quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A sua dívida já é de 14.853 €...


Era esta a parangona do jornal gratuito "metro" de ontem. Ora então eu, Alexandre Freitas, tal como qualquer um de vós, cidadãos portugueses, devo 15.000 €? Ai sim?...

Ora vamos lá ver. Tenho 36 anos de idade. Tenho um curso de economia numa das melhores escolas de economia do país e com uma das melhores médias. Tenho um curso de engenharia numa das melhores escolas de engenharia do país e com a melhor média. Trabalho num dos melhores laboratórios de engenharia do país a projectar equipamento para garantir a segurança das maiores obras de engenharia do país. E como vou eu em questões de dinheiro?...

Eu nunca comprei um telemóvel na vida. Ando com um oferecido há uma data de anos e que é dos mais baratos (apesar disso dá para fazer e receber chamadas e enviar e receber mensagens escritas!). Gasto em roupa 22 € por mês (e se estão curiosos sobre como cheguei a este valor, eu registo todas as minhas despesas numa folha de cálculo... sim, coisa de "nerd"). Em vez de comprar roupa nova, uso a que tenho até à exaustão, uso a que me oferecem, e uso também a roupa usada que os outros já não querem. Gasto 36 € em restauração por mês. As férias que faço são sempre ultra-baratas, em geral cá em Portugal ou em Espanha, e quase sempre a dormir em parques de campismo ou nem isso. Em electrodomésticos e todas as outras coisas que consigam imaginar para a casa (excluindo gás, electricidade e água) gasto 13 € por mês. Como na cantina do laboratório (que é de baixo preço) e o que compro no supermercado, e nisso gasto 223 € mensais. Volta e meia tenho um deslize nesta vida cinzenta e gasto dinheiro num cinema, num livro, numa exposição, num espectáculo de teatro ou de música, e nisso gasto 50 € por mês.

Depois tenho os gastos que mais me pesam: 445 € de renda de casa e gastos associados (o mais barato que se consegue encontrar em Lisboa sem ser um quarto) e 395 € em transportes (apesar de quase sempre andar de transportes públicos, de bicicleta ou a pé e já vão ver porquê).

Somando isto tudo dá 1184 €. Mais alguns gastos extraordinários que sempre acontecem, mais farmácia, higiene, desporto e carregamentos de telemóvel, e tenho o meu salário extinto.

Portanto todos os meses consumo aquilo que ganho e fico na mesma, o que não é nada animador. Só que na realidade a coisa é ainda mais perversa. Porque há algumas despesas que vêm todas juntas. Todos os meses eu gasto menos do que ganho e consigo poupar algum. E assim vou passando, mês após mês, a ver o bolo crescer lentamente... Até que o carro avaria, e pumba, volto à estaca zero. Mas continuo. E vou poupando, poupando, poupando... Até que chega o Natal, compro umas prendas para oferecer, e pumba, volto à estaca zero (não tenho subsídio de Natal, nem de férias).

E assim cá vou andando, sempre na perspectiva de conseguir juntar algum para um dia poder dizer que tenho algo de meu, sobretudo uma casa, ou um pedaço de terra para nela poder fazer o que se pode fazer com um pedaço de terra, mas sem nunca conseguir. É como se estivesse a subir uma duna de areia, com passos esforçados, que não me tiram do sítio.

E quais as minhas perspectivas como super-engenheiro numa super-instituição deste super-estado? Bom, as minhas perspectivas são de continuar na mesma (pior, na realidade, porque todos os anos os preços sobem e o meu salário não) durante uma data de anos até que a prorrogação da bolsa não seja mais possível. Nesse momento, como as instituições públicas estão proibidas de admitir pessoal, terei de procurar outro trabalho qualquer. Isto se for um trabalhador (ups! não devia dizer isto, porque na realidade não tenho esse estatuto... sou mais um estudante... sempre estudante... na perspectiva de acabar com um currículo formidável a dormir debaixo da ponte), se for um trabalhador bem comportado, porque a qualquer momento o meu contrato pode ser extinto sem direito a qualquer indemnização. Animador?...


Apesar de tudo, sei bem que a minha situação é muito boa comparada com a situação de muitos outros que não têm emprego, ou que têm emprego com remuneração inferior, ou cuja actividade ou o ambiente no emprego são deprimentes...

Infelizmente, e isso ainda é mais triste porque é mais difuso, porque deixa responsabilidades repartidas por todo o lado, sei que também estou melhor do que os que têm uma situação no emprego melhor que a minha, mas que se tornaram reféns das estratégias de marketing que nos envolvem e sentem que não conseguem ser felizes sem ter uma casa assim, mobilada assado, fazendo férias cozido, com um carro frito e mais um telemóvel uau e sei lá o que mais.

Em termos de dinheiro, estou melhor que muita gente e apesar disso não estou muito bem. E sou um super-engenheiro numa super-instituição. E esforço-me. E levo uma vida regrada.

Que raio terá sido o meu erro para, apesar de supostamente fazer tudo bem, não sair da cepa torta e ainda por cima me virem dizer que eu agora já, com quem diz ainda só, devo 15.000 €?

Eu não devo um peido! Eles é que devem!...

Como dizia nuns cartazes da associação "precários inflexíveis" espalhados há uns tempos aqui por esta linda cidade de Lisboa, eu não vivo acima das minhas possibilidades, eles é que vivem em cima das nossas possibilidades!

Sinto-me como se pertencesse a um clube de mafiosos, no qual a minha opinião não serve de nada, e que fazem gato-sapato de quem lhes apetece. E a analogia aplica-se bem, ao contrário doutra que comparasse Portugal a uma empresa que estivesse a ser mal gerida. Porque numa empresa, infelizmente, os trabalhadores não podem, nem que quisessem (e era bom que quisessem...), demitir os gestores. E porque se assim fosse eu já há muito teria dito: ide à merda, sou eu que me demito desta cambada de energúmenos!

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