quinta-feira, 12 de abril de 2012
O sistema...
(Não sei quem é o autor...)
Após um incêndio num bosque onde havia porcos, os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. Desde então, sempre que desejavam comer porco assado, incendiavam um bosque!
Houve problemas, que foram sendo resolvidos com aperfeiçoamentos, criando-se um grande SISTEMA. Mas as coisas não iam lá muito bem: às vezes os animais ficavam queimados demais, outras vezes ficavam muito crus. O processo preocupava todos, porque se o SISTEMA falhava as perdas eram grandes - milhões alimentavam-se de carne de porco assada e milhões ocupavam-se da tarefa de a assar. Portanto o SISTEMA não podia falhar.
Mas quanto mais crescia a escala do processo, tanto mais parecia falhar e tanto maiores eram as perdas causadas. Em razão das inúmeras deficiências, aumentavam as queixas. Era clamor geral a necessidade de reformar profundamente o SISTEMA. Congressos passaram a ser realizados anualmente para encontrar uma solução. Mas não acertavam na melhoria do SISTEMA. As causas do fracasso do SISTEMA, segundo especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não ficavam onde deveriam, ou à natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou ainda às árvores, excessivamente verdes, ou à humidade da terra, ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava no lugar, no momento e na quantidade das chuvas... Como se vê as causas eram difíceis de controlar; na verdade, o sistema para assar porcos era complexo.
Montou-se uma grande estrutura: maquinaria diversificada, indivíduos dedicados exclusivamente a acender o fogo - incendiários - que eram também especializados: incendiários da Zona Norte, da Zona Oeste, etc., nocturnos e diurnos, com especialização em matutino e vespertino, de verão, de inverno, etc. Havia especialistas também em ventos - os anemotécnicos. Havia um Diretor Geral de Assamento e Alimentação Assada (DGAAA), um Diretor de Técnicas Ígneas (DTI, com o seu Conselho Geral de Assessores), um Administrador Geral de Reflorestamento (AGR), uma Comissão Nacional de Formação Profissional em Porcologia (CNFPP), um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias (ISCUTA) e o Bureau Orientador da Reforma Ígneo-Operativa (BORI). Encontrava-se em plena atividade a formação de bosques e selvas, de acordo com as mais recentes técnicas de implantação, utilizando-se regiões de baixa humidade e onde os ventos não soprariam mais do que três horas seguidas. Milhões de pessoas trabalhavam na preparação dos bosques, que depois seriam incendiados. Especialistas estrangeiros estudavam a importação das melhores árvores e sementes, fogo mais potente, etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no momento oportuno. Formaram-se professores especializados na construção destas instalações. Pesquisadores trabalhavam para as universidades que preparavam os professores especializados na construção das instalações; fundações apoiavam os pesquisadores que trabalhavam para as universidades que preparavam os professores especializados na construção das instalações, etc. As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar o fogo de forma triangular, depois de atingida determinada velocidade do vento, soltar os porcos 15 minutos antes que a temperatura média da floresta atingisse 47 graus, posicionar ventiladores gigantes em direção oposta à do vento, de forma a direcionar o fogo, etc. Poucos especialistas estavam de acordo entre si; cada um baseava as suas ideias em dados e pesquisas específicos.
Um dia, um incendiário categoria AB/SODM-VCH (Acendedor de Bosques especializado em Sudoeste Diurno, Matutino, com bacharelato em Verão Chuvoso), chamado João Bom-Senso, pensou e disse que o problema era muito fácil de ser resolvido - bastava matar o porco escolhido, limpar e cortar adequadamente o animal, colocando-o então sobre uma armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor - e não as chamas - assasse a carne. Informado sobre as ideias do funcionário, o DGAAA mandou chamá-lo ao seu gabinete e depois de ouvi-lo pacientemente, disse:
– Tudo o que o senhor disse está muito bem, mas, na prática, não funciona. O que faria o senhor, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar sua teoria? Onde seria empregado todo o conhecimento dos acendedores de diversas especialidades?
– Não sei – disse João.
– E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os projetistas de instalações para porcos, com as suas novas máquinas purificadoras automáticas de ar?
– Não sei.
– E os anemotécnicos que levaram anos a especializar-se no estrangeiro, e cuja formação custou tanto dinheiro ao país? Vou mandá-los limpar porquinhos? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que lhes faço, se a sua solução resolver tudo? Hein?
– Não sei – repetiu João, encabulado.
– O senhor percebe agora que a sua ideia não vem ao encontro daquilo de que necessitamos? Não vê que, se tudo fosse tão simples, os nossos especialistas já teriam encontrado a solução muito tempo atrás? Com certeza compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas ... sem chamas! O que espera que eu faça aos quilómetros e quilómetros de bosques já preparados, cujas árvores são tão especializadas que não dão frutos nem têm folhas para dar sombra? Vamos, diga-me.
– Não sei, senhor.
– Diga-me, em relação aos nossos três engenheiros em Suino-Piro-Tecnia, o senhor não considera que sejam personalidades científicas do mais extraordinário valor?
– Sim, parece que sim.
– Pois então?! O simples facto de possuirmos valiosos engenheiros em Suino-Piro-Tecnia indica que o nosso sistema é muito bom. O que faria eu com indivíduos tão importantes para o país?
– Não sei.
– Percebeu? O senhor tem é que trazer soluções para certos problemas específicos – por exemplo: como melhorar as anemotécnicas atualmente utilizadas, como obter mais rapidamente acendedores de Oeste (a nossa maior carência), como construir instalações para porcos com mais de sete andares. Temos que melhorar o SISTEMA, e não transformá-lo radicalmente, entende? Ao senhor, falta-lhe sensatez!
– Realmente … eu estou perplexo! – respondeu o João.
– Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não ande por aí a dizer que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério e complexo do que imagina. Agora, aqui entre nós: devo recomendar-lhe que não insista nessa sua ideia. Isso poderia trazer-lhe graves problemas a si e ao seu cargo. Não por mim … o senhor entende. Eu digo isto para o seu próprio bem, porque eu compreendo-o, entendo perfeitamente o seu posicionamento, mas o senhor bem sabe que pode apanhar outro superior menos compreensivo, não é assim?
João Bom-Senso, coitado, não disse nem mais um "a", sobre o assunto. Sem se despedir, meio atordoado, meio assustado, com a sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e nunca mais ninguém o viu.
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