segunda-feira, 19 de maio de 2014

Investimentos públicos em tempo de vacas esqueléticas...

Tenho passado alguns dias nos últimos meses pelas bandas de Matosinhos. Não pude deixar de reparar na colossal picadora 1-2-3 que alguém deixou cair num dos paredões do Porto de Leixões.


Trata-se, vim a saber, de um "terminal" para os muitos milhares de passageiros de paquetes que alguém espera vir a receber no futuro.

Noutro dia, já em Lisboa, deu-me para pensar (erros meus, má fortuna...) sobre o custo daquilo e sobre quem estará a financiar a obra. Ocorreu-me, sabe-se lá porquê, que às tantas era eu mesmo que estava a financiar aquilo!... Fui à procura e descobri que sim, que eu, tu, e muitos outros como nós, andamos a financiar a construção da mega-picadora em betão armado.

"Este projecto, da autoria do Arq. Luís Pedro Silva, com um investimento global na ordem dos 49 milhões de euros, foi financiado pelo Programa Operacional Regional do Norte 2007/2013, no âmbito da Acção Específica de Valorização da Economia do Mar, do Eixo Prioritário II – Valorização Económica de Recursos Específicos, Convite Público para apresentação de Candidaturas – Mar/TC/PCT/1/2009.", conforme se pode ler nesta página do "Porto de Leixões".

Cerca de 50 milhões de euros então, direitinhos dos nossos bolsos e de outros contribuintes da União Europeia. É discutível se precisamos de investimentos deste tipo para podermos viver melhor, se o betão nos torna mais felizes, se os grandes navios a cruzarem os oceanos nos fazem mais saudáveis... O que me parece menos discutível é que no nosso país de hoje em dia obras deste tipo totalmente financiadas com dinheiro dos contribuintes são verdadeiros estandartes das prioridades políticas assumidas pelo nosso governo.

Num país onde falta dinheiro nos hospitais, nas estradas, nas escolas, nas bibliotecas, nas infraestruturas desportivas, nos tribunais, no apoio aos desempregados, aos pensionistas e a sei lá quantas mais pessoas e sei lá quantas mais coisas, num país onde falta tanta coisa essencial, gastam-se milhões e milhões de euros em terminais de luxo para turistas endinheirados?...

Mas há outro aspecto igualmente chocante neste tipo de opções sobre os gastos do dinheiro que é público: é que sistematicamente financiam-se negócios que têm obrigação de ser rentáveis por sua própria conta! É caso para perguntar: o que é que o nosso governo está a fazer?...

Alguns argumentarão que o porto de Leixões é gerido por uma entidade pública e portanto o dinheiro público aí investido irá gerar receitas que também serão públicas. Isto é acreditar que o porto de Leixões irá gerar superavits nos próximos anos que poderão então ser utilizados na protecção social e outras coisas mais prioritárias. Por outras palavras, é acreditar no pai natal!

Não só isso não vai acontecer, como já se está mesmo a ver que a construção irá ser adjudicada à empresa privada tal e tal, depois aquilo irá ser concessionado por 20 anos à empresa privada tal e coiso, para trabalhar em parceria com dezenas de empresas de turismo e restaurantes e bancos e sabe lá mais o quê privado.

Todos os homens de negócios salivam quando há dinheiros públicos a distribuir para o incentivo a isto ou àquilo...


Há menos de meia dúzia de dias o governo anunciou (antigamente tinham vergonha, agora publicitam... é a vantagem de ter uma população bem instruída...) que ia gastar 185 milhões de euros em projectos de 12 empresas para a criação de 401 novos postos de trabalho. Mas reparem como a notícia é transmitida: é o governo que põe o dinheiro, mas são as empresas, em letras garrafais, que investem!... Genial!... Limpeza cerebral em acção!...

E porque é que o governo vai gastar 460 mil euros em cada posto de trabalho dessas 12 empresas?... Reparem que se me dessem a mim 460 mil euros para criar o meu posto de trabalho, eu tinha a vida garantida até à reforma!... O governo vai fazer isso porque, coitadinhas das empresas, elas precisam do apoio do Estado, sem o qual nunca conseguiriam criar os benditos "postos de trabalho"...

Se fosse a mercearia da esquina do Sr. Zé, aí não era preciso qualquer apoio, bem pelo contrário, porque toda a gente sabe que a mercearia do Sr. Zé um potentado económico! Mas como é a coitadinha da Portucel, a pobrezinha da Metal Rolo, SGPS, a indigente Zhejiang Huadong Aço Group, da China, a Sodecia, a Borgwarner Emission e outras que tais, é evidente que o apoio dos contribuintes esfaimados é fundamental!

Mas isso é ainda muito pouco. Que dizer da coitadinha da Autoeuropa? Essa precisa de 677 milhões de euros para criar 500 postos de trabalho. Isso dá para pagar 1000 euros por mês a cada trabalhador durante 112 anos!...

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