terça-feira, 12 de maio de 2015

Matéria nobre...

A propósito disto:


o poema de Eugénio de Andrade, a dizer-nos que o segredo é a paixão. A paixão daquilo que se faz apaixonadamente, acrescento eu, para que não fiquemos pelas paixões mais ou menos românticas ou carnais, que são mais ou menos passageiras. A paixão, por exemplo, com que aqui escrevo.


MATÉRIA NOBRE

Pode ouvir-se ainda o seu
bater contra o peito.
Há tantos, tantos anos exposto
à violência da luz do meio
dia. Quase amargo, quase
doce. Só a paixão o rouba
à morte, o impede de ser
panela esburacada
onde o vento assobia.
Ou pior: coisa viscosa, mole,
inerme. Coração,
matéria nobre.

Parece mentira...


Parece mentira que não se fale do tema... Pois parece.
E eu bem que tenho tentado... A economia, que o alemão barbudo chamava de infra-estrutura, por bons motivos...

Mas parece que vinga mais o "o meu é para mim, que se foda o mundo",
e toca a privatizar mais um hospital!...

Ainda na onda da música ska-punk, uma canção do grupo "La Raíz" de Gandía, uma cidade da Comunidade Valenciana. Esta canção integra o álbum "Así en el cielo como en la selva" que está integral e gratuitamente disponível no site do grupo. Aplaudo a atitude. Aplaudo as ganas e as mensagens, mesmo que sinta que por vezes não estão muito de acordo com o estilo musical.





PARECE MENTIRA

Quién es ese que carga contra la gente,
vengo a decirle que con palabras también se entiende
la lucha por el poder, las mismas caras de siempre,
su sucia plata, su sucia ley, el pueblo sabe muy bien.

Parece mentira que la mano invisible lo vea y no sepa actuar,
Parece mentira, nos dijeron, la ley del mercado no puede fallar,
Parece mentira que no se hable del tema,
Parece mentira que no den solución al problema, solución al problema.

Si mi boca disparara las palabras necesarias,
para despertar a tantas almas errantes, bellas durmientes.
Un silencio suyo, es como un murmullo,
lo mío es para mí, y que se joda el mundo.

Parece mentira que la mano invisible lo vea y no sepa actuar,
Parece mentira nos dijeron la ley del mercado no puede fallar
Parece mentira que no se hable del tema,
Parece mentira, que no den solución al problema, solución al problema.

Hoy despidieron a 14 del almacén,
hoy bajó la esperanza y subió el pan,
hoy el jefe compró un chalet en B,
y no nos puede pagar.

Hoy derruyeron el colegio donde estudié,
hay un proyecto de un centro comercial,
mañana niños que hoy no saben leer,
tampoco podrán comprar.

Hoy no cobró su subsidio el pobre Manuel,
privatizaron ese nuevo hospital,
hoy enfermó la abuela del 5. B,
mañana... dios dirá.

sábado, 2 de maio de 2015

Quiero amor...



La gran orquesta republicana
Quiero amor

No quiero un sistema podrido y militar,
no quiero vuestras guerras ni energía nuclear
no quiero un gobierno de políticos corruptos,
en realidad no quiero no quiero gobierno.

No quiero el ejercito,
no quiero monarquía,
no quiero la república si nada va a cambiar
No quiero vuestra patria,
no quiero la bandera
que no, que no, que no me representa.


Pero si alguien pregunta: yo lo que quiero es amor.
Aquí tienes mi respuesta: yo lo que quiero es amor.
En realidad lo que quiero es amor.
En realidad lo que quiero es amor.
En realidad lo que quiero es amor.
En realidad lo que quiero es amor.

No quiero las prisiones, no quiero las fronteras
No quiero que la historia este llena de mentiras.
No quiero ver negocio en hospitales y en escuelas
No quiero que la iglesia se meta con mi vida.

No quiero los transgenicos ni plantas patentadas,
no quiero pesticidad que evenenen la comida,
maltrato de animales, politicos en venta,
que no, que no, que no me representan

Pero si alguien pregunta: yo lo que quiero es amor.
Aquí tienes mi respuesta: yo lo que quiero es amor.
En realidad lo que quiero es amor.
En realidad lo que quiero es amor.
En realidad lo que quiero es amor.
En realidad lo que quiero es amor.

O medo...



Mia Couto, num discurso proferido em 2011 nessa coisa chamada "Estoril Conferences", um encontro chique, como há muitos, para abordar "problemas globais", numa tentativa de tornar a globalização numa coisa mais linda (tenho vontade de vomitar...).

Eduardo Galeano, em três pequenos textos que seleccionei.

Tudo para pensar muito e devagar.

O medo é natural. Tal como a fome. O modo como agimos, apesar dessas sensações primitivas, é a parte que nos compete.

Mia Couto


Murar o Medo


(link)

O medo foi um dos meus primeiros mestres.

Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas aprendi a temer monstros, fantasmas e demónios. Os anjos, quando chegaram, já era para me guardarem. Os anjos actuavam como uma espécie de agentes de segurança privada das almas.

Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinaram a recear os desconhecidos. Na realidade a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada, não por estranhos, mas por parentes e conhecidos.

Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambiente que reconhecemos.

Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território.

O medo foi afinal o mestre que mais me fez desaprender.

Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura algo me sugeria o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.

No Moçambique colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional: os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam pela independência e um ateu barbudo com um nome alemão.

Esses fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo. Os chineses abriram restaurantes à nossa porta, os ditos terroristas são hoje governantes respeitáveis e Karl Marx, o ateu barbudo, é um simpático avô que não deixou descendência.

O preço dessa construção de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no poder alguns dos ditadores mais sanguinários de toda a história. A mais grave desta longa herança de intervenção externa, é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos.

A guerra fria esfriou, mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo a oriente e a ocidente e, porque se trata de entidades demoníacas, não bastam os seculares meios de governação, precisamos de intervenção com legitimidade divina.

O que era ideologia passou a ser crença. O que era política tornou-se religião. O que era religião passou a ser estratégia de poder. Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas.

A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome.

Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade; para enfrentarmos as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania.

Todos sabemos que o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro caminho poderia começar, por exemplo, pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e de outro lado, aprendemos a chamar de “eles”.

Aos adversários políticos e militares juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade imprevisível.

Vivemos como cidadãos e como espécie em permanente situação de emergência. Como em qualquer outro estado de sítio as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.

Todas essas restrições servem para que não sejam feitas perguntas, como por exemplo estas:
Por que motivo a crise financeira não atingiu a indústria do armamento?
Por que motivo se gastou, apenas no ano passado, um trilião e meio de dólares em armamento militar?
Por que razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia são exactamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Gaddafi?
Por que motivo se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça?

Se queremos resolver e não apenas discutir a segurança mundial, teremos que enfrentar ameaças bem reais e urgentes. Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que seja preciso o pretexto da guerra: essa arma chama-se fome!

Em pleno século XXI, um em cada seis seres humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fracção muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a maior causa de insegurança do nosso tempo.

Mencionarei ainda uma outra silenciada violência. Em todo o mundo uma em cada três mulheres, foi ou será, vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida. É verdade que sobre uma grande parte do nosso planeta pesa uma condenação antecipada pelo facto simples de serem mulheres.

A nossa indignação porém é bem menor que o medo!

Sem darmos conta fomos convertidos em soldados de um exército sem nome e, como militares sem farda, deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e discutir razões. As questões de ética são esquecidas, porque está provada a barbaridade dos outros. E, porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência, nem de ética nem de legalidade.

É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha, a Grande Muralha, que foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente morreram mais chineses construindo a muralha do que vítimas das invasões que realmente aconteceram. Diz-se que alguns trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e pedra, são uma metáfora do quanto o medo nos pode aprisionar.

Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos mas não há hoje no mundo um muro que separe os que têm medo dos que não têm medo.

Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente.

Citarei Eduardo Galiano acerca disto, que é o medo global, e dizer:
Os que trabalham têm medo de perder o trabalho; os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho; quando não têm medo da fome têm medo da comida; os civis têm medo dos militares; os militares têm medo da falta de armas e as armas têm medo da falta de guerras.

E, se calhar, acrescento eu agora, há quem tenha medo que o medo acabe.



Eduardo Galeano

El miedo

Una mañana, nos regalaron un conejo de indias.
Llegó a casa enjaulado.
Al mediodía, le abrí la puerta de la jaula.
Volví a casa al anochecer
y lo encontré como lo había dejado:
jaula adentro,
pegado a los barrotes,
temblando del susto de la libertad.


 
El miedo global
Los que trabajan tienen miedo de perder el trabajo.
Los que no trabajan tienen miedo de no encontrar nunca trabajo.
Quien no tiene miedo al hambre, tiene miedo a la comida.
Los automovilistas tienen miedo de caminar
y los peatones tienen miedo de ser atropellados.
La democracia tiene miedo de recordar
y el lenguaje tiene miedo de decir.
Los civiles tienen miedo a los militares,
los militares tienen miedo a la falta de guerras.

Es el tiempo del miedo.

Miedo de la mujer a la violencia del hombre
y miedo del hombre a la mujer sin miedo.
Miedo a los ladrones, miedo a la policía.
Miedo a la puerta sin cerradura,
al tiempo sin relojes,
al niño sin televisión,
miedo a la noche sin pastillas para dormir
y miedo al día sin pastillas para despertar.
Miedo a la multitud,
miedo a la soledad,
miedo a lo que fue
y a lo que puede ser,
miedo de morir,
miedo de vivir...

 
Ventana sobre el miedo

El hambre desayuna miedo.
El miedo al silencio aturde las calles.
El miedo amenaza:
Si usted ama, tendrá sida.
Si fuma, tendrá cáncer.
Si respira, tendrá contaminación.
Si bebe, tendrá accidentes.
Si come, tendrá colesterol.
Si habla, tendrá desempleo.
Si camina, tendrá violencia.
Si piensa, tendrá angustia.
Si duda, tendrá locura.
Si siente, tendrá soledad.