sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
O egoísmo e o altruísmo...
(desculpem todos os que não gostam desta música, mas sinto que a letra é interessante. "fazer a troca sem ganhar nem perder"!... o que diriam os economistas disto?... :) )
O dicionário "priberam" disponível na internet diz que egoísmo é o "amor exclusivo à pessoa e aos interesses próprios". Não deixa de ser um pouco irónico que o egoísmo seja definido com recurso ao amor. De onde, aliás, se poderá dizer que uma pessoa egoísta é uma pessoa amorosa! :)
O mesmo dicionário diz que altruísmo é uma "inclinação para procurarmos obter o bem para o próximo". Diz também que é o mesmo que filantropia, definindo-a como "amor à humanidade". De onde se pode concluir, já agora, que o amor é uma coisa que dá muito bem para um lado ou para o outro, o que aliás já sabíamos.
Encontro com frequência crescente quem me explique que todos somos egoístas. E sinto-me um pouco como o Godinho a dizer:
vou ter que voltar a assistir
a discussões fundamentais
onde as pauladas são verbais
e as conclusões são sempre iguais...
Vamos lá então esmiuçar o tema, por mais velho que ele seja, nem que para isso precisemos de luvas e máscara.
A todos os que me dizem que todos somos egoístas eu respondo: sim, claro que sim.
E já está.
Fim de discussão.
Todos somos egoístas porque todo o nosso eventual amor à humanidade será sempre nosso. É o nosso amor. É a nossa vontade. E enquanto agirmos de acordo com a nossa vontade, estamos sempre a fazer o que nos dá na gana, e estamos a ser egoístas. Nós somos o centro da nossa vida. Nós só podemos ver a vida através dos nossos próprios olhos, só a podemos interpretar com a nossa consciência, nunca com a dos outros. Vivemos sós. E etc etc etc etc. Os argumentos são sempre os mesmos e sobre eles eu apenas digo: certamente!
E agora que esta discussão está encerrada, passemos para a outra que, ainda que igualmente velha, pode ser mais proveitosa. Vejamos...
Se todos somos egoístas, o adjectivo "egoísta" fica de certo modo desprovido de conteúdo ou de utilidade. No entanto, as pessoas não deixam de usar este adjectivo, volta e meia, para descrever alguma situação ou qualificar alguma pessoa. Porque será? Pela razão relativamente evidente de que esse adjectivo continua a ser útil para distinguir um determinado tipo de comportamento.
A pessoa A tem uma hora de tempo livre e dedica-a a apanhar sol na barriga, quando ao seu lado alguém morre afogado por falta de assistência. A pessoa B tem uma hora de tempo livre e dedica-a a ajudar um amigo a pintar a sua casa, quando em sua casa o lixo se acumula pelos cantos à espera de limpeza.
Pode-se certamente afirmar que ambas as pessoas A e B são egoístas, porque ambas agem de acordo com a sua vontade. No entanto, se eu disser que uma pessoa é egoísta, todos imaginarão o comportamento dessa pessoa como sendo semelhante ao comportamento da pessoa A e não da pessoa B.
O adjectivo "altruísta" tem utilidade porque qualifica comportamentos em que o sujeito, mesmo agindo de acordo com a sua própria vontade, age com o objectivo principal de melhorar a condição de outro. O adjectivo "egoísta" tem utilidade porque qualifica comportamentos em que o sujeito, agindo de acordo com a sua própria vontade, age com o objectivo principal de melhorar a própria condição.
E parece-me que isto até dispensaria qualquer comentário... E se assim é, eu preferia deixar de ouvir dizer que todos somos egoístas. Porque existem pessoas e comportamentos altruístas.
Mais interessante ainda é a relação quase automática que neste tipo de exercício se estabelece entre egoísmo e maldade e altruísmo e bondade. Aliás, por vezes o argumento que defende que todos somos egoístas é simplesmente mais uma forma de tentar justificar comportamentos que se consideram incorrectos, injustos, indignos, etc. Ora essa relação é falaciosa.
Nem tudo o que fazemos a pensar principalmente na melhoria da nossa condição é mau. Nem tudo o que fazemos a pensar principalmente na melhoria da condição dos outros é bom.
Há muitas coisas que deveríamos fazer por nós próprios. E há muitas coisas que não deveríamos fazer pelos outros. Todos sabemos disso.
E se todos sabemos disso, é porque a conversa é outra, e esta conversa está apenas a toldar essa outra. A outra conversa é: o que é que podemos fazer? o que é que queremos fazer? o que é que achamos mais justo, mais digno, mais correcto? quanto do nosso bem-estar é que estamos dispostos a abdicar em prol disso? quanto conhecimento do outro é necessário ter antes de agir sobre ele? devemos tomar a iniciativa de ajudar ou esperar por uma solicitação?...
É toda uma outra longa conversa de que todos já conhecemos os contornos e de que muitas vezes fugimos como o diabo da cruz. Pois podem bem fugir a essa conversa, mas eu sei que não deixarão de me compreender quando eu num desabafo disser, de forma pouco rigorosa, que as pessoas são egoístas.
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Muito bem, amigo.
ResponderEliminarBoas reflexões.
Eu assim de ânimo leve diria, que temos que fazer por nós próprios o
suficiente para nos mantermos equilibrados e dar o que tivermos para
dar, porque como dizia um amigo meu para dar de beber a alguém é
preciso ter o jarro cheio.
Se damos o que não temos logo de seguida cobramos, mesmo sem saber. O
outro merece ser ajudado, e nós que somos o outro também, também
merecemos.
E relaxar um bocado com a preocupação do bem e do mal. Tirando alguns
actos francamente maus, que evitaremos cometer, é preciso mudar um
bocadinho o paradigma: ora bem, será que tudo o que fazemos pelos
outros deixa de ter valor se nos sabe bem e portanto se pode dizer que
o fazemos para nos sentirmos bem?
Será que só se pode valorizar o que fazemos pelos outros e nos custa
fazer? Isto cheira-me à cultura do pecado e da culpa, tão enraizada na
nossa cultura e que começa a mostrar-se profundamente desajustada.
Passemos a outro paradigma onde o bem e o altruísmo, o mal e o
egoísmo, e outras tantas dicotomias deixam de estar aos pares, em
lados opostos da barricada. Onde o egoísmo pode ser bom o altruísmo
mau, e vice-versa. Os conceitos que não se podem arrumar muito
direitinhos na nossa cabeça podem deixar-nos inseguros, mas ser capaz
de viver na insegurança é fundamental, na imperfeição, enfim. Pelo
menos na imperfeição aos olhos deste mundo. Tudo em causa.
Beijos