sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O egoísmo e o altruísmo...



(desculpem todos os que não gostam desta música, mas sinto que a letra é interessante. "fazer a troca sem ganhar nem perder"!... o que diriam os economistas disto?... :) )

O dicionário "priberam" disponível na internet diz que egoísmo é o "amor exclusivo à pessoa e aos interesses próprios". Não deixa de ser um pouco irónico que o egoísmo seja definido com recurso ao amor. De onde, aliás, se poderá dizer que uma pessoa egoísta é uma pessoa amorosa! :)

O mesmo dicionário diz que altruísmo é uma "inclinação para procurarmos obter o bem para o próximo". Diz também que é o mesmo que filantropia, definindo-a como "amor à humanidade". De onde se pode concluir, já agora, que o amor é uma coisa que dá muito bem para um lado ou para o outro, o que aliás já sabíamos.

Encontro com frequência crescente quem me explique que todos somos egoístas. E sinto-me um pouco como o Godinho a dizer:

vou ter que voltar a assistir
a discussões fundamentais
onde as pauladas são verbais
e as conclusões são sempre iguais...

Vamos lá então esmiuçar o tema, por mais velho que ele seja, nem que para isso precisemos de luvas e máscara.

A todos os que me dizem que todos somos egoístas eu respondo: sim, claro que sim.
E já está.
Fim de discussão.

Todos somos egoístas porque todo o nosso eventual amor à humanidade será sempre nosso. É o nosso amor. É a nossa vontade. E enquanto agirmos de acordo com a nossa vontade, estamos sempre a fazer o que nos dá na gana, e estamos a ser egoístas. Nós somos o centro da nossa vida. Nós só podemos ver a vida através dos nossos próprios olhos, só a podemos interpretar com a nossa consciência, nunca com a dos outros. Vivemos sós. E etc etc etc etc. Os argumentos são sempre os mesmos e sobre eles eu apenas digo: certamente!

E agora que esta discussão está encerrada, passemos para a outra que, ainda que igualmente velha, pode ser mais proveitosa. Vejamos...

Se todos somos egoístas, o adjectivo "egoísta" fica de certo modo desprovido de conteúdo ou de utilidade. No entanto, as pessoas não deixam de usar este adjectivo, volta e meia, para descrever alguma situação ou qualificar alguma pessoa. Porque será? Pela razão relativamente evidente de que esse adjectivo continua a ser útil para distinguir um determinado tipo de comportamento.

A pessoa A tem uma hora de tempo livre e dedica-a a apanhar sol na barriga, quando ao seu lado alguém morre afogado por falta de assistência. A pessoa B tem uma hora de tempo livre e dedica-a a ajudar um amigo a pintar a sua casa, quando em sua casa o lixo se acumula pelos cantos à espera de limpeza.

Pode-se certamente afirmar que ambas as pessoas A e B são egoístas, porque ambas agem de acordo com a sua vontade. No entanto, se eu disser que uma pessoa é egoísta, todos imaginarão o comportamento dessa pessoa como sendo semelhante ao comportamento da pessoa A e não da pessoa B.

O adjectivo "altruísta" tem utilidade porque qualifica comportamentos em que o sujeito, mesmo agindo de acordo com a sua própria vontade, age com o objectivo principal de melhorar a condição de outro. O adjectivo "egoísta" tem utilidade porque qualifica comportamentos em que o sujeito, agindo de acordo com a sua própria vontade, age com o objectivo principal de melhorar a própria condição.

E parece-me que isto até dispensaria qualquer comentário... E se assim é, eu preferia deixar de ouvir dizer que todos somos egoístas. Porque existem pessoas e comportamentos altruístas.

Mais interessante ainda é a relação quase automática que neste tipo de exercício se estabelece entre egoísmo e maldade e altruísmo e bondade. Aliás, por vezes o argumento que defende que todos somos egoístas é simplesmente mais uma forma de tentar justificar comportamentos que se consideram incorrectos, injustos, indignos, etc. Ora essa relação é falaciosa.

Nem tudo o que fazemos a pensar principalmente na melhoria da nossa condição é mau. Nem tudo o que fazemos a pensar principalmente na melhoria da condição dos outros é bom.

Há muitas coisas que deveríamos fazer por nós próprios. E há muitas coisas que não deveríamos fazer pelos outros. Todos sabemos disso.

E se todos sabemos disso, é porque a conversa é outra, e esta conversa está apenas a toldar essa outra. A outra conversa é: o que é que podemos fazer? o que é que queremos fazer? o que é que achamos mais justo, mais digno, mais correcto? quanto do nosso bem-estar é que estamos dispostos a abdicar em prol disso? quanto conhecimento do outro é necessário ter antes de agir sobre ele? devemos tomar a iniciativa de ajudar ou esperar por uma solicitação?...

É toda uma outra longa conversa de que todos já conhecemos os contornos e de que muitas vezes fugimos como o diabo da cruz. Pois podem bem fugir a essa conversa, mas eu sei que não deixarão de me compreender quando eu num desabafo disser, de forma pouco rigorosa, que as pessoas são egoístas.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Achas que devo fazer uma greve geral?...

(imagem extraída da capa do livro "Teoria Geral da Estupidez Humana" de Vítor Rodrigues)


"

Não sei se deves fazer isto ou aquilo. Uma greve geral é um meio arriscado, pois que te expões à justa acusação de que deixas a tua mulher e os teus. filhos a morrer de fome. Não é a greve que irá provar o teu senso de responsabilidade perante os males da tua sociedade. Quando entras em greve não trabalhas. Um dia virá em que, em vez de fazeres greves, saberás TRABALHAR deveras em nome da vida. Chama-lhe então greve de trabalho, se tens apego à palavra “greve”. Mas greve trabalhando para ti, para os teus filhos, para a tua mulher ou a tua rapariga, para a tua sociedade, a tua produção ou as tuas terras. Vai dizer-lhes que não te sobra tempo para as guerras deles, que tens, mais que fazer. Muralha cada cidade desta convicção e deixa então que diplomatas e marechais se matem uns aos outros, pessoalmente. Tais seriam as coisas a ser feitas, se não mais berrasses “Viva” e não mais te afirmasses como sendo ninguém, ou alguém sem direito a opinião própria. Tens tudo nas mãos, a tua vida e a dos teus filhos, o teu machado e o teu estetoscópio. Vejo-te abanar a cabeça, pensar que sou um utopista ou talvez mesmo um “comunista”. Perguntas-me se poderei dizer-te quando saberás viver a tua vida em paz e segurança; a resposta consiste no inverso da tua forma de ser atual: viverás bem e em paz quando a vida significar para ti mais do que a segurança; o amor mais do que o dinheiro; a tua liberdade mais do que as linhas diretivas do partido ou a opinião pública; quando o modo de estar no mundo de um Beethoven ou de um Bach for o tom habitual de toda a tua existência (e já o é, Zé Ninguém, abafado pelo rumor da tua existência menor); quando a tua forma de pensar estiver de acordo, e não, como hoje, em discordância, com a tua forma de sentir; quando te for possível reconhecer os teus dotes a tempo e reconhecer a tempo o teu declínio, a tua velhice; quando te for possível viver o pensamento dos grandes homens em lugar dos crimes dos ditos grandes guerreiros, quando os professores dos teus filhos forem mais bem pagos do que os políticos; quando tiveres maior respeito pelo amor entre um homem e uma mulher do que por um certificado de casamento; quando puderes reconhecer os teus erros refletindo a tempo, e não demasiado tarde, como o fazes hoje; quando sentires que o teu espírito se engrandece conhecendo a verdade e as formalidades te inspirarem horror; quando comunicares diretamente com os teus camaradas de trabalho, não mais tendo diplomatas por intermediários; -quando: a alegria que a tua filha adolescente possa encontrar no amor for também a tua alegria, e não motivo da tua cólera; quando souberes abanar apenas a cabeça nas mesmas circunstâncias em que outrora se castigavam as crianças por tocarem nos seus órgãos sexuais; quando finalmente a face humana do homem da rua puder expressar a alegria, a liberdade e a comunicação, não mais a tristeza e a miséria; quando os seres humanos não mais povoarem a terra com as suas ancas retraídas e rígidas e os seus órgãos sexuais enregelados. Pedes orientação e conselho, Zé Ninguém. Quantas vozes, boas e más, se ergueram, pelos séculos, em resposta... Não é porque delas careças que permaneces na desgraça; é a tua própria mesquinhez que te condena. Também eu poderia aconselhar-te, mas sendo como és e pensam o como pensas não serias capaz de pôr em seção o que quer que te fosse aconselhado no interesse de todos.

Imaginemos que eu te aconselhava a fazeres desaparecer toda a atividade diplomática e a substituí-la, pela fraternidade profissional e pessoal com todos os sapateiros, carpinteiros, mecânicos, técnicos, físicos, educadores, escritores, administradores, mineiros e camponeses de todos os países; que fossem, pois, todos os sapateiros do mundo os responsáveis pela decisão de qual o melhor modo de calçar todas as crianças chinesas; os mineiros responsáveis pelas reservas de carvão para aquecimento de todos os países frios; os educadores de todo o mundo volvidos guardiões da futura sanidade mental de todas as crianças recém-nascidas. Que farias tu, Zé Ninguém, sé te visses a braços com todos estes simples problemas da existência quotidiana?

Decerto que a tua resposta, ou a de qualquer dos representantes do teu partido, governo ou sindicato, (a menos que me prendesses imediatamente como “comunista”), seria a seguinte:

“Quem sou eu para poder substituir as relações diplomáticas por relações internacionais ao nível do trabalho e do desenvolvimento social?”

Ou: “A eliminação das diferenças nacionais no domínio do desenvolvimento econômico e da cultura não é possível”.

Ou: “Queres que se restabeleçam relações de qualquer espécie com os fascistas alemães, ou japoneses, ou com os comunistas russos, ou com os capitalistas americanos?”

Ou: “Acima de tudo interessam-me os destinos da minha Pátria – Rússia, Alemanha, América, Inglaterra, Israel ou Comunidade Árabe”.

Ou: “Já me chegam os problemas que tenho para manter a minha vida em ordem e para me entender com o meu Sindicato dos Alfaiates. Outros que se ralem com os sindicatos de outros países”.

Ou: “Não dêem ouvidos a este capitalista, bolchevista, fascista, trotskista, internacionalista, sexualista, judeu, estrangeiro, intelectual, mitómano, utopista, demagogo, doido, individualista, anarquista. Onde está a vossa consciência de americano, russo, alemão, inglês, judeu?”

Podes ter a certeza absoluta de que usarias qualquer destes slogans, ou outros, a fim de evitar a tua responsabilidade na forma como se processam as relações entre os homens.

“Mas, então, eu não sou nada? Parece que não me reconheces um único traço positivo! Afinal, que diabo, trabalho que me farto, sustento a minha mulher e os meus filhos, levo uma vida decente e sirvo o meu país. Não posso ser tão estupor quanto isso!”

Sei que és uma criatura capaz, sólida, com qualidades de trabalho, tal como uma abelha ou uma formiga. Tudo o que tentei foi pôr-te à mostra o que tens de medíocre e te destrói a vida há já milhares de anos. És GRANDE, Zé Ninguém, quando não és medíocre e mesquinho. A tua grandeza é a única esperança que nos resta a todos. És grande quando desempenhas com gosto a tua tarefa quando trabalhas na alegria a madeira, quando constróis, quando pintas e embelezas os teus espaços, quando trabalhas a terra, quando contemplas o céu na quietude e te comprazes na existência dos animais simples, no orvalho, quando danças e cantas, quando amas a beleza dos teus filhos, o corpo do homem ou da mulher que escolheste; quando vais até um planetário tentar entender o espaço ou a uma biblioteca ler o que pensaram da vida outros homens e mulheres. És grande na tua velhice, com o teu neto no colo, dizendo-lhe de como foi outrora, respondendo à sua curiosidade confiante. És grande quando és mãe, embalando o teu filho nos braços, o coração cheio de esperança de que para ele venham melhores dias, a felicidade que, hora a hora, lhe vais construindo.

És grande, Zé Ninguém, quando cantas as antigas canções do teu povo ou danças ao som do acordeão, porque os cantos do povo são pacíficos, e são-no em todos os lugares do mundo. E és grande quando afirmas ao teu amigo:

“Ainda bem que o destino me concedeu até hoje uma vida limpa e sem ambições, que pude acompanhar o crescimento dos meus filhos, ouvir-lhes as primeiras palavras, vê-los mover-se, andar, brincar, fazer perguntas, assistir à sua, alegria; ainda bem que não deixei passar a Primavera sem a sentir, que pude gozar o vento ameno e o rumorejar dos regatos e o canto das aves; que não perdi o meu tempo em mexericos com os vizinhos, que amei a minha companheira e que senti correr no meu corpo o fluxo da vida; ainda bem que, mesmo em tempo de perturbação, não perdi o norte nem o sentido da vida. Pois que me foi possível escutar a voz que murmurava no meu intimo: ‘Existe apenas uma única coisa que vale a pena: viver bem e alegremente a própria vida. Escuta a voz do teu coração, ainda que tenhas de afastar-te do caminho trilhado pelos timoratos. E não consintas que o sofrimento te torne duro e amargo.’ E assim, na quietude do cair da tarde, quando me sento na erva em frente de minha casa, depois de um dia de trabalho, com a minha mulher é os meus filhos, ouço no pulsar da natureza à minha volta a melodia do futuro: ‘Humanidade inteira, eu te abençôo e abraço.’ E desejaria então que a vida aprendesse a defender os seus direitos, que fosse possível modificar os espíritos duros e os medrosos, que só fazem troar os canhões porque a vida os desapontou. E quando o meu - filho instalado no meu colo me pergunta: ‘Pai, o sol desapareceu, para onde foi, achas que volta depressa?’, respondo-lhe: ‘Sim, filho, há-de voltar amanhã para nos aquecer.’”

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Excerto de "Escuta, Zé Ninguém!" de Wilhelm Reich.
Retirado da versão integral brasileira disponível aqui.
Também editado em Portugal pela Dom Quixote.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Bibó Cabáco!

Nunca tiveram a sensação de que não adianta nada?... De que faça a gente o que fizer, as coisas parecem misteriosamente pré-determinadas... De que resulta a abstenção tão elevada?... Não resultará um pouco daí?... E o que resulta dela, a não ser mais do mesmo, que é o mesmo que dizer: absolutamente nada?... Tudo misteriosamente pré-determinado...

Revelar esse mistério é a viagem à fundura da toca onde tudo se interliga... Não é a maior viagem. Mas é uma grande e profícua viagem que nos serviria a todos. Haja energia para essa viagem. Haja energia para aturar quem não a faz. Haja energia para aturar mais sei lá quantos anos do mesmo...

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Antes de entrar, deixe sair...

(Esta imagem, infelizmente pouco nítida, foi retirada sem autorização daqui.)

"Antes de entrar deixe sair" é o que diz nas portas dos "metros" do Porto.

O interessante é pensar porque é que estes sinais aí foram colocados (onde aliás não existiam originalmente). Que processos são estes que levam gente supostamente inteligente a agir de forma tão idiota?

Essa idiotice é enervante... pelo menos para mim, sobretudo porque existe tão abundantemente nas mais diversas formas, e porque infelizmente não a consigo evitar. Serei demasiado exigente?... Sugestões?...

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A vida privada das plantas...

"A vida privada das plantas", de David Attenborough, editado em português pela Gradiva (infelizmente esgotado, mas certamente presente em muitas bibliotecas), que há anos andava lá em casa dos meus pais e só agora, finalmente, consegui acabar de ler. E que maravilha de livro. Que mundo maravilhoso! E que maravilha de gente que trabalha para nos revelar essas maravilhas sem misticismos nem obscurantismos! Recomendo vivamente.

Deixo aqui duas passagens breves. Esta primeira, retirada dos agradecimentos. Os "agradecimentos", aquela coisa chata que vem no início dos livros... neste vem no fim... e não é chata!

"(...) Pôr em papel as palavras dos capítulos anteriores foi apenas o último estádio de um processo que se iniciou no momento em que (...) nos juntámos e decidimos que as plantas, ao contrário da jardinagem ou da ecologia, tinham sido muito menosprezadas na televisão e que chegara o momento de fazermos uma série de programas de história natural em que as plantas fossem as heroínas da acção, e não as vítimas."

E esta outra, com a qual o livro termina, e para a qual gostaria de chamar uma atenção especial. Eu cresci a compreender as coisas nestes termos, isto é, a ver as coisas do ponto de vista dos outros, não apenas dos outros seres humanos, mas de todos os outros. E depois de compreender as coisas desse ponto de vista, é difícil passar incólume e inalterado pelo chauvinismo da espécie humana.

"As plantas, muito simples ou altamente complexas, colonizaram quase toda a superfície do nosso planeta, desde as neves dos pólos às luxuriantes florestas húmidas do equador. Algumas toleram circunstâncias muitíssimo severas, insuportáveis para qualquer animal. Vivem em condições de calor abrasador, em que os animais apenas podem aventurar-se por um curto período, e sobrevivem num frio extremo, que mataria os animais por congelação.
Há apenas uma situação a que não conseguem sobreviver: os assaltos violentos e resolutos da humanidade. Desenraizamo-las e cortamo-las, queimamo-las e envenenamo-las desde que surgimos no planeta como espécie. Hoje em dia fazemo-lo a uma escala sem precedentes. Destruímo-las, pondo-nos em risco. Sem elas é impossível a nossa existência ou a de qualquer animal. Chegou o momento de acarinharmos a nossa herança verde, e não de a saquearmos.
Sem ela seguramente pereceremos."

Vale a pena!...

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A sua dívida já é de 14.853 €...


Era esta a parangona do jornal gratuito "metro" de ontem. Ora então eu, Alexandre Freitas, tal como qualquer um de vós, cidadãos portugueses, devo 15.000 €? Ai sim?...

Ora vamos lá ver. Tenho 36 anos de idade. Tenho um curso de economia numa das melhores escolas de economia do país e com uma das melhores médias. Tenho um curso de engenharia numa das melhores escolas de engenharia do país e com a melhor média. Trabalho num dos melhores laboratórios de engenharia do país a projectar equipamento para garantir a segurança das maiores obras de engenharia do país. E como vou eu em questões de dinheiro?...

Eu nunca comprei um telemóvel na vida. Ando com um oferecido há uma data de anos e que é dos mais baratos (apesar disso dá para fazer e receber chamadas e enviar e receber mensagens escritas!). Gasto em roupa 22 € por mês (e se estão curiosos sobre como cheguei a este valor, eu registo todas as minhas despesas numa folha de cálculo... sim, coisa de "nerd"). Em vez de comprar roupa nova, uso a que tenho até à exaustão, uso a que me oferecem, e uso também a roupa usada que os outros já não querem. Gasto 36 € em restauração por mês. As férias que faço são sempre ultra-baratas, em geral cá em Portugal ou em Espanha, e quase sempre a dormir em parques de campismo ou nem isso. Em electrodomésticos e todas as outras coisas que consigam imaginar para a casa (excluindo gás, electricidade e água) gasto 13 € por mês. Como na cantina do laboratório (que é de baixo preço) e o que compro no supermercado, e nisso gasto 223 € mensais. Volta e meia tenho um deslize nesta vida cinzenta e gasto dinheiro num cinema, num livro, numa exposição, num espectáculo de teatro ou de música, e nisso gasto 50 € por mês.

Depois tenho os gastos que mais me pesam: 445 € de renda de casa e gastos associados (o mais barato que se consegue encontrar em Lisboa sem ser um quarto) e 395 € em transportes (apesar de quase sempre andar de transportes públicos, de bicicleta ou a pé e já vão ver porquê).

Somando isto tudo dá 1184 €. Mais alguns gastos extraordinários que sempre acontecem, mais farmácia, higiene, desporto e carregamentos de telemóvel, e tenho o meu salário extinto.

Portanto todos os meses consumo aquilo que ganho e fico na mesma, o que não é nada animador. Só que na realidade a coisa é ainda mais perversa. Porque há algumas despesas que vêm todas juntas. Todos os meses eu gasto menos do que ganho e consigo poupar algum. E assim vou passando, mês após mês, a ver o bolo crescer lentamente... Até que o carro avaria, e pumba, volto à estaca zero. Mas continuo. E vou poupando, poupando, poupando... Até que chega o Natal, compro umas prendas para oferecer, e pumba, volto à estaca zero (não tenho subsídio de Natal, nem de férias).

E assim cá vou andando, sempre na perspectiva de conseguir juntar algum para um dia poder dizer que tenho algo de meu, sobretudo uma casa, ou um pedaço de terra para nela poder fazer o que se pode fazer com um pedaço de terra, mas sem nunca conseguir. É como se estivesse a subir uma duna de areia, com passos esforçados, que não me tiram do sítio.

E quais as minhas perspectivas como super-engenheiro numa super-instituição deste super-estado? Bom, as minhas perspectivas são de continuar na mesma (pior, na realidade, porque todos os anos os preços sobem e o meu salário não) durante uma data de anos até que a prorrogação da bolsa não seja mais possível. Nesse momento, como as instituições públicas estão proibidas de admitir pessoal, terei de procurar outro trabalho qualquer. Isto se for um trabalhador (ups! não devia dizer isto, porque na realidade não tenho esse estatuto... sou mais um estudante... sempre estudante... na perspectiva de acabar com um currículo formidável a dormir debaixo da ponte), se for um trabalhador bem comportado, porque a qualquer momento o meu contrato pode ser extinto sem direito a qualquer indemnização. Animador?...


Apesar de tudo, sei bem que a minha situação é muito boa comparada com a situação de muitos outros que não têm emprego, ou que têm emprego com remuneração inferior, ou cuja actividade ou o ambiente no emprego são deprimentes...

Infelizmente, e isso ainda é mais triste porque é mais difuso, porque deixa responsabilidades repartidas por todo o lado, sei que também estou melhor do que os que têm uma situação no emprego melhor que a minha, mas que se tornaram reféns das estratégias de marketing que nos envolvem e sentem que não conseguem ser felizes sem ter uma casa assim, mobilada assado, fazendo férias cozido, com um carro frito e mais um telemóvel uau e sei lá o que mais.

Em termos de dinheiro, estou melhor que muita gente e apesar disso não estou muito bem. E sou um super-engenheiro numa super-instituição. E esforço-me. E levo uma vida regrada.

Que raio terá sido o meu erro para, apesar de supostamente fazer tudo bem, não sair da cepa torta e ainda por cima me virem dizer que eu agora já, com quem diz ainda só, devo 15.000 €?

Eu não devo um peido! Eles é que devem!...

Como dizia nuns cartazes da associação "precários inflexíveis" espalhados há uns tempos aqui por esta linda cidade de Lisboa, eu não vivo acima das minhas possibilidades, eles é que vivem em cima das nossas possibilidades!

Sinto-me como se pertencesse a um clube de mafiosos, no qual a minha opinião não serve de nada, e que fazem gato-sapato de quem lhes apetece. E a analogia aplica-se bem, ao contrário doutra que comparasse Portugal a uma empresa que estivesse a ser mal gerida. Porque numa empresa, infelizmente, os trabalhadores não podem, nem que quisessem (e era bom que quisessem...), demitir os gestores. E porque se assim fosse eu já há muito teria dito: ide à merda, sou eu que me demito desta cambada de energúmenos!

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Não façam isto em vossas casas!...

Pudim de ovos e vinho.

Primeiro: tentar fazer rabanadas de vinho.

Para isso juntar num tacho uns decilitros de vinho de uma garrafa que já tenha sido aberta há mais de um mês, açúcar q.b., canela idem, e limão. Constatar que não há limão e procurar outros citrinos. Constatar que não há citrinos e optar por dissolver uma pastilha efervescente de vitaminas com sabor a laranja sintética num pouco de água e adicionar isso ao vinho. Aquecer tudo mexendo bem. Deixar arrefecer.

A mesmo tempo (se precisarem de oito mãos não sei... desenrasquem-se!) bater quatro ovos numa tijela.

Constatar finalmente que o pão está bolorento, metê-lo todo no lixo, pôr a calda de vinho e os ovos no frigorífico e "reservar" até ao dia seguinte (este passo é fundamental!).

Segundo: fazer rabanadas de vinho.

Numa boa frigideira deitar uma quantidade generosa do melhor azeite (um verdadeiro desperdício), deixar aquecer, e depois passar as fatias de pão primeiro na calda de vinho, espremer, depois nos ovos, escorrer, e depois zumba, para a frigideira. Qualquer pão dá, mas para fazer como o chefe deverá ser pão de mistura trigo-centeio, para ser original. Ser original é uma coisa muito importante, segundo consta.

Terceiro: quando o azeite na frigideira acaba...

Nessa altura verter o resto dos ovos e toda a nhanha que estiver na frigideira para dentro do tacho da calda de vinho. Adicionar sêmola de milho (cerca de meio copo, mas depende da quantidade e da consistência da mistura previamente existente no tacho), aquecer e mexer sempre até engrossar.

Verter o preparado para uma linda forma e já está!

Tem um aspecto um pouco merdoso, mas posso garantir-vos que é ainda pior do que parece! :)
Não, na realidade até é bastante bom!... Quem diria?
:)