(no Ilhéu das Cabras)
"E se soubermos ver nos sonhos o processo
os passos para trás não são um retrocesso."
José Mário Branco, in A Noite
Progressão
Locomoção flutuante
ondulante
vagarosa.
Persistente
rotação repetente
articulação pendente
ou içada
alternadamente.
Vou.
Voo.
Fluo como flui o mundo
à minha volta:
ordenadamente, uma
componente cíclica
e outra única
rectilínea,
em frente.
Respiro.
Sustenho.
Insisto.
Vou e venho,
vou e venho...
Pairo
sobre um chão inundado
que lá no fundo sustenta
um oceano
profundo e pesado...
E que nem por isso
parece cansado!
Vermes do fogo vagueiam
pelos pepinos do mar.
Poliquetas esvoaçantes filtram
o que apanham no ar.
Sargos, peixes-porco, salmonetes,
alfaces, águas-vivas, rabanetes,
todos dançando abrem alas
para me deixar passar.
Insistente
rodo lentamente
o membro de trás
e retraio
o membro da frente.
Respiro.
Sustenho.
Insisto.
Vou e venho,
vou e venho...
Mas eis que estaco!
O fluxo sempre no braço
o movimento através do espaço
os fluidos
os sais
o calor
a troca
o mar
este longo abraço...
São novos os peixes
as algas, os corais,
mas lá no fundo
aquele chão
não mudou mais.
Percebo então
a onda
que se faz anunciar:
antes de levar atrai
atrasa ou faz parar.
A tal etapa que complementa
o movimento pendular.
Respiro.
Sustenho.
Insisto.
E apenas venho...
Há anos que ando nisto,
pairando este mesmo mar
sempre o mesmo fundo
o mesmo braço a rodar,
e a onda que se anuncia
e este anseio infecundo
de voltar a voar...
Deve ser gigantesca!...
E quando vier
não faço ideia
para onde me irá levar!
AWF, Angra do Heroísmo, 24 de Setembro de 2016