quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O umbigo do Belmiro...

Obrigado, Diana Dionísio e Pedro Boléo!

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Ali está o rio...



Ali está o rio.
Dois homens na margem estão.
Se um dá um passo, outro hesita,
será um valente, outro não?

Bom negócio faz um deles,
tem o triunfo na mão.
Do outro lado do rio,
só um come o fruto, o outro não.

Ao outro passado perigo
novos castigos virão.
Se ambos venceram o rio,
só um tudo ganha, o outro não.

Na margem já conquistada,
só um venceu a valer.
Perdeu o outro a saúde,
mas nada ganhou p'ra viver.

Quem diz "nós" saiba ver bem
se diz a verdade ou não:
ambos vencemos o rio,
a mim quem me vence é o patrão!

Convém...

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convém tu seres tu e eu ser eu
convém um sol vermelho
por cima do azul do céu

convém sermos os dois uma semente
de alegria e de gente
solidária e consciente


AWF, Lisboa, Janeiro de 2013

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Variações en passant...




Passam vários pavões
com palavrões nos pês...

Passa uma palavra.

Passeia.

Passageiro,
passo pelas palavras,
pelas palavras
que passam.

Até as mais pesadas
pensadas
prensadas
palavras
passam!

Passo por elas,
piso pegadas,
faço papéis...

Papo pastéis!

Passa outra palavra.

Peça a palavra de
pessoa apalavrada.

Personifique
parola peça
e não enfie a carapuça.
...

Passa mais uma palavra,
e mais outra, a espaços.

Passam-me as palavras,
sem que as possa apanhar
pelas pontas dos dedos.
Embaraços...
Empeço nos meus medos,
tropeço nos passos
perdidos à procura
das palavras perfeitas.

Preciso de uma palavra:
uma palavra bem passada,
se faz favor!

Palavras passadas...
Já me estou a passar!...

Palavra do Senhor!

...
(também há-de passar)



(AWF, Angra do Heroísmo, 26 de Outubro de 2017)

Calor...



Estico a chama no espaço
E no extremo do meu braço
Acendo o fogareiro.

Tremo tonto de cansaço...

Tanto tempo...

Conto o frio de Janeiro...

O fogo afasta o frio morto
todo em torno do meu corpo.
Mas não me dá porto, chão ou tecto,
chama que arde contrafeita
na ausência do afecto.

Temo o medo.
Meço o muro.

Metros e metros de enredo
Histórias tantas, tantos erros
enrolando e conspurcando o mundo!

Recolho-me...
Respiro-me...

E então recordo-te o regaço
o trato terno
o tenro traço
o teu rosto
o teu abraço...

Faz-me falta o teu abraço...

(O que faço?
O que desfaço?

Lá fora fecha o nevoeiro...)

Tomo-o.

Cubro-me de ti.

Aqueço-me

finalmente

inteiro.



(AWF, Angra do Heroísmo, 16 de Outubro de 2017)

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Dinheiro...

E pronto, é isto... está tudo dito.

Se eu disser que estou a fazer algo que me exige muito esforço, toda a gente entende se disser que vou ganhar muito dinheiro. Mas se disser que esse esforço é em prol
de um mundo melhor
daquilo que é correcto
de uma amizade
de um sonho
...
nada disso conta.

Se eu disser que vou morar para o sítio X, toda a gente entende, desde que seja para trabalhar na empresa Y e ganhar dinheiro. Mas se eu disser que escolho o lugar
porque o acho bonito
porque nele encontro paz
porque gosto dos abelharucos
porque quero estar longe da confusão
...
nada disso conta.

Tudo neste nosso mundo se pode explicar facilmente: dinheiro!

Porque é que vais almoçar aí?
          Porque tem uma boa relação qualidade-preço.
Porque é que vais comprar essa casa?
          É um bom investimento.
O que te faz andar vestido assim?
          Pareço rico.
E esse carro?
          Dinheiro.
E os amigos?
          Dinheiro.
E o dinheiro?
          Mais dinheiro.

E ainda dizem que esta gente não tem valores?...

sexta-feira, 12 de maio de 2017

SharkTank...


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Só mais um texto...

...que acabei de descobrir, na arrumação forçada da minha secretária, das minhas coisas amontoadas, que viajaram comigo e sem mim por sei lá onde, até virem aqui parar. Não tem data, mas fica seguramente limitado entre 2010 e 2014:

Julgais que é fácil?
Que sou impassível?
Que o faço curto e certeiro,
de olhar fixo,
inacessível?

Talvez vos pareça.

E às vezes queria que fosse.
Mas não.

Custa-me sempre tanto quanto pode custar
as emoções atiram-me o coração
contra o peito
tão forte
que o sinto pulsar nas veias
de todo o corpo,
embargam-me a voz
fazem-me ziguezaguear no
discurso que não tenho,
nas ideias misturadas
na mão trémula, suada e
fria que vai de um lado ao outro
tentando fazer do todo
um qualquer sentido.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Os museus militares na era do vazio...



Acabo de regressar a casa, depois de uma visita breve a um museu militar. Estou chocado. Fico sempre chocado quando visito museus militares, mas nem sempre pelos melhores motivos.

Neste caso concreto, tratou-se do museu militar integrado no museu de Angra do Heroísmo. Resulta da colecção particular de um personagem qualquer que aparentemente se divertia a acumular artefactos de guerra. Confesso que nunca na vida vi uma colecção particular, ou antes, um amontoado particular, com tanta variedade e quantidade de artefactos de guerra.

Qual será a diferença entre um amontoado de coisas antigas e um museu?... Num dicionário disponível na Internet pode ler-se, como definição de museu que mais aproxima aquilo que nos interessa: lugar onde se reúnem curiosidades de qualquer espécie ou exemplares científicos, artísticos, etc. Que porcaria de definição!... Entre outros aspectos, desta definição resulta que a diferença entre um museu e um amontoado pode não ser nenhuma!

Na verdade, o museu de onde vim é efectivamente parecido com um simples amontoado.

Tudo na vida depende do sentido que lhe atribuímos. O sentido canaliza a compreensão do mundo, unindo causas e efeitos. Mesmo desconhecendo as causas primordiais e os efeitos finais, e mesmo não sabendo qual é o sentido da vida, tudo na vida é mais fácil quando lhe atribuímos um sentido. A própria vida é mais fácil quando lhe atribuímos um sentido. E é bom que o façamos, antes que outro alguém o faça por nós.

Um museu deve ser um local que reúne exemplares curiosos, ou raros, ou que de alguma forma têm valor, em condições que permitam a sua exibição ao público actual e a sua preservação para o público futuro. Mas, mais importante ainda do que isso (e precisamente porque um museu pode existir, ao contrário do que possa parecer, sem requerer sequer a existência de tais exemplares), é o sentido que o museu atribui a essa colecção. Se quisermos assumir uma posição de superioridade intelectual, podemos imaginar um museu a conduzir o utente até um determinado sentido concreto que nós desejamos que ele atribua aos artigos da colecção. Hoje em dia é politicamente incorrecto admitir que possa sequer existir uma coisa chamada superioridade intelectual. Hoje em dia admite-se, mesmo perante uma horda de analfabrutos, que somos todos iguais... Se não quisermos assumir então essa posição de superioridade, o mínimo que devemos fazer, se formos nós a gerir o museu, é contextualizar as coisas.

Eu vi canhões, por exemplo. Canhões verdadeiros. É claro que não tinham o nome de "canhão". Eram antes obus, morteiro, falconete e mais sei lá o quê. Eram canhões. Mas não eram apenas canhões. Estes canhões foram feitos de aço. Esse aço resultou de um processo de extracção numa qualquer mina ou em várias. Existiu uma fábrica que produzia estes canhões. Quem trabalhava nessa fábrica, e em que circunstâncias? Terá sido a fábrica construída apenas para o "esforço" de alguma guerra específica? Ou, como tantos países mais desenvolvidos ainda hoje fazem, era uma fábrica que se destinava a abastecer qualquer comprador, em qualquer lado, para qualquer fim, pelo simples motivo de que isso rende alguns cobres? E em que guerra foram usados os canhões? E como vieram parar a Angra do Heroísmo? Foram adquiridos? Quanto é que o tal coleccionista teve de pagar por eles? E onde é que ele foi buscar esse dinheiro? E quem é que manteve os artefactos até aos nossos dias?...

Que sentido é que aqueles canhões fazem?... Que sentido alguma vez fizeram?...



Olho para esta enorme quantidade de espadas (que também não são "espadas", são florins e sabres e mais sei lá o quê) e arreios e fardas e canhões e vejo as mãos dos trabalhadores que as construíram... Em que pensariam eles enquanto construíam estas coisas?... "Ah, filhos da puta de inimigos!... Vamos matá-los a todos!"? Ou será que pensavam antes "Que frio!... Nunca mais toca o sino para poder ir embora!"? Ou antes "O que será que a Hermenegilda me pôs na lancheira para o almoço?... Talvez com o dinheiro que aqui ganho consigamos comprar uma casa..."?

O que levaria gente a trabalhar tão arduamente para fazer semelhantes coisas?... Saberiam eles o que estavam a fazer? Ou seria como hoje, em que cada um só produz um determinado tipo de parafuso, e nem sequer fazem ideia de onde é que esses parafusos acabarão por ser utilizados?...

Olho para aquelas coisas todas e penso: tanta gente aqui na ilha Terceira a matar-se para viver, e a viver a matar-se, e este caralho a gastar rios de dinheiro a amontoar objectos que serviam para os mais desgraçados de cada reino se matarem uns aos outros!...

Porque é que hoje não se produzem tantas coisas destas?... Alto! Produzem-se sim senhor! Aliás, produzem-se muito mais coisas destas!... Têm outros aspectos, claro, são muitíssimo mais sofisticadas... e não estão entre nós, estão antes guardadas em quartéis, ou debaixo da terra. Será que antes era mais comum ver espingardas e espadas à mostra por entre as pessoas que deambulam nas ruas?... Talvez... Será que antes havia mais guerras do que há hoje?... Talvez... E se assim for, porque será?... Será que para poder haver uma guerra a este nível é sempre necessário existir uma hierarquia? E será que manter uma hierarquia é difícil e exige um esforço continuado? Será por isso que alguns tinham muito poder e outros tinham menos? Porque será que os territórios controlados por um déspota sanguinário (como o nosso querido Afonso Henriques) foram crescendo e depois minguando através dos tempos? Quantas "deposições" de líderes foram necessárias até a liderança começar a ser partilhada por mais cabeças?... Quantas revoluções foram necessárias até o poder começar a ser assegurado mais pelo dinheiro e pela manha do que pela força bruta?...

Imagino-me a trabalhar num campo e a ver chegar junto a mim um conjunto de militares a cavalo. Imagino-me a mijar-me todo de medo pelas calças abaixo só de os ver a vir na minha direcção... Se eles viessem mesmo para me matar, que poderia eu fazer?... Com que armas combateria? Como me esconderia? Como fugiria?... Como seria viver assim, sem armas e sem poder, sempre sujeito ao apetite dos armados e poderosos? Viveria num medo permanente? Ou aceitaria isso como natural?... Reuniria com os meus amigos e pediria auxílio?... Formaríamos uma milícia?... Fugiríamos em busca de uma qualquer "terra prometida" que não tinha sido prometida por ninguém, que tinha sido prometida apenas por nós a nós mesmos?...

E o sermos todos homens e mulheres?... E o habitarmos todos este minúsculo planeta azul?... E o querermos bem uns aos outros, o darmos amor, o recebermos amor?... E as florestas e o sol? O calor suave?...


Penso nisto tudo...

De tudo isto se fariam muitos sentidos. Dê-se o contexto às pessoas, pelo menos, se não se as quiser guiar num qualquer caminho de descoberta de uma qualquer coisa.

E tudo isto deveria fazer as pessoas pensar. E sentir.

E sentir-se chocadas.

Como eu me senti.

E desejar muito que tudo aquilo nunca sequer tivesse chegado a existir! E desejar muito que nunca volte a existir! E sair dali com vontade de derrubar poderes idiotas, e de exigir o fim da construção de armamento, onde quer que ele ocorra!...

...

Mas o meu choque principal não foi esse. O meu choque maior, como aliás também começa a ser hábito quando vou a museus militares, foi poder experimentar a confrontação de tudo o que poderia, e talvez deveria, ser, com aquilo que é a nossa era, a era do vazio.

O que anima a malta é o divertimento.

Hummm... o que é que irei fazer hoje?... Está a dar o jogo do benfica... eu até adoro o futebol, mas como não joga a minha equipa, não quero saber... Olha, parece que o museu militar está de portas abertas! Bora lá! Pega nos miúdos que eu vou buscar o carro.

Chegados ao museu, é uma grande diversão! A mãe pega na criança mais nova ao colo e vai-lhe mostrar as lindas carroças que eram puxadas a cavalo. As carroças levavam caixas de munições, ou canhões que não eram canhões. E a mãe pergunta ao filho: gostas destas carroças, filho? Qual é a que gostas mais?... Entretanto o pai está com o filho mais velho a verificar os pormenores técnicos dos canhões: vês, quando a arma dispara ela recua, tem o recuo... antigamente as carroças recuavam todas, mas nestes canhões que não são canhões mais modernos existe um mecanismo especialmente desenhado para amparar o recuo!...

Magnífico!... O engenho humano é espantoso!... Que bom que houve tantas guerras no passado para que todas estas coisas pudessem ser desenvolvidas!... Sim, sim! Que se não houvesse guerra nós não teríamos hoje aviões tão seguros, nem as polícias poderiam combater tão eficazmente os terroristas!... Viste, que bom?...

Entretanto, noutra secção do museu, discutem-se os pigmentos dos uniformes. Pois, porque eram garridos numa altura em que se combatia mais próximo do inimigo, porque a tecnologia, essa maravilha, não permitia ainda atingir inimigos muito distantes, e além disso a pólvora era tal que produzia muito fumo e passado um bocadito já não se via nada!... Mas depois tudo isso mudou, deixou de haver tanto fumo, as armas ganharam maior alcance... os uniformes passaram a ser de tons esbatidos. E só depois surgiram os camuflados às manchas de tons muitíssimo naturais.

E eu a pensar: pois... eram quase uma saladinha de alface, tão benignos!... Sim, sim... e a tecnologia, essa nossa fiel amiga, evoluiu de tal ordem, o alcance e poder das armas aumentou tanto, que logo os uniformes de guerra puderam passar a ser fato e gravata... Até que hoje o uniforme de guerra pode bem ser uns calções floridos e uma t-shirt a dizer "we do it better!". Who cares?... We are so incredibly good at killing people!... And who is willing to kill people, anyway, when you can simply draw them effortlessly into your command?...

As pessoas interessadas nos materiais, na concepção, no fabrico, na manutenção... todas as questões tecnológicas. As pessoas interessadas na manutenção dos artefactos no museu. As pessoas maravilhadas com o peso, com o poder, com a força, com o tamanho, com o dinheiro... Uma grandessíssima diversão para toda a família!

E por entre o tipo de pigmento da farda e o tipo de rosca esquerda ou direita dos parafusos... poucos vêm através dos seus olhos as perguntas e os horrores que eu vejo através dos meus.

Muitos olhos, aliás, estavam mais focados no ecrã dos seus telemóveis...



E eu choquei-me. E fiquei feliz com isso, porque é sinal que apesar de tudo ainda em mim subsiste alguma sanidade mental...

this land is mine

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Somebody to love...



ao Freddy
ao George
à música
ao amor