domingo, 25 de novembro de 2012

25 de Novembro de 1975...


Hoje é dia 25 de Novembro de 2012. Há uma data de anos passaram-se uma data de coisas. E acerca disso mesmo, estive nesta última sexta-feira na casa da Achada, onde pude ouvir a versão dos acontecimentos proferida pelo próprio Manuel Duran Clemente. Em 1975, o então capitão Duran Clemente fez no estúdios da RTP no Lumiar uma intervenção cujo conteúdo passarei a transcrever. São as suas palavras, às quais ainda acrescento, tal como ele acrescentou na sexta-feira, que levava já três dias sem dormir, que tinha 33 anos e que o discurso foi de improviso e a ingenuidade própria da idade.

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"Infelizmente a RTP não está a ser ouvida em todo o país. Isto acontece porque o emissor da Lousã já está a servir os estúdios do Porto. Há um corte feito por via administrativa e determinado não sei bem por quem!

Relativamente à antena de Monsanto (Lisboa) tivemos noticias de que haveria movimentações dos Comandos (de Jaime Neves) para, no local, ela ser desligada e na sequência ser interrompida a emissão destes estúdios.

Aqui (nos estúdios da RTP/Lumiar) a situação é calma e as forças militares estão perfeitamente dispostas a defender aquilo que é de todos nós, sobretudo do povo trabalhador!

Contrariamente a determinadas insinuações e calúnias, é evidente que não pretendemos a desordem, não pretendemos a falta de autoridade, não pretendemos a indisciplina…nada disso!

Pretender uma sociedade socialista não é querer a sociedade da “tanga” ou uma sociedade de austeridade inconfortável ou da anti-cultura ou de tudo quanto se difunde pejorativamente…

Isso é um completo disparate, propalado por forças de direita (por forças da reacção), com o intuito de impressionar os portugueses… Mais uma vez especular e explorar a falta de consciência política. Enfim, aproveitar o obscurantismo de tantos anos…  de tantos anos em que o fascismo manipulou o povo português.

Temos de acabar, de uma vez para sempre, com estas especulações; com esta outra face da exploração, que é mais uma forma de repressão do povo trabalhador português.

Nós queremos, de facto, a ordem democrática, a disciplina consentida, uma disciplina revolucionária, uma autoridade não-repressiva.

Queremos sobretudo que as novas estruturas, que as transformações neste processo, sejam criadas sob o ponto de vista dos explorados, sob o ponto de vista dos trabalhadores… isto é, sob o ponto de vista duma maioria que são efectivamente os desfavorecidos face a uma minoria que são (ou têm sido) os exploradores, seus intermediários ou seus lacaios.

É importante que as pessoas tenham consciência disso!

Queremos também que não haja mais ambiguidades neste processo. Que se clarifique, de uma vez para sempre, o MFA (um MFA que tem sido ambíguo), um MFA cheio de contradições… através das quais se tem afastado cada vez mais das metas a que se propôs.

Não é recuando…

É não ter perspectiva histórica, não ter uma perspectiva revolucionária. Não podemos continuar a recuar para atingir o objectivo de uma sociedade socialista.

O que nós vemos é que ainda há estruturas… ainda há organismos onde existem reaccionários muitas vezes até sem querer sê-lo, sem consciência disso, mas que objectivamente o são. Pessoas que por estarem em determinado lugar através da sua acção: através dos papeis, através das burocracias boicotam muitas vezes até o que já foi decretado pelo Governo.

Nós sabemos que muitas das pessoas, muitos dos pequenos e médios agricultores, muitos dos pequenos e médios comerciantes têm sido postos contra o processo revolucionário português. É preciso ter a perspectiva de que não são os erros das forças progressistas que põem as pessoas contra o processo.

Quem o faz é a acção da “reacção”: é a direcção internacional capitalista. Esquecemo-nos que ela existe? Existe e actua… e aproveita-se, neste País, da ingenuidade, da falta de consciência de muitos de nós e, sobretudo, dos problemas e das alienações, dos vícios e das mentalidades dos próprios militares e, até dalguns dos oficiais do MFA, quando constituídos como sua vanguarda: a das Forças Armadas.

O MFA não era mais do que uma vanguarda das Forças Armadas contendo oficiais com determinado grau de consciencialização politica… mas muitos outros não tinham qualquer consciencialização política.

No 25 de Abril o MFA tinha oficiais que sabiam o que era o Socialismo ou a Democracia, mas tinha, muitos que não sabiam o que isso significaria…. Por isso, posso dizer, alguns atingiram o seu “princípio de Peter”, como se costuma dizer, isto é, atingiram o seu limite de competência revolucionária.

Isto não pode ser!

Para bem do povo português, para que efectivamente o processo revolucionário prossiga, há necessidade que as coisas se clarifiquem e que aqueles (sobretudo os oficiais) que não são capazes, se atingiram o tal limite (essa competência)… têm que se afastar dele…

E não podemos permitir que seja nos gabinetes, que seja pela via administrativa………”

( … um técnico da RTP: começa a fazer sinais do lado das câmaras… ) (1)

“Estão-me a fazer sinais, eu não sei se posso continuar… (… dirigindo-se ao locutor, ao “pivot” António dos Santos…) … não posso continuar a falar por razões técnicas é isso!?! Não posso?!? Não posso continuar a falar por razões técnicas? Então continuo daqui a pouco, não poderá ser?! Estava aqui a ser … a minha intervenção estava a ser  perturbada pelos sinais dos técnicos… acho que devemos explicar às pessoas com naturalidade… não é verdade?”

(… locutor/pivot, António Santos: - Perturbar no sentido de elucidação!... )

“Tecnicamente eu não posso continuar a falar. Continuaria porque gostava de desenvolver este tema. Até para explicar melhor qual é a nossa posição e o que nos trouxe aqui. Está certo?”

(…António Santos: - Não sei, não sei, realmente qual é o pormenor que neste momento pode limitar ou não…)

[A emissão é transferida para os estúdios do Porto através da actuação técnica a partir da antena de Monsanto ( Lisboa ) já sob o controlo dos Comandos, após ter sido capturado o colaborador da RTP que possuía a “chave técnica” para a operação.]

Observações:

(1)                - Este colaborador da RTP que estava de serviço na antena, em Monsanto, contactou um colega dos estúdios do Lumiar, solicitando-lhe para avisar o Capitão Duran Clemente de que não conseguia manter-se escondido por muito mais tempo e que a emissão iria ser transferida para o Porto logo o apanhassem. É esse o significado dos sinais, feitos do lado das câmaras (que filmavam) que levam à perturbação da intervenção supra descrita.

(2)                - Aliás em comunicado feito na RTP muito antes do Telejornal, Duran Clemente havia dito ,mais do que um vez:

            “ Queria também esclarecer o Povo português, que está preocupado ao ouvir-     nos, que nós, aqui no Lumiar, estamos perfeitamente bem. É provável que nos silenciem a antena, a partir de Monsanto. Não sabemos o que se passa…. Se, efectivamente, deixarmos de estar nos “ecrans”, é porque a antena ( em Monsanto) foi neutralizada.

Não se trata de neutralização(ou prisão) do pessoal que está aqui nos estúdios no Lumiar. Quem aqui está pretendia apenas que a voz dos trabalhadores não fosse silenciada.


Apelo para a serenidade, para a vigilância revolucionária, inteligente e serena de todos os trabalhadores. Unidos venceremos!. “

Cap. Duran Clemente                                         25 de Novembro de 1975"


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O texto que ele próprio escreveu e que está datado de há um ano atrás (25 de Novembro de 2011) pode ser encontrado aqui. Nele, depois desta parte referente à sua intervenção na RTP, ele tece algumas considerações sobre o que se passou no 25 de Novembro. Delas saliento estas duas:


"(...) também começam (os mesmos/a direita) a propalar a iminência dum golpe de esquerda…(a criação duma comuna de Lisboa,etc.etc.!!!)…

Tal ideia parece não ter sentido, mas tem!
Estava criada a justificação para se preparar exactamente o golpe contrário. Chamar-se-ia um golpe de defesa para rechaçar o outro. E tudo se preparou."


Ou seja, o 25 de Novembro de 1975 passaria para a história como o dia do golpe que permitiu defender o país da ameaça comunista.

"A questão é que os poderosos de então (da mesma família dos poderosos de hoje) tiveram o braço amigo de uns quantos imprudentes e de todas as forças reaccionárias nacionais e internacionais; tudo fizeram para travar a genuína REVOLUÇÂO PORTUGUESA e iniciaram um processo que podia estar para o 25 de Abril como o 28 de Maio de 1926 esteve para a 1ª República…e só não foi assim porque os tempos e as circunstâncias  eram  muito diferentes"

Para quem não está bem dentro do assunto, o período da primeira república foi um período de mudança acelerada. Nesse período de mudança acelerada os conflitos de interesses estavam à tona e tinham repercussões na instabilidade política e não só. O 28 de Maio de 1926 pretendeu pôr fim a essa instabilidade e devolver a tranquilidade ao país. Tranquilidade, claro está, implica ausência de mudanças, certamente ausência de mudanças rápidas, e manutenção dos princípios vigentes no passado. E assim começou o Estado Novo.

O PREC, período revolucionário em curso, como ficou conhecido o período posterior ao 25 de Abril de 1974, também foi um período de mudança acelerada que trouxe à tona todos os conflitos de interesses que existiam mas que tinham sido calados durante décadas de Estado Novo. O 25 de Novembro pretendeu pôr fim à instabilidade desse período e devolver a tranquilidade ao país.

E conseguiu!... Por isso é que hoje estamos como estamos, mas continuamos tranquilos... povo mansinho...

Por isso mesmo também, os que mais desejavam as mudanças (onde eu certamente me incluiria se nessa altura tivesse idade para pensar), viram e vêem no 25 de Novembro o marco que pôs fim a um sonho.

O resto da conversa, que não será tida aqui e agora, é sobre a legitimidade democrática das mudanças... O que fazer quando um povo ignorante vota na manutenção da sua própria ignorância?...

Cantou então o José Mário Branco, numa música que se tornou célebre, e que aqui vos deixo:

" (...)
Quando a nossa festa se estragou
E o mês de Novembro se vingou
Eu olhei p'ra ti e então eu entendi
Foi um sonho lindo que acabou
Houve aqui alguém que se enganou

(...)
E então olhei à minha volta
Vi tanta mentira andar à solta
Que me perguntei se os hinos que cantei
Eram só promessas e ilusões
Que nunca passaram de canções

(...)
Quando finalmente eu quis saber
Se ainda vale a pena tanto crer
Eu olhei p'ra ti e então eu entendi
É um lindo sonho p'ra viver
Quando toda a gente assim quiser

(...)
E agora eu olho à minha volta
Vejo tanta raiva andar à solta
Que já não hesito e os hinos que eu repito
São a parte que eu posso prever
Do que a minha gente vai fazer
(...)"

Pois é Zé Mario... e até que toda a gente assim queira, tu e eu e o Duran Clemente e tantos mais cá nos vamos tramando...


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