segunda-feira, 18 de abril de 2011

L Princepico...




Assisti na passada sexta a uma (pelos vistos houve mais) cerimónia de lançamento do famigerado livro de Antoine de Saint-Exupéry, mas desta vez em mirandês!

Cerimónias de lançamento ou inauguração do que quer que seja costumam ser eventos a evitar a todo o custo: não se passa lá mais nada do que um espectáculo de vaidades alantejouladas ao brilho dos disparos das máquinas fotográficas. Mas a história do principezinho e os seus significados (que não são tão ambíguos ou escondidos quanto isso) são coisas de que eu tento não me esquecer nos dias em que estou vivo. O mirandês, por outro lado, é uma língua que não conheço (tanto quanto é possível a um português não o conhecer...), mas que tenho ao longo dos anos aprendido a valorizar. E, portanto, juntando uma coisa à outra, decidi que ia arriscar...

Eram quatro os oradores na mesa. A primeira intervenção, se não estou em erro de uma representante da editora, trouxe os salamaleques da praxe. E eu a pensar "ai, ai... no que me vim meter...". Isto depois de ter estado mais de meia hora à espera, desde a hora marcado, sentado numa das cadeiras da sala, quase às moscas, e de ter assistido à chegada do cortejo - oradores, convidados, jornalistas, tudo numa azáfama de gente importante que faz coisas importantes - que rapidamente encheu a sala. Encheu mesmo a sala... Pensei "que bom, tanta gente interessada nisto!...".

A segunda intervenção foi do Pedro Granger, o palhaço de serviço. Palhaço no bom sentido, porque claramente era a cara conhecida do evento, e além disso forneceu (emprestou, como fez questão de salientar) a sua colecção de traduções do livro e outros penduricalhos com ele relacionados. Uma das traduções era esta, para a linguagem T9, que pelos vistos é utilizada nos telemóveis... Uma brincadeira!...


É uma colecção interessante, mas perfeitamente dispensável. "O essencial é invisível aos olhos", como diria o próprio Exupéry...

Palhaço também no mau sentido. Com o ego cheio e a voz colocada como quem domina a situação, o menino fisionomicamente assemelhado ao principezinho, tratou de explicar como os pais e os amigos o ajudaram a juntar tantos penduricalhos, e como já faz reuniões com a mãe para decidir onde colocar tanta coisa. Sobre o conteúdo do livro, nada. Sobre o mirandês, disse que é um dialecto muito giro...

Não se pode exigir a todas as pessoas (ou talvez se possa, não sei) que saibam que o mirandês não é um dialecto, mas sim a segunda língua oficial de Portugal. Mas quando se é o palhaço de serviço numa cerimónia de lançamento de um livro em mirandês, talvez fosse de bom tom fazer o trabalho de casa antes de abrir a boca para dizer disparates!... Mas o pior estava para vir...

Falou então a Ana Afonso, tradutora da obra para mirandês. Finalmente a coisa começou a ganhar interesse, porque o seu discurso foi em mirandês e sobre mirandês. E por fim interveio o Domingos Raposo, que teve na tradução o papel de consultor, justiça feita ao conhecimento superior que tem em matérias da língua mirandesa (e não apenas). E então comecei verdadeiramente a gostar.

Um discurso apoiado num texto preparado, mas que serviu de base apenas para o que a alma e o momento exigiam. Pausadamente, sempre em mirandês, falou-nos da origem das palavras, das diferenças entre o mirandês e o português, do acordo ortográfico para a língua mirandesa e das variantes que ele permite, das opções que foram feitas na tradução desta obra, incluindo algumas que a seu ver são erradas (pelos vistos o editor não lhe deu oportunidade de efectuar uma revisão final da tradução).

Falou então da obra e do seu conteúdo. E ao mesmo tempo que eu me ia entusiasmando, o público começava a dar sinais de cansaço. Bem visíveis, no entanto, eram as tentativas que o Pedro Granger, palhaço de serviço, começou a fazer para interromper o discurso do Domingos Raposo: assim que este fazia uma pausa para pensar o palhaço acrescentava "mas já tivemos aqui uma grande lição, não é preciso..."; assim que alguma frase proferida tivesse um conteúdo mais sonante, logo ele batia palmas sonantes, a que todo o público aderia, num claro "ok, pá, já chega dessas coisas, vamos mas é embora que temos mais que fazer"...

O Pedro acabou por revelar que tinha pressa para ir fazer "gravações" noutro sítio. Simpático, não é?... E para a maioria das pessoas será até compreensível... afinal as vidas agitadas do século XXI assim o exigem, não é?... E o palhaço de pé a bater palmas, com um sorriso de plástico, e o Domingos de dedo no ar a tentar completar o seu discurso... E quando referiu que a raposa representava os oprimidos é que foram elas... O público num sururu, cada um a falar com o parceiro do lado, mensagens em telemóveis, coisas do género, mas tudo com muito glamour!...

Pensei que aquela gente também estava com pressa. E estava: logo que a cerimónia acabou (que alívio devem ter sentido por não terem de ouvir mais falar de raposas e oprimidos... ainda para mais em mirandês) todos se levantaram e... ficaram a falar uns com os outros, ou foram atacar o vinho do porto e as bolachas!

Não deixando que gente tão básica desviasse a minha atenção do fundamental, dirigi-me ao Domingos para lhe dizer quanto tinha gostado da sua intervenção, da pena que tive de não o poder ouvir em melhores condições, de como gostaria de poder ficar com uma cópia do texto que tinha preparado. A conversa arrancou bem e prometia. Os frutos, esses não puderam ser colhidos, porque entre mim e a árvore logo se encafuou uma horda de gente simpática de livros em riste:
- para o Manuel...
- para a Isabel...
- para o Afonso...

Nas cerimónias... faz-se cerimónia!

L Princepico continuará, apesar de tudo, a relembrar as pessoas das coisas essenciais.

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