sábado, 14 de abril de 2012

A fala do velho morcão...




Eu estou do lado dos fracos.
As pessoas lutam para ganhar.
Eu luto para não lutar.
As pessoas ganham,
e quando não ganham fazem por ganhar
e quando perdem fazem por se levantar
e por recomeçar.
E quando estão mal
recorrem ao amigos
aos médicos do corpo e da mente
a todo o tipo de créditos e gurus
para se armarem de novo
ainda melhor
porque desta vez é que vão ganhar a luta.
E eu não quero ganhar.
Não quero a arma.
Não quero a luta.
Tento passar esta mensagem
de que a luta não é necessária
e dizem-me “se eu não lutar perco”.
Digo que são as armas que nos tornam diferentes,
que fazem uns subir e outros descer,
que sem armas não haveria luta
e ninguém perderia.
E dizem-me que as armas são precisas para a defesa,
que a melhor defesa é o ataque,
que temos de estar preparados,
que se não formos nós outros serão.
E enquanto a minha mensagem não passa
à minha volta as pessoas vão lutando
e eu vou perdendo.
É então que me tentam ajudar.
“Compra uma arma!”.
Não lhes digo que nunca compraria uma arma,
por respeito às coisas pelas quais devo respeito,
os outros,
mesmo faltando ao respeito a mim próprio.
Invento, digo “não, não tenho dinheiro”.
“Mas eu empresto-te!”...
É então que me tentam usar.
“Lutas por mim. Terás as melhores armas!”.
Não lhes digo que nunca lutaria por eles.
Invento, digo “eu vou primeiro tirar um curso
para as saber usar melhor”.
E agradeço “mas obrigado”.
É assim que, com o tempo, vou construindo
a imagem de um lorpa.
De um morcão.
E o facto de ter tido ofertas para empunhar armas,
e de ter tirado cursos para as saber utilizar,
e de apesar de tudo continuar a perder,
faz de mim o supremo lorpa.
É então que à minha volta a luta se inflama.
Proliferam com o mesmo vigor as armas e os caídos.
Os meus
também caem.
E eu também sofro com isso.
“Esta luta é nisto que dá”, digo-lhes.
“Pois é, tens razão”, respondem-me, “tenho de arranjar maneira
de botar as mãos numa arma melhor... Que curso hei-de tirar?...
Para quem hei-de lutar?...”
E eu também sofro com isso.
E por respeito não lhes digo que não façam isso,
e mais uma vez
a sofrer
e a perder
cada vez mais
tento fazer passar a mensagem:
a única luta que vale a pena é a que é contra a luta fratricida
e a favor da poesia.

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