sábado, 14 de fevereiro de 2015

A alegoria do frango assado (6/6)...

(capítulo1)

Capítulo 6


Fulaninho não teve alternativa. Acabou de comer e abandonou o palácio. As palavras do conselheiro deixaram-no pensativo. Afinal também havia nelas alguma verdade, pensava... E assim caminhou pelos caminhos da 'terra de sabe-se lá onde'.

Foi só quando o sol se pôs que Fulaninho caiu em si. 'Mas... eu não tenho casa! Não tenho para onde ir. Não tenho onde dormir. E o que é que vou comer?' - pensou. Pôs as mãos aos bolsos e agarrou as duas moedas que sabia que ainda tinha... Não, não podia desistir assim tão facilmente.

Passou os próximos dias a pensar e repensar na sua conversa com os conselheiros. Passou todo esse tempo a ganhar coragem para ir novamente ao palácio contar-lhes a sua versão.

Fulaninho não desistiu e conseguiu de novo uma audiência no palácio real. Veio de lá ainda a lamber os beiços do frango que comera e a pensar no que lhe haviam dito. Mas não estava satisfeito. E foi apenas uma questão de tempo até lá regressar de novo.

Os meses passaram-se. Tantas vezes foi Fulaninho ao palácio que já o porteiro o conhecia, já os conselheiros o aguardavam e ele já sentia falta do frango assado quando não o tinha. Os conselheiros compreenderam a situação de Fulaninho. E mais: viram a sua inteligência. Resolveram apoiá-lo. Deram-lhe trabalho no palácio. Marcaram com ele conversas semanais. Pouco depois atribuíram-lhe uma cela.

O tempo passou. E em Fulaninho as sensações de frio e de fome eram agora nada mais do que memórias cada vez mais longínquas e às quais ele não queria regressar. Fulaninho compreendia agora melhor do que nunca o valor dos sapatos, dos copos, dos pratos, dos garfos (uma invenção recente), das carruagens, das moedas. Aos poucos compreendeu o verdadeiro significado do IB. Afinal o IB era um indicador da 'verdadeira economia' (termo também recentemente inventado pelo CEES), daquilo que realmente interessava na vida. A 'verdadeira economia' não estava errada. Quem estava errado era quem dela não fazia parte. O que Fulaninho agora não compreendia era como as pessoas insistiam em não fazer parte da 'verdadeira economia' apesar de tantas e tantas vezes o seu rei lhes estender a mão através das suas medidas.

A inteligência de Fulaninho abriu caminhos novos na corte do rei. Dez anos depois Fulaninho era dos conselheiros mais respeitados. Nessa tarde a reunião era sobre a agora denominada 'economia paralela' (que, segundo o CEES, se opunha à 'verdadeira economia'). Fulaninho fez furor entre os seus colegas defendendo que não se podem manter as regalias 'àqueles que não querem trabalhar'. Com base no seu raciocínio Fulaninho avançou a sua proposta: os inquilinos dos senhores feudais que não apresentem ao longo do ano sinais evidentes de 'produtividade' (uma coisa nova) ficarão sujeitos à expulsão da 'terra de sabe-se lá onde'. A sua proposta foi aprovada por unanimidade.

Fulaninho comeu frango assado e bebeu vinho com os seus colegas. Já o sol se punha quando regressou à cela satisfeito com a sua jornada. O céu estava vermelho para o poente... Não muito longe dali, a mãe de Fulaninho, rugas na testa, mãos calejadas, lenço na cabeça, frio nos pés, seca, velha, cansada, pôde finalmente largar a sua enxada e regressar a casa. Desde que o marido tinha morrido era apenas ela que trabalhava a terra. Já não havia tanto para fazer em casa...

(fim)

(A versão original continha um corolário, mas sinceramente penso que a história não necessita dele. Cada um dá importância ao que quer.)

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