sábado, 10 de novembro de 2018

Fake news?...

Tão fácil que é dizer "notícias falsas" em português...


Agora parece que está na moda. Não sabemos se a moda, a expressão, pegará ou não... já se verá. Talvez daqui a uns anos apareça uma entrada "feiqueniuz" no dicionário.

Eu não sei de onde veio isto. Sei que não é português. E tenho a impressão que há bem pouco tempo não havia cá disto. Só notícias falsas. Essas, as notícias falsas, andam cá desde a origem da humanidade. Foram sendo propaladas dos modos possíveis, consoante a época. Os livros serviram para feiqueniuz, o código morse, a rádio, a televisão... tudo serviu para feiqueniuz.

Há tratados e tratados escritos desde há muito tempo sobre notícias falsas. Mas parece que agora mesmo, há coisa de meses, algumas cabeças brilhantes resolveram dar relevo à coisa, num processo que acabou por se transformar, afinal, num óptimo exemplo de uma verdade que só não é evidente para quem anda mesmo a dormir: que as empresas que produzem e difundem as notícias têm um poder enorme sobre aquilo que pensamos e o modo como o pensamos.

Chocam-se agora as pessoas que haja um político que diz que há um determinado número de objectos quando o número é outro, ou que qualifica algo como sendo bom quando é mau, ou que existe quando não existe, ou vice-versa, ou outra combinação qualquer.

Não se chocaram tanto, aparentemente, quando lhes mostraram A e ocultaram B, porque eles passaram a conhecer A e nunca chegaram a conhecer B. Não se chocaram tanto quando lhes disseram que era A quando afinal era B, porque afinal A está de acordo com todos os A anteriores e eles não estavam à espera de B. E quando alguém lhes disse "mas isso não é A! é B!" não acreditaram, porque isso não era do senso comum.

Tanto não se chocaram que foram comendo, década após década, a papinha toda. Comeram a papinha toda sobre o sistema em que estavam inseridos como sendo algo que emana directamente de Deus. Comeram a papinha toda sobre Deus. Comeram a papinha toda sobre a ausência de alternativas e sobre o ter de ser. Comeram a papinha toda sobre um mundo muitíssimo perigoso e assustador, onde a melhor defesa é o ataque.

Desde há uns anos, aqui em Portugal, que as pessoas comeram a papinha toda acerca da dívida pública. Agora pagam felizes. Não fazem ideia o que é o euro, porque nem sequer sabem o que é o dinheiro... a sério que não sabem!... mesmo que estejam sempre a trabalhar para ele... não fazem ideia o que é o euro, mas comeram a papinha toda acerca da extrema necessidade de fazer parte do clube.

E por aí foram, comendo versões das coisas, acreditando que viam a luz... E tantas versões levaram, e tantos fazedores de opinião logo a seguir às notícias, e tantos debates a seguir aos fazedores de opinião, e tanto pluralismo e diversidade de opinião, porque tudo é opinião, e tantas diversões no entretanto para desopilar até ao próximo noticiário... levaram com tanto paleio em redes sociais, tanta opinião de opinião de opinião, tantos livros escritos a papaguear, tantas páginas na Internet, blogues, gurus e workshops, tanta ideia, tanta ideia e tanto paleio... que tudo agora para eles é nada mais do que uma amálgama de qualquer coisa sem grande adesão a seja o que for...

Antigamente havia uma lista do que não se podia dizer. Mas depois desta super-abundância de versões, passou a haver listas para tudo que ninguém consulta, tudo se pode dizer, e nada importa verdadeiramente... porque ademais a opinião da minha vizinha acerca da medicina que verdadeiramente resulta é tão válida como a opinião do médico lá do hospital... e isto de opiniões cada um tem a sua, e temos todos é que ter muito respeitinho, porque todos temos direito à nossa opinião.

E neste contexto, é natural que qualquer notícia que se queira destacar tem de fazer um esforço um pouco maior. É uma simples questão de competição pela nossa atenção por entre as resmas de parvalheiras diárias que sempre nos vão chegando.

É assim como uma droga à qual se vai criando habituação e cuja dose vai aumentando para manter os efeitos...

Agora chamam-se feiqueniuz. Aqui, deste lado do oceano, as pessoas ficam chocadas. Mas continuam a não parar para pensar um pouco acerca daquilo que julgam que sabem sobre as guerras mundiais, sobre a nossa história, sobre o nosso sistema económico.

A gente adormecida agora diverte-se com as histórias que lhes são dadas acerca de outras histórias que alguém inventa. E o mundo vai rodando...

Parangona no Diário de Notícias, a título exemplificativo, refere "processo legislativo sobre mecanismos de combate à desinformação na Internet".

A sério?...

Então vão mandar para a cadeia alguém que diga que tenho as unhas pintadas de vermelho, e vão continuar a publicar alegremente as notícias verdadeiras acerca das minhas unhas?

Porque a verdadeira informação é saber o nome dos ministros, é saber para onde o presidente da república tem viajado ultimamente, é saber, como a última notícia que ouvi na rádio desta manhã, que um australiano foi apunhalado até à morte numa rua de Melbourne.

Isso sim, são notícias verdadeiras de que precisamos para ficarmos bem informados! Haja pachorra!...