terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

"Para ser escravo é preciso estudar..." - sequelas...

Acerca desta música:



foi ontem escrito no jornal de negócios isto (ide lá ver).

E acerca disso que foi escrito acerca daquilo que foi cantado e tocado, eu escrevi o que se segue.

Li este artigo do jornal de negócios e o que me fica é cansaço... Eu cresci, sobretudo nos anos em que estudava economia, mas também antes e também depois, a ouvir opiniões deste tipo. E cansa-me. Porque o sujeito fala como se percebesse tudo, quando na realidade não percebe nada. Mas são assim todos os discursos sobre economia que nos dão para escolhermos o que acharmos mais adequado... todos os dias, dia após dia, nas rádios, nas televisões, nos jornais, nas escolas, nas conversas de café...

Vejamos alguns pontos sobre aquilo que é dito.

"O fenómeno nasce no baixo crescimento da economia europeia." Cá está. O problema é o baixo crescimento. De onde se deduz (se fosse necessário deduzir...) que a solução é o crescimento económico. Mas será?...

"...nunca saíram das faculdades alunos tão bem preparados como hoje." Bem, mesmo com a ressalva prévia de que isso depende das áreas, esta é uma frase que fará rir muita gente... Mas para lá dessa risota, o que se está aqui a tentar defender é uma relação entre a boa ou má preparação dos alunos com "formação superior" e os respectivos salários, para não dizer os salários de todos os jovens e até a situação económica do país. E será que a coisa é assim tão linear?...

"Os melhores têm sempre colocação e alguns (cada vez menos) com bons salários e perspectivas de carreira." Os melhores?... Melhores em quê?... Os melhores autómatos, será?... Será que um jovem, por ser muito competente, consegue sempre colocação e até com boas perspectivas de evolução?... Será a sua competência a pesar?... Ou será a capacidade de gerar mais-valia que pode depois ser apropriada pelo seu dono?... E não haverá uma subtil mas profundíssima diferença entre uma coisa e outra?...

"Em Portugal, o problema é agravado pela falta de crescimento económico durante pelo menos 15 anos (dez dos quais já lá vão) [o que é que isto quer dizer?], o que não cria oportunidades nem empregos." Cá está de novo: o problema é a falta de crescimento económico. Mas, na realidade, quando se diz "falta de crescimento económico" devia dizer-se, em abono da verdade, ou chamando os bois pelos nomes, de uma forma menos mentirosa, "baixo crescimento económico". Será que "baixo crescimento" é o mesmo que "falta de crescimento"? Se sim, porquê? E quão alto deverá então ser o crescimento económico para que solucione todos os nossos problemas?

"Temos falta de competitividade, precisamos de exportar e, por isso, baixam-se os salários - mas há maior inimigo da competitividade que esta quantidade alarve de impostos?" Muito bem! Ora então temos falta de competitividade. De onde se conclui que o aumento de competitividade contribui para a solução dos problemas. E não chega um aumento de competitividade interna, é necessário também um aumento de competitividade externa, para aumentar as exportações... Estranho... será que as pessoas nos outros países também pensam assim?... Pois é... E então a solução é a "competitividade", não é?... "Competitividade" vem de "competição", não vem?... Hummm...

E vou continuar um pouco com esta última frase, que ela é rica! Ora então, para aumentar a competitividade é necessário baixar os custos de produção, todos os bons cursos e manuais de economia no-lo explicarão. Fazem parte desses custos os salários e os impostos. Pois claro. E também, já agora, a segurança social e todos os benefícios sociais de que nos possamos lembrar. Ora, baixando os custos de produção, pomos os trabalhadores todos na merda, as instituições públicas todas na merda, mas aumentamos a competitividade, o que é muito bom para solucionar todos os nossos problemas!... Estão a ver alguma contradição?... Eu não, acho que está óptimo!

Mas vá, vamos por um momento acreditar que o sujeito tem razão. Então será que me podem explicar quão baixos deverão ser os impostos para que sejamos competitivos?... Lembrem-se, por favor, que os tipos do outro lado da fronteira estão a pensar no mesmo que nós...

"Os Deolinda não estão contra as propinas, não abrem trincheiras, não são sequer panfletários." Os Deolinda são, digo eu, uma produção artística de um conjunto de pessoas. Essas pessoas utilizam "os Deolinda" para diversos fins. Um desses fins deve ser arranjar pão para a boca. Outro desses fins deve ser obter reconhecimento. Outro ainda deve ser transmitir mensagens às pessoas. Deve ser, digo eu, que na realidade não sei, porque não conheço as pessoas atrás do projecto, ao contrário do senhor que sabe, a bem saber, o que "os Deolinda" querem e não querem, fazem e não fazem. Vai daí, o senhor afirma o que afirma, com ou sem fundamento, com ar de elogio. Sim, é de elogiar que as pessoas não sejam contra as propinas. Sim, é de elogiar que as pessoas sejam amigas de toda a gente e, como dizia o outro, metam uma gravata em cada fato-macaco e o pessoal todo no mesmo saco. Sim, é de elogiar as pessoas não serem panfletárias! Panfletárias?... Que horror!... Mas... o que é isso de ser panfletário?...

"Isto não é um movimento, é um não-movimento, o que já lhes deu a candura de um não agressor, resgatando dos mesmos que infamemente aniquilaram a "Geração Rasca" a simpatia dos que têm pesos na consciência." Agora o senhor entra pela poesia adentro. Isto é um "não-movimento"! Lindo! O que é isso de um "não-movimento"?... Não sabemos... mas ficamos a saber que é uma coisa muito boa, mais uma coisa de elogiar. Que maravilha que "os Deolinda" fundem um "não-movimento" que não identifica inimigos e em vez disso faz amigos por todo o lado!...

"Hão-de tentar instrumentalizar isto contra..." Instrumentalizar?... Ora ins-tru-men-ta-li-zar... no meu dicionário diz "Servir-se de alguém como coisa, meio ou instrumento para atingir os seus fins." Deus nos livre de alguém tentar usar esta canção como um instrumento para atingir os seus fins! Pelo menos sabemos que "os Deolinda" não o farão, porque esses, felizmente, segundo o senhor, não têm sequer fins! :) Que risota, senhor Guerreiro... que com esse nome já devia ter aprendido há muito que:
a cantiga é uma arma,
que quando não o é,
é uma arma ao contrário,
a dar um tiro no pé.


"Esta canção é uma carta enviada do futuro. Não é um aviso, é uma súplica." E aqui o senhor já está mesmo completamente dentro da poesia, pelo que me dispenso de comentar. A arte é assim: por muito que se estude, ou se gosta ou não se gosta.

Reflictam um pouco sobre as questões que eu levanto. O que o senhor que escreveu o artigo no jornal de negócios não compreende, e por isso mesmo acaba por não compreender nada, é que ele papagueia a lengalenga da ideologia que se infiltrou nele por todos os poros, pela comida e pelos genes desde que nasceu. A ideologia madura que se aceita sem se dar por ela, a mesma que nos trouxe até aqui, e que se insiste em brandir contra os problemas por ela mesma gerados. E no fim de tudo, como fica sempre bem, ainda se diz mal das ideologias.

Haja pachorra!

Vejam este meu artigo neste mesmo blogue. "Do que um homem é capaz"... Por exemplo, uma das coisas de que os homens são capazes é, para castrar a juventude, mascarar de virtude o querer vencer sozinho.

E essa juventude toda que se levanta para aplaudir "que parva que eu sou"?... Não admitirá ela, não admitiremos nós, que somos bastante parvos? Não admitirá essa juventude, não admitiremos nós, que queremos vencer sozinhos? Sozinhos, eu ou tu, ou nós os daqui, nós os de Portugal, nós os europeus, nós os tanto faz... Não admitiremos todos nós que nos dedicamos muito pouco uns aos outros?

Mas vá... não pensemos muito nisso, que não tarda vem daí o crescimento económico e logo tudo voltará a sorrir.

3 comentários:

  1. Felizmente vivemos numa democracia em que as pessoas podem dizer e publicar o que lhes vai na alma. Sinceramente acho que o artigo do sr. do jornal de negócios, não é mais do que uma forma de dar reconhecimento a uma banda.
    Independentemente de se concordar ou não com o artigo a verdade é que o país não está para jovens.
    Concordo com o que o autor diz sobre a excessiva carga fiscal (face aos serviços públicos prestados) e que acima de tudo somos um país sem norte nem futuro à vista.
    O facto de vários países estarem a reconhecer o problema, até nos devia levar a questionar a nossa forma de viver. Será que a economia e o nosso modo de viver são sustentáveis?
    Será que temos de viver orientados para pagar uma dívida que nunca pode ser paga?

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  2. Exmo. senhor, vi o seu link nas caixa de mensagens do artigo e vim ler. Não leve a mal, acredite que não estou a ser sarcástico, mas não consegui perceber minimamente qual é o seu pensamento sobre o assunto. Mas ficou claro para mim que o senhor não percebeu quase nada do que eu quis dizer no meu artigo. Mas esse é, obviamente, problema meu. Com os melhores cumprimentos, Pedro Guerreiro (ou psg@negocios.pt, se preferir)

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  3. Caro Pedro,
    tenho-lhe todo o respeito, mesmo que possa não parecer. Confesso que não tenho é muito respeito por algumas ideias que quando concretizadas me vão dando cabo da vida, mas enfim.

    Eu compreendo que não tenha percebido minimamente qual é o meu pensamento. Acredite que compreendo isso demasiado bem. Quando se pensa muito fora do quadrado é normal gerar nos outros muito incompreensão. E ser-me-ia muito difícil, por muitos motivos, explicar-me detalhadamente num artigo de um blogue. E acredite que gostaria de o poder fazer. Talvez em vários livros... Mas esses livros existem, não meus, mas de muitos outros, se for à procura deles. São livros onde estão reflectidos pensamentos alternativos sobre estas questões da sociedade e da economia. No entanto, só há verdadeiramente uma coisa que é importante perceber naquilo que eu escrevi: é que às vezes as coisas em que acreditamos muito fortemente podem não estar tão correctas assim. É necessário desconfiarmos de nós próprios. E estar atento a novas formas de ver as coisas. Eu compreendo muito bem que não me compreenda, porque, como disse, vivemos todos, desde a nascença, num caldo de conceitos onde, por exemplo, crescimento económico sempre foi considerado bom.

    Quanto a não ter percebido o que o senhor disse... Bom, a minha sugestão é a mesma: desconfie! E quanto mais claro for para si que eu não percebi, mais devia desconfiar! :)

    Retribuo os cumprimentos e acredito que esteja tão empenhado quanto eu na construção de um mundo melhor para todos, sublinhando este "para todos".

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