no ponto anterior, é uma forma de abordar este problema que é capaz de estimular mais a economia do que a redução dos gastos públicos. Por outro lado, existe uma parcela importantíssima de gastos públicos relativamente aos quais eu concordo plenamente que deve haver uma “redução efectiva e sustentada”, “sem artifícios ou medidas extraordinárias ou temporárias”. Não são os gastos públicos com os funcionários, que tanto quanto sei não são ricos e costumam gastar praticamente tudo o que recebem. São antes os gastos que resultam dos juros da dívida pública, aos credores coitadinhos e à Troika que só quer o nosso bem. Quem é que disse que esses usurários devem ter prioridade sobre tudo o resto? Reduza-se o juro!

15. Tudo o resto que é dito no texto desta petição confirma o que tenho vindo a dizer: que quem o escreveu é defensor das políticas económicas liberais que têm sido seguidas desde há décadas pelos partidos do costume (PS, PSD e CDS) e que só agora se indignou porque sente que os impostos e a recessão também o começam a afectar a ele. No entanto, durante essas décadas de políticas económicas liberais, a situação daqueles que trabalham e recebem um ordenado mínimo vidas inteiras sem saírem da cepa torta, isso parece que não está na preocupação de quem escreve semelhante texto. Na lógica liberal, há que gerar primeiro o rendimento para depois o poder distribuir. E para gerar o rendimento há que dar todo o tipo de benefícios às empresas, sobretudo às grandes empresas e aos grandes capitalistas, porque esses é que são os bons, os que geram emprego. Depois gera-se o rendimento, mas estranhamente nunca chega o tempo de o redistribuir. Por isso as desigualdades económicas em Portugal mantêm-se ou agravam se. Por isso, em tempos de crise em que há muita gente a passar fome, há outros tantos que se pavoneiam nos seus barcos de recreio e vão de avião jantar a Londres e põe os filhos em colégios privados e tudo o mais. Há os que ganham 500 euros por mês a dar o corpo ao manifesto 45 horas por semana, e há os que ganham 100.000 euros por mês porque têm cargos de grande responsabilidade a fazer telefonemas. Há os que fazem e desfazem empresas e seleccionam jovens brilhantes para estágios não remunerados durante 6 meses e há os que emigram e os que passam anos e anos sem conseguirem um emprego qualquer que seja. Há os que trabalham a vida toda e não são capazes de juntar para adquirir uma casa própria, e há os que têm contas chorudas espalhadas pelos paraísos fiscais todos do planeta. Há partidos que defendem os mais fracos, e há os mais fracos que votam noutros partidos. Não será altura de nos insurgirmos contra isto? O que é que mais ou menos impostos têm a ver com isto? Não será mais uma questão de quem é que paga para o quê? O único e verdadeiro problema destes impostos, e é o único e verdadeiro problema que devia ser abordado e que nem por uma vez é referido no texto desta petição, é que tiram a quem tem menos para dar em juros e outras benesses a quem tem mais.

16. Informem-se. Não se deixem enganar. Se nada for feito para mudar isto, nada será mudado. Se continuarmos a votar PS, PSD ou CDS ou se continuarmos a não votar, estaremos a fazer o que sempre foi feito. O resultado está à vista: há de tudo nas lojas, nós é que continuamos a levar esta vida de cão.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Queixa-te...

(imagem retirada daqui)


Eles fizeram-te acreditar que precisas disto e daquilo para ser feliz
Eles produzem isto e aquilo melhor e mais barato que tu ou que os teus amigos
Eles fazem o dinheiro e só eles to dão, às pingas, a troco do teu trabalho, e só enquanto fores bom
E tu?...

Eles fazem-te acreditar que precisas
Eles vendem-to
E para que o possas comprar, compram-te e consomem-te
E tu?...

Tu só te libertas quando tu quiseres.
Só tu podes sentir a vontade de te libertares dentro de ti.
E quando o sentires, saberás o que tens a fazer.
Tu, e os teus amigos, só têm que os mandar à merda.

Agora vai.
Faz de conta que não sabes.
E queixa-te.

AWF

Quando o povo acorda é sempre cedo!...



Soneto do Trabalho, um soneto escrito por José Carlos Ary dos Santos e musicado pelo Fernando Tordo. Faz parte do LP com o título "feito cá p'ra nós" que me ajudou a crescer. Adorava esta música e ainda não sabia o que eram bigornas ou gazuas, que fará compreender o que significa acordar o povo... Lembro-me de imaginar as pessoas a acordarem pela manhã... Porque seria sempre cedo?... :)

É uma das músicas que sei de cor, de coração, e que trago sempre comigo, e ontem reencontrei este soneto esparramado numa das paredes do pavilhão central da Festa do Avante. E é sempre bom encontrar por aí pedaços que também fazem parte da nossa própria história.

Na versão do "feito cá p'ra nós" o soneto é cantado duas vezes e depois apenas a melodia, sem a letra, desvanecendo no que se espera ser um futuro melhor...

Das prensas dos martelos das bigornas
Das foices dos arados das charruas
Das alfaias dos cascos e das dornas
É que nasce a canção que anda nas ruas

Um povo não é livre em águas mornas
Não se abre a liberdade com gazuas
À força do teu braço é que transformas
As fábricas e as terras que são tuas

Abre os olhos e vê, sê vigilante
A reacção não passará diante
Do teu punho fechado contra o medo

Levanta-te meu povo não é tarde
Agora é que o mar canta é que o sol arde
Pois quando o povo acorda é sempre cedo

----------------

A diferença é que hoje seriam computadores, ratos e ecrãs em vez de charruas, arados e alfaias. De resto, infelizmente, parece que acordar só mesmo à chapada!

Momentos...


Dói-me tanto esta ausência.
Dia após dia após dia...

Eu sei, eu sei que fui eu.
Revolvo a cabeça à procura de alternativas:
Poderia?...

Agora já está.
Já basta a ferida.
Deixo-a sarar.
E vou andando...

Vê lá que até o vinho ficou esquecido na garrafa!
Como é possível?...
E o piano... desde então.
A luta? Sei lá da luta...
Acho que agora está cá dentro.
Sabes?... É tudo assim-assim.

Tudo não. Há momentos.

AWF



Rosa desfolhada
(música: Toquinho, letra: Vinicius)

Tento compor o nosso amor
Dentro da tua ausência
Toda a loucura, todo o martírio
De uma paixão imensa
Teu toca-discos, nosso retrato
Um tempo descuidado
Tudo pisado, tudo partido
Tudo no chão jogado

E em cada canto
Teu desencanto
Tua melancolia
Teu triste vulto desesperado
Ante o que eu te dizia
E logo o espanto e logo o insulto
O amor dilacerado
E logo o pranto ante a agonia
Do fato consumado

Silenciosa
Ficou a rosa
No chão despetalada
Que eu com meus dedos tentei a medo
Reconstruir do nada:
O teu perfume, teus doces pêlos
A tua pele amada
Tudo desfeito, tudo perdido
A rosa desfolhada

(gosto muito da imagem de alguém tentar reconstruir uma rosa com os dedos, gosto da ideia de compor um amor dentro da sua própria ausência, gosto do crescendo daquela nota para última estrofe...)

OGM e a Monsanto em Portugal...




Imagens de Assunção Cristas, militante do CDS-PP e actual ministra, Monsanto, empresa de produtos agrícolas, e António Borges, militante do PSD que já foi administrador do Citibank, BNP Paribas, Petrogal, Sonae, Jerónimo Martins, Cimpor, Vista Alegre, e de 2000 a 2008 foi vice-presidente do conselho de administração do banco Goldman Sachs International (tudo boas empresas, tudo bons rapazes). Vamos tentar compreender como isto anda tudo ligado...
 
Organismos Geneticamente Modificados. Muitas vezes se ouve falar dos OGM e, tanto quanto me parece, sobretudo em três contextos distintos. Fala-se do potencial que os OGM têm para conferir aos produtos agrícolas capacidades extraordinárias relacionadas com a produtividade, com a resistência a pragas ou doenças, com o aumento do valor nutritivo dos produtos ou com a melhoria de outras qualidades. Fala-se também dos efeitos que os OGM podem ter na saúde humana. Finalmente, fala-se dos efeitos que os OGM podem ter no ambiente.

O aumento da produtividade agrícola é apresentado como algo necessário para alimentar uma população mundial crescente. Cabe então perguntar se esse crescimento da população mundial é ele próprio necessário. Necessário para quê? Será possível mantê-lo indefinidamente?

Cabe também perguntar se o aumento da produtividade agrícola é uma coisa boa em si. Se a população mundial deixar de crescer, será que vamos continuar a apostar no aumento da produtividade agrícola? E com que argumentos?

Estas perguntas têm uma enorme pertinência, porque à conta do argumento do aumento da população e das necessidades de alimentação, têm-se operado transformações na actividade agrícola cujos impactos são colossais e nem sempre positivos.

O efeito que os OGM têm na saúde das pessoas é um tema de muito debate, que muitas vezes me parece infrutífero. Em boa medida, não são conhecidos com rigor e na sua globalidade os efeitos que os alimentos têm nos humanos. Por isso mesmo os nutricionistas não estão todos de acordo. Por outro lado, há tantas coisas que têm impactos nefastos bem conhecidos sobre a nossa saúde e nem por isso nós as evitamos (deixo ao critério do leitor pensar em exemplos).

No entanto, há dois efeitos que os OGM têm que são muito importantes e razoavelmente indiscutíveis e que gostava de salientar.

No nosso sistema económico actual vigora a lei da concorrência em que as empresas com maior sucesso expulsam as restantes do mercado. O mesmo se passa no sector agrícola. Imaginemos que neste contexto, que é o nosso, existe uma variedade de milho que é claramente mais produtiva (seja por que motivo for) do que as demais. Então os produtores dessa variedade de milho terão uma vantagem sobre os demais e, a seu tempo, expulsarão esses outros produtores de milho. A seu tempo todos os produtores de milho cultivarão a mesma variedade de milho.

Portanto, não só as empresas mais produtivas expulsam as menos produtivas do mercado, como também as variedades mais produtivas expulsam as menos produtivas. A uniformização do mercado em termos de consumo e de produção tem então uma consequência muito importante, que é a perda de diversidade. Como resultado deste processo, muitas variedades de animais ou plantas podem simplesmente extinguir-se e a variedade da fauna e da flora pode reduzir-se. Podemos perguntar-nos sobre qual é afinal o verdadeiro problema de uma variedade menos produtiva de uma qualquer espécie deixar de existir. A resposta a esta questão obrigar-me-ia a escrever outro artigo. Para aqui interessa apenas salientar que essa perda de diversidade é muitas vezes irreparável.

A perda de diversidade pode ser prevenida através da constituição de bancos genéticos. A questão muito premente que se levanta então é a de saber como é que tais bancos genéticos serão geridos. Há uma diferença enorme entre uma variedade ser produzida e reproduzida por milhares de agricultores e existir apenas num banco genético que é pertença sabe-se lá de quem e é gerido sabe-se lá como.

Imaginemos agora que a variedade mais produtiva que expulsa as outras é o resultado de uma manipulação genética efectuada por uma grande empresa. O objectivo principal de todas as empresas é a obtenção de lucro, não é a melhoria das condições de vida das pessoas ou a preservação da bio-diversidade. As grandes empresas como a Monsanto fornecem sementes de variedades muito produtivas, mas são sementes que ou são patenteadas, ou não permitem uma reprodução natural da planta, ou os dois. De um modo ou de outro os agricultores que cultivam essa variedade ficam dependentes da aquisição de novas sementes à grande empresa.

Ou seja, acima de tudo os OGM são, para quem os faz, uma forma de enriquecer, uma fonte praticamente inesgotável de rendimentos milionários. É claro que as empresas que o fazem utilizam tudo o que têm ao seu dispor para formar a opinião pública, incluindo a negociação directa com os elementos dos governos de vários países (há quem chame a isto lobbying e o considere muito saudável) e a propaganda de ideias como "os OGM ajudam a matar a fome no mundo" ou "os OGM reduzem as carências vitamínicas da população", como se alguma vez fosse necessária a existência de tais coisas para a mitigação de tais maleitas, como se elas não resultassem apenas dos nossos sistemas económicos.

Os OGM, pelas suas características, ameaçam invadir o sector agrícola mundial, tal como as acácias invadiram a nossa floresta: a princípio sobrevalorizam-se as vantagens e menosprezam-se os inconvenientes, e quando se dá por ela já não há forma de nos vermos livres deles. Depois da invasão, o agricultor passará a ter de optar por comprar as sementes (e todos os produtos afins, uma vez que sementes e fertilizantes e pesticidas e tudo para aquela semente específica constituirão um pacote necessário) à grande empresa ou ter de recorrer à produção de variedades menos produtivas que passaram a ser propriedade de um banco genético qualquer ou simplesmente deixaram de existir.

A empresa Monsanto é uma das empresas que faz rios de dinheiro e quer fazer oceanos de dinheiro à conta dos OGM e produtos afins. Essa empresa tem um historial que devia ser suficiente para a população mundial se insurgir em massa contra ela, o que poderia acontecer num mundo cor-de-rosa de gente informada. E para estimular essa informação eu recomendo a leitura, por exemplo, do livro intitulado "The World According to Monsanto: Pollution, Corruption, and the Control of the World's Food Supply", de Marie-Monique Robin.

Entretanto, se julgávamos que estas eram realidades distantes que não nos afectam muito, lamento ter de vos desenganar. A Monsanto está em Portugal, com cada vez mais força, e conta com a participação activa dos detentores do poder económico e político. Recomendo vivamente a leitura integral deste artigo de opinião que me chegou recentemente.

Compete-nos lutarmos contra isto, contra esta barbárie que se vai perpetrando lentamente. A luta necessária é a luta contra o sistema económico vigente. Há muitas alternativas.


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Destas formas de amar - parte 2...

(imagem retirada daqui)

 Segunda parte do texto iniciado aqui.

Na primeira parte do texto tentei expor a relação que penso existir entre felicidade e sofrimento. Como se duas faces de uma mesma moeda se tratassem. De facto, disse eu, nós podemos posicionar-nos, em termos de atitude, ao longo de uma escala que tem num extremo a completa aversão do risco e noutro extremo a completa aceitação do risco. Ora essa mesma dimensão, de maior ou menor aceitação dos riscos relacionados com tudo o que se passa nas nossas vidas, pode ser encarada de forma equivalente como a construção de barreiras mais ou menos protectoras da nossa integridade física e emocional. Defendo eu então que quanto mais intensas são essas barreiras, menor é a nossa capacidade de sentir felicidade ou sofrimento. Resumindo excessivamente: ou sentimos, ou não sentimos, e se sentimos sujeitamo-nos a sentir coisas boas ou más. Finalmente, defendo que se queremos não ser estupidamente "cool" como calhaus à sombra, se em vez disso queremos ser vivos, bem vivos, então devemos fazer um esforço constante de diminuição das nossas barreiras, de aumento de tolerância do risco, na medida em que a nossa robustez física e emocional nos permitir.

Uma vida bem vivida, afirmo, é uma vida cheia de paixões, cheia de vontades, cheia de quereres. Digo que "se queremos ser felizes temos de querer muitas coisas, de nós e dos outros e do mundo, para nós e para os outros e para o mundo. Amar é querer muito. Amar é fonte incerta de felicidade e de tristeza." E termino perguntando "Valerá a pena? O que fazer quando dá em sofrimento?..."

O que fazer então quando o nosso amor se transforma em sofrimento?

Quando sofremos a nossa robustez emocional (e possivelmente também física) diminui. A resposta natural à diminuição da nossa robustez é o aumento das nossas barreiras de protecção, é a diminuição da assumpção de risco, é uma certa forma de enclausuramento em nós próprios, para lambermos as feridas, para cuidarmos de nós. O nosso corpo e a nossa mente fazem isso de um modo razoavelmente automático, tal como quando nos dói uma articulação e ao fim de algum tempo, já sem consciência do processo, evitamos utilizar essa articulação.

Quando sofremos fechamo-nos na nossa concha a tratar de nós, a recuperar energia. É um processo natural. E enquanto estamos fechados na nossa concha, uma coisa que costumamos fazer é pensar muito. Os nossos pensamentos deambulam entre o passado e um futuro mais ou menos possível, revisitando situações, reinterpretando-as, imaginando cenários alternativos muitas vezes impossíveis... fazendo filmes! Este processo de pensar e repensar sobre os acontecimentos que conduziram ao nosso sofrimento é um processo necessário. De facto, outra das coisas que faz parte de nós de uma forma muito primitiva, muito essencial, e que está relacionada com a simples sobrevivência, é a capacidade de aprendizagem. Para podermos aprender com as coisas que nos vão sucedendo, é necessário que as compreendamos. Não se trata aqui de descobrir a verdade sobre essas ocorrências, porque podem existir múltiplas verdades. Trata-se simplesmente de encontrar uma verdade que sintamos como adequada, que passa a ser a nossa verdade. Será a nossa forma de explicar e de compreender o que nos sucedeu.

Nesse processo de interpretação e reinterpretação das causas do nosso sofrimento, há uma tentativa natural de atribuição de culpa. Poderíamos falar simplesmente de identificação de causas, ou eventualmente de atribuição de responsabilidades, mas falamos de culpa, com a carga negativa que lhe está associada, porque consideramos que o sofrimento é evitável e que, portanto, todos nós devemos ter condutas que minimizem o sofrimento, nosso e dos outros. Isto é o mesmo que dizer que consideramos automaticamente que alguém errou.

Ora, este processo de interpretação do real, de aprendizagem, de atribuição de culpas pode ser bastante doloroso. Aprender é muitas vezes doloroso. Quantas vezes temos de compreender coisas sobre os outros, sobre o mundo e sobre nós próprios que preferíamos não compreender de todo, porque são coisas más?... Alguém dizia que não há nada que seja tão mau que não possa ficar ainda um bocado pior juntando-lhe uma dose de culpa. E o pior é que isto é tantas e tantas vezes verdadeiro!...

O sofrimento original adicionado à dor que resulta deste processo quase inevitável, porque natural, de reinterpretação do real, pode tornar-se demasiado doloroso para o suportarmos. Nesse momento podem surgir dois comportamentos que me parecem ambos patológicos. Um deles será o de uma excessiva auto-defesa da nossa própria integridade. Nessa circunstância atribuímos toda a culpa dos acontecimentos aos outros. O outro comportamento será o de simplesmente passar por cima de todo o acontecimento como se nada tivesse acontecido, e de uma forma mais ou menos consciente apagá-lo da memória. Esses comportamentos resultam da nossa fragilidade emocional e da consequente necessidade de construção de um ego acima de qualquer ataque. Infelizmente, o resultado destes comportamentos é que o processo de aprendizagem é simplesmente eliminado. E quando não se aprende, a probabilidade de cometer os mesmos erros aumenta.

Alternativamente, quando estamos emocionalmente mais sólidos, pode ocorrer o comportamento oposto, que me parece igualmente patológico. Neste caso em vez de atribuirmos a culpa aos outros, tendemos naturalmente a desculpar tudo e todos excepto nós próprios. Não sou psicólogo, e não vou tentar aprofundar este tema.

Portanto, quando o amor se transforma em sofrimento, tendemos naturalmente a fechar-nos na nossa concha, a repensarmos tudo o que deu origem a esse sofrimento, a sofrermos um pouco mais com as conclusões a que vamos chegando, a organizar pouco a pouco uma narrativa, uma explicação para o sucedido. Durante todo este processo estamos com as barreiras levantadas, evitando novos sofrimentos e simultaneamente menos propensos a grandes paixões, grandes amores e grandes felicidades.

Finalmente, pouco a pouco, à medida que vamos compreendendo porque aconteceu como aconteceu, o que poderíamos ter feito melhor ou pior, a sorte ou o azar que tivemos com as condicionantes externas, as características de personalidade das outras pessoas com (ou a) quem nos demos, à medida que tudo vai fazendo sentido, nós vamos lentamente aceitando o desfecho dos acontecimentos e aceitando o nosso próprio sofrimento.

Todavia, a aceitação da dor, algo que é tantas vezes tão difícil de alcançar, devia acontecer de forma muito mais suave e espontânea. Por vários motivos.

Em primeiro lugar, é bom que compreendamos que quanto menos dependentes formos de coisas que não podemos controlar, mais fácil é a manutenção do nosso bem-estar. Como já alguém dizia, se queremos passar bem, temos de reduzir as nossas necessidades. E isso remete para o desenvolvimento da nossa autonomia e o nosso desenvolvimento interior, das nossas capacidades sensitivas, emocionais, de raciocínio, de conhecimento e outras. Cada um de nós transporta consigo todo um universo potencial cheio de coisas boas. Compete-nos acordá-lo, desenvolvê-lo, aperfeiçoá-lo. Compete-nos sermos mais belos. E de todo esse trabalho de desenvolvimento interior resulta sempre uma paz, uma satisfação, uma auto-confiança e uma auto-estima que são impagáveis.

Temos, antes de mais nada, de aprender a estar bem connosco.

A partir daí, tudo o resto deve ser considerado um extra, um bónus. E, se tivermos apreendido o que tentei transmitir na primeira parte deste texto, devermos compreender que esse extra não vem sem um custo que é a necessidade de assumpção de um risco. Ou seja, temos de saber que ter coisas boas é correr o risco de deixar de ter essas coisas boas. É tão simples quanto isso! E ter isto presente não deve ser um peso, não deve ser uma infelicidade. Se o é, é porque temos medo de perdermos as coisas boas que temos, é porque não somos capazes de nos sentirmos bem por nossa conta. Pelo contrário, se a base de referência for uma base de bem-estar, a consciência da delicadeza e da fragilidade das coisas boas que temos deve contribuir para aumentar o respeito por essas coisas e a gratificação pela nossa sorte.

Há uma ressalva que sinto dever fazer acerca deste assunto. Temos de ser capazes de nos sentirmos bem por nossa conta, desenvolvendo a nossa autonomia, afirmo. No entanto, estar numa relação com outra pessoa é mudar radicalmente a nossa condição. Tentar manter a autonomia e simultaneamente uma relação com outra pessoa é, aos meus olhos, impossível. Por isso mesmo é preciso saber escolher bem a quem nos queremos dedicar, a quem decidimos entregar a nossa autonomia, de quem queremos ser dependentes. O amor só pode existir com dependência. O amor é uma das maiores felicidades da vida. É também um dos maiores riscos.

A aceitação do sofrimento que o amor pode causar também deve resultar da constatação de que o mundo não existe propositadamente para a nossa felicidade. Se abandonarmos o nosso egocentrismo compreenderemos que o mundo gira bem sem nós e que as outras pessoas arranjarão formas de ser felizes sem nós. Por outro lado, todo o mundo e todas as outras pessoas devem ser livres. Se nós verdadeiramente gostarmos delas, iremos querer que elas sejam livres.

Mas existem muitas pessoas que querem prender a si as pessoas amadas (pense-se no caso das nossas relações com os nossos filhos) e que aparentemente amam de uma forma muito profunda e muito intensa essas outras pessoas. Pois bem, para mim esse não é um verdadeiro amor, é um amor inquinado pelo nosso próprio egoísmo.

E, se pensarmos e se sentirmos bem, é sempre o egoísmo e a nossa auto-compaixão que fazem com que o sofrimento de perdermos alguém seja tão forte. Se alguém que amamos muito decide deixar-nos, é o nosso próprio egoísmo que nos faz sofrer e desejar que as coisas sejam de outro modo. Tínhamos uma coisa que nos fazia sentir bem e deixamos de a ter. É só isso. Se compreendermos bem o papel que essa auto-compaixão tem na nossa dor, mais facilmente a iremos aceitar e consequentemente ultrapassar.

Estou a chegar ao fim do meu texto. Gostava de finalizar realçando a ideia de que se queremos ser felizes, verdadeiramente felizes, e se queremos amar e colher os frutos desse amor, temos de nos sujeitar, de correr o risco de sofrer muito com isso e a ideia de que a satisfação que resulta do verdadeiro amor não é uma consequência da posse ou do usufruto. Pelo contrário, a satisfação que resulta do verdadeiro amor é a simples existência desse amor. E a consequência dessa satisfação traduz-se na dádiva, não no usufruto. Amar é trocar, mas é sobretudo dar. E a profundidade disto que acabo de dizer podem explorá-la por vossa conta.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

É assim que eu sou!...

Que é como quem diz: não há nada a fazer! Quem diz semelhante coisa está muitas vezes implicitamente a admitir que há algo de errado em si. Nos tempos que correm isso já é notável! Mas está também a dizer que isso é inalterável. Porque sim. E já está!


O Eduardo Sá e a Isabel Stilwell são capazes de dizer valentes barbaridades. Não pretendo de forma alguma promover a sua imagem. E também não me agrada muito a linguagem por eles utilizada neste programa que aqui divulgo. Mas concordo com a mensagem principal, e é isso que quero partilhar.

Antena 1 - Dias do Avesso - Emissão de 3 de Setembro de 2012