quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A (in)evitabilidade do euro...



Eu não percebo nada de eurobonds. Mas vou deixar algumas opiniões sobre algumas questões levantadas.

Antes disso, porém, gostava de fazer uma ressalva importante:
não é preciso saber como funciona a bomba atómica para ser contra ela!

A primeira opinião é a de que a análise por países parece-me que não faz muito sentido. Quando se diz "a Alemanha quer" ou "a França obrigou" está-se a dizer o quê, concretamente? Porque por um lado a Alemanha não é um ser pensante e não tem vontades, e por outro os seres pensantes da Alemanha têm interesses muito diversos. Tal como aqui em Portugal ou noutro país qualquer do mundo.

Alternativamente, tudo se explica muito melhor e mais simplesmente se pensarmos que cada pessoa, enquanto agente económico, tem os seus próprios interesses que tenta defender. Isto não quer dizer que seja realmente assim (embora infelizmente me pareça que não anda longe disso) e muito menos quer dizer que isso me agrade. É apenas uma ferramenta de análise.

Vamos então utilizar essa ferramenta de análise para abordar o euro.

Imaginemos que estamos em 1995 na aldeia de Pitões das Júnias, no café Central, e de repente, no meio da cavaqueira, alguém se lembra de dizer "já sei! para resolvermos os nossos problemas e melhorarmos as nossas condições de vida vamos criar uma moeda única na Europa!". Será plausível?... Não me parece. E isto apesar de a aldeia estar na fronteira com Espanha...

Pondo as coisas de uma maneira simples (e é fundamental que consigamos ver as coisas de uma forma simples), o que muda com a existência de uma moeda única é que deixa de existir uma etapa nas trocas com o exterior, que é o câmbio, isto é, a troca de uma moeda por outra, ou a conversão do valor de algo expresso numa moeda para outra moeda. De cada vez que quiser ir comprar caramelos a Badajoz deixo de ter de trocar escudos por pesetas e posso ir lá comprar directamente com a minha/nossa moeda.

Essa etapa de câmbio é uma chatice para quem quer comprar ou vender coisas ao exterior. Por dois motivos. Por um lado, porque perde algum valor nas comissões de câmbio cobradas pelas agências de câmbio. Por outro lado, porque nunca sabe ao certo como é que vão estar os preços dos caramelos em Badajoz, uma vez que a taxa de câmbio pode flutuar, apesar de os preços das coisas permanecerem constantes em cada um dos dois países.

Mas a etapa de câmbio não é só chatices. Ela é positiva precisamente para as agências de câmbio, que assim fazem o seu negócio de compra e venda de moedas de diferentes países, e é também positiva para a prossecução das políticas económicas de um país. De facto, o governo ou outras instituições (supostamente públicas) de um país com moeda própria podem influenciar a flutuação da taxa de câmbio entre a sua moeda e as demais. Chama-se a essa capacidade a política cambial.

Há no senso comum um erro comum no que diz respeito a estas coisas do câmbio, que tem a ver com o associar uma moeda dita "forte" com uma moeda que vale muito relativamente às outras, e ainda acreditar que isso é uma coisa boa. Na verdade, tal como uma personalidade forte não quer dizer uma personalidade de alguém que é autoritário, mas sim uma personalidade que não muda com o tempo, também uma moeda forte não é uma moeda que vale muito relativamente às demais, mas sim uma moeda cujo câmbio com as demais não varia muito com o tempo. É forte, porque apesar de tudo o que possa acontecer na sua economia e nas economias do mundo, ela mantém a sua taxa de câmbio com as outras moedas. Finalmente, possuir uma moeda que vale muito relativamente às outras não é necessariamente bom, porque isso em si mesmo não significa absolutamente nada. Imaginemos que um libra vale duzentos escudos. Que é que isso interessa, se um litro de leite no país das libras custa uma libra e se o mesmo litro de leite no país dos escudos custa duzentos escudos? Nesse caso não interessa nada. Por isso mesmo a lira italiana ou o iene japonês sempre valeram tanto ou menos que o escudo português, e nem por isso esses países tiveram problemas com as suas moedas.

A política cambial é um instrumento que permite alterar a taxa de câmbio da "nossa" moeda face às demais moedas. O que é que acontece se a nossa moeda se valorizar face às demais? Bom, nesse caso aquilo que compramos ao exterior (importações) torna-se mais barato e aquilo que vendemos ao exterior (exportações) torna-se mais caro. Isso pode ser bom ou mau, depende das perspectivas de cada um. E o que é que acontece se a nossa moeda se desvalorizar? Acontece o inverso. E novamente isso pode ser bom ou mau, dependendo das perspectivas de cada um. Por exemplo: o aumento do preço das importações pode ser mau para o consumidor que vai ao supermercado comprar produtos importados, mas pode ser bom para o produtor nacional que vê a sua produção ficar relativamente mais barata e mais apelativa aos consumidores.

Dê por onde der, a política cambial é um instrumento ao dispor das autoridades de um país. E com uma moeda única, esse instrumento desaparece.

Mas com o desaparecimento das moedas nacionais não desaparece apenas a política cambial, isto é, de influência da evolução das taxas de câmbio. Também a política monetária, isto é, de emissão de mais ou menos moeda, deixa de ser possível. Porquê? Bom, imaginemos que estávamos todos no euro e que Portugal continuava a poder emitir moeda. Nesse caso, as autoridades portuguesas rapidamente resolveriam os problemas da sua dívida (bastaria emitirem moeda nova para pagar as dívidas), mas o excesso de moeda que potencialmente se geraria iria inundar todos os países que tivessem aderido ao euro (precisamente porque a moeda era a mesma em todos esses países) e a consequente inflação que esse excesso de moeda criaria iria diluir-se por todos os países. Se assim fosse, todos os países, cada um por sua conta, teriam um incentivo para emitir moeda desenfreadamente.

Para impedir isso a política monetária tem de ser centralizada. Isto é, só pode existir uma política monetária para cada moeda. Moeda única implica política monetária única. E daí o aparecimento do Banco Central Europeu. (Note-se que o modo como a política monetária, enquanto instrumento de política económica, é utilizada é algo que não fica definido pela simples existência de um banco central único. O BCE podia ter uma política monetária diferente da que actualmente tem, não fosse o objectivo dessa política monetária ter sido definido logo de antemão: o controlo da inflação).

Portanto, a existência de uma moeda única, e neste caso a adesão ao euro, implica o desaparecimento de duas políticas económicas: a cambial e a monetária.

(Diga-se de passagem que já antes a nossa política alfandegária tinha sido parcialmente eliminada com a abolição de fronteiras através do tratado de Maastricht. Parcialmente, porque não podemos esquecer que a União Europeia continua a ter uma política alfandegária relativamente ao seu exterior.

Finalmente, e mais recentemente, assistimos a uma ingerência cada vez maior, com base na "dívida", na política orçamental dos diversos países (veja-se o caso da Grécia). A política orçamental diz respeito à angariação de fundos públicos e à sua aplicação e inclui, desse modo, a política fiscal.

Portanto, com muito jeitinho, alguém (quem?) conseguiu fazer com que os governos ficassem sem política cambial, monetária, alfandegária e orçamental. Conseguimos, basicamente, ficar com governos desprovidos de qualquer instrumento de política económica... Quem é que sempre desejou que as coisas fossem assim? Porquê?... Parece-me que não é difícil de ver...)

Sintetizando: o câmbio é mau porque implica perdas em comissões de câmbio e porque implica um risco para os negócios, e é bom porque dá mais um instrumento de política económica aos governos e cria empregos nas agências de câmbio.

As comissões de câmbio são más para quem quer cambiar uma moeda, mas boas para quem faz vida desse negócio. Em termos globais isto dá ela por ela e portanto não interessa falar mais disto.

Resta-nos então num prato da balança o risco cambial e no outro a política cambial. Agora, voltando ao nosso pressuposto de análise de que não são os países que decidem, porque os países não pensam, quais serão as posições dos diversos agentes económicos perante este dilema entre ter política cambial e risco cambial, ou não ter política cambial nem risco cambial?

Se pensarmos um pouco no assunto veremos que quem tem mais interesse em eliminar o risco cambial (e com ele a política cambial) são as pessoas que conduzem negócios em diversos países em simultâneo. Não são as pessoas de Pitões das Júnias, e provavelmente não seremos nós. São os do costume, os que puxam os cordelinhos da gente... os Belmiros e afins.

Mas, se assim é, porque é que alguns países ficaram fora do euro? Bom, a realidade é sempre muito mais complexa do que as nossas simplificações. A argumentação anterior é apenas um dos factores, e numa versão simplificada, que influencia a adesão ou não ao euro. Mas há outros, certamente muitos outros. Quem sabe, por exemplo, se a "qualidade da democracia" dos diversos países não influenciará também um pouco estas coisas?...

Resta saber o que aconteceria se saíssemos do euro. Novamente é bom não complicar muito as coisas. E para isso proponho que pensemos no caso extremo. Nesse caso extremo, a nossa moeda não seria aceite por nenhum agente económico de outros países, porque nenhum agente económico estaria interessado em comprar coisas no nosso país ou com a nossa moeda. Nesse caso, num primeiro momento, não poderíamos importar nada do exterior, porque não teríamos com que pagar. No entanto, nada impediria que continuássemos a exportar os produtos que já hoje exportamos, recebendo nas moedas dos outros países. Os agentes que assim fizessem ficariam então com divisas estrangeiras em sua posse, que poderiam então utilizar, num segundo momento, para importar coisas do exterior.

Este é um caso extremo que provavelmente nunca seria atingido. Seja como for, de uma forma simplificada, a saída do euro implicaria uma restrição às trocas com o exterior. Estas trocas não são apenas de produtos, mas também de capitais. Na medida em que os bancos nacionais tivessem necessidade de se financiar no exterior, talvez as taxas de juro internas aumentassem. Certamente, as dívidas que temos para com agentes económicos externos teriam de ser pagas em divisa estrangeira, provavelmente em euros. Isso seria muito difícil de conseguir, uma vez que os euros iriam escassear e/ou estar muito caros face à nova moeda. Isso seriam muito más notícias para os credores externos...

Seja como for, o que uma saída da moeda única iria pôr em evidência seria a nossa dependência do exterior. E isso, tal como a subida ou descida da taxa de câmbio, é bom ou mau dependendo das perspectivas de cada um. Por um lado, todos os produtos ficariam mais caros. Por outro, haveria um incentivo muito grande (ao contrário do que aconteceu nas últimas décadas) ao aumento da produção nacional de todo o tipo de coisas, a começar pela agricultura, pescas e indústrias extractivas.

Por último, sair do euro teria o efeito contrário à entrada do euro para aqueles que tanto quiseram esta moeda única: aumentaria a dificuldade em fazer negócio a nível internacional.

E fica por aqui o meu contributo.

Sem comentários:

Enviar um comentário