segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A manifestação de dia 15 e os conflitos internos da malta...

(creio que esta foto é da Agência LUSA)

A manifestação que ocorreu em diversas cidades de Portugal (e pelos vistos não só) contra a Troika trouxe às ruas pessoas que nunca nas suas vidas se tinham manifestado publicamente deste modo. Muitas das pessoas que se manifestaram deram no passado o seu aval (activa ou passivamente) às políticas que PS, PSD e CDS têm levado a cabo nas últimas décadas.

O que é que poderá resultar então de uma manifestação que, segundo alguns canais de rádio e televisão, terá sido uma das maiores desde o 25 de Abril de 1974?

A sondagem que a Eurosondagem realizou entre os dias 10 e 13 de Setembro dá a resposta. PS, PSD e CDS continuam a ter quase 80% dos votos. Portanto a resposta é simples: desta manifestação não pode resultar nada.

De facto, que diferença faz o governo cair, se logo de seguida ele será substituído por outro governo dos mesmos partidos do costume?...

As pessoas que activa ou passivamente apoiaram as políticas do PS, do PSD e do CDS nas últimas décadas e que agora se insurgem contra estas políticas, têm obrigatoriamente que ter um conflito interno. Os conflitos internos são desagradáveis, e há muitas estratégias possíveis para minorar esse desconforto. Mas quer as pessoas tenham ou não consciência disso, esse conflito tem de existir. E passo a explicar porquê.

Os três partidos que tenho referido - PS, PSD e CDS - têm tido um discurso unânime de que não existe alternativa senão pedir o que eles chama de "ajuda" à Troika e diminuir o défice orçamental, o que só se consegue com políticas de contenção (a tal "austeridade"). Durante os últimos meses temos ouvido insistentemente que não há alternativa, não há alternativa, não há alternativa... Diz-se, ao mesmo tempo, que qualquer alternativa (porque afinal existem alternativas) seria uma catástrofe. Os portugueses levaram uma lavagem cerebral orquestrada por estes partidos, pelos empresários, pelos meios de comunicação social, pelos fazedores de opinião e passaram a acreditar, mais do que acreditam noutras instituições, que não há alternativa ao FMI.

Se as pessoas acreditam que não existe alternativa, então estão de acordo que é necessário conter o défice, e que isso só pode ser feito através de uma diminuição das despesas do Estado e/ou de um aumento das receitas. Quando o cidadão comum pensa em diminuição das despesas do Estado não pensa, em geral, no encerramento de escolas, de tribunais, de hospitais, nem de outros serviços. No entanto, imagina o despedimento dos funcionários públicos supérfluos, aqueles que não está lá a fazer nada - que também é uma ideia que abunda no imaginário liberal. Também se imagina a diminuição das despesas como uma redução dos vencimentos dos políticos. São as tão famigeradas "gorduras do Estado".

O problema destas ideias que as pessoas têm acerca das despesas do Estado é que em geral elas não correspondem à realidade. Por um lado, a maioria dos funcionários públicos estão lá efectivamente a fazer alguma coisa, e se optarmos por despedimentos em massa vamos certamente dar cabo dos serviços públicos. Por outro lado, muitas das tais "gorduras do Estado", como os salários dos políticos, embora eu concorde que em alguns casos pudessem ser reduzidas, elas não têm um peso assim tão grande na despesa total do Estado.

Os juros pagos pelo empréstimo do FMI ao Estado português, esses sim, são uma fatia razoável dos gastos públicos totais. Mas desses as pessoas não se costumam lembrar quando imaginam o Estado a reduzir a sua despesa.

A outra medida necessária para a diminuição do défice é o aumento da receita do Estado. Quando se imagina um aumento da receita imaginam-se receitas extraordinárias resultantes de privatizações, e imaginam-se receitas provenientes de aumentos dos impostos habituais: IVA, IRS, etc. Não se costumam imaginar novos impostos sobre o património. E quanto aos impostos sobre os rendimentos de capitais, como são as rendas, os juros, os lucros e as mais-valias de bolsa e outras, o discurso tem sido unânime: os partidos PS, PSD e CDS têm-nos ensinado que não se pode taxar muito os rendimentos dos capitais, nem os próprios capitais, porque isso reduz a "atractividade" da nossa economia para o capital, porque isso pode fomentar uma fuga de capitais, porque isso diminui a competitividade das empresas e coisas do género.

Quem apoia, activa ou passivamente, as políticas do PS, PSD e CDS, apoia também este ponto de vista de que é necessário proteger os empresários e os seus rendimentos, porque são eles que geram as empresas, os empregos e os rendimentos e permitem que esses rendimentos de algum modo cheguem até nós.

Uma coisa que estas medidas propostas para diminuir o défice têm em comum, seja a diminuição das despesas do Estado, seja o aumento das suas receitas através da tributação dos rendimentos do trabalho e o consumo, é a diminuição do rendimento disponível das famílias. Com essa diminuição vem uma redução do consumo interno, uma redução das vendas das empresas e uma recessão económica. Finalmente, como consequência de um agravamento da recessão económica, vem uma redução das receitas fiscais e porventura uma necessidade de aumento das despesas do Estado com apoio social (por exemplo através de subsídios de desemprego).

Portanto, as medidas de diminuição da despesa e aumento da receita têm de ser bem escolhidas, bem medidas, e aplicadas no tempo e no momento certos, de forma a minimizar o efeito negativo que têm na economia e a maximizar o efeito positivo que têm na redução do défice.

O que se tem passado é que os governos não têm conseguido evitar a recessão económica e a consequente diminuição das receitas do Estado. Mas, como "não há alternativa", isso implica consecutivos aumentos de impostos para compensar essas perdas nas receitas.

Assim sendo, a pergunta impõe-se: quem apoia as políticas do PS, PSD e CDS, e desse modo concorda com o ponto de vista de que "não há alternativa", que é preciso reduzir o défice, que temos que pagar aos credores, que não podemos taxar os capitais, vem agora para as ruas manifestar-se contra o aumento da tributação (chame-se o que se quiser) dos rendimentos do trabalho?...

Mas as pessoas querem sol na eira e chuva no nabal?... Se elas próprias acreditam que não há alternativa!...

O conflito interno devia ser sanado através de doses elevadas de abertura de espírito, de construção de barreiras às lavagens cerebrais, e da constatação de que existem alternativas, muitas! O conflito interno devia ser sanado compreendendo que os nossos interesses nem sempre são os mesmos que os interesses desses partidos (PS, PSD e CDS) e que é necessário, também a nível partidário, procurar alternativas. O conflito interno devia ser sanado através de uma diminuição do medo e de um aumento do conhecimento.

Infelizmente, sei-o bem, as pessoas costumam resolver os seus conflitos internos de outros modos. Admitir erros, mudar, pensar nos problemas... tudo são chatices... E para todas as chatices podemos contar com a sociedade que fomos construindo, prolixa em produtos e serviços que nos fazem sentir melhor. Quando assim é, o que é que se pode esperar de uma manifestação como esta?...

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