quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A insustentável hipocrisia do ser...

A página da Intranet deste sítio onde dizem que não trabalho, que em vez disso aprendo muito, e ainda tenho a sorte de me pagarem para isso, portanto bico calado... a página da Intranet tem sempre a abrir um conjunto de notícias que alguém selecciona para divulgação. E o aspecto que hoje isso tinha era o que está na imagem.


Ora, portanto, e indo de baixo para cima, tínhamos uma notícia com um pedido de colaboração para uma série da RTP2 que tem um nome que deve sair do novo Acordo Ortográfico: workshop. Será um programa que abordará o tema da entrada dos jovens no mercado de trabalho. Mas não é a entrada de todos os jovens. Nem sequer, parece-me, dos jovens normais. Ele irá centrar-se nos jovens que têm "uma visão positiva da vida, não desanimando perante as dificuldades".

Se eu estivesse com vontade de brincar, diria que este programa se irá centrar nas experiências de jovens lunáticos. Mas como a situação está pouco para brincadeiras, eu afirmo que este programa põe em evidência o processo a que o Vicente Romano chamou uma vez de formação de mentalidades submissas. Os grandes fazendeiros de almas atarantadas (quem são?) utilizam o governo, que utiliza os canais de rádio e televisão públicos para criar nas pessoas a ilusão de que com um espírito positivo tudo se resolve.

Bom, num aspecto isso é mais do que uma simples ilusão: é que se todos continuarmos animados, apesar de tudo o que nos façam ou possam vir a fazer, os grandes fazendeiros vão ficar com os problemas resolvidos - disso não tenho dúvidas! De resto, sobre os efeitos que um escravo feliz pode ter na alteração da sua própria situação, da situação dos outros, da escravatura em geral, deixo isso à vossa consideração. Deixo o mundo em que vivemos e a forma como ele funciona à vossa consideração.

Logo de seguida temos um aviso de abertura de concurso para atribuição de uma bolsa de iniciação à experimentação. Ora muito bem. O LNEC não funciona sem bolseiros. E no entanto, legalmente, os bolseiros não são considerados trabalhadores. Há aqui uma clara ilegalidade... mas adiante. Os dirigentes do LNEC consideram que os bolseiros são formandos... assim uma espécie de alunos. E como os dirigentes sabem que as pessoas são muito burras, e que os trabalhos do LNEC são muito exigentes, trataram logo de criar uma carreira de bolseiro, uma longa carreira, onde os formandos podem ficar uma boa década a aprender tudo aquilo que na escola não se ensina. Depois disso, conforme o presidente do LNEC teve oportunidade de informar há dias, e pessoalmente, os bolseiros irão "aplicar os conhecimentos adquiridos noutras actividades", isto é, irão para o olho da rua.

Resumindo, os bolseiros são trabalhadores precários muito em conta para quem quer ficar com os louros sem ter de se mexer muito. Neste caso, o bolseiro de iniciação à experimentação irá ter a sorte de usufruir de uma avultada bolsa de 580 euros mensais. Uma maravilha.

Saltando por cima do "1º Congresso Internacional" do azulejo (um congresso p'ra ti, um congresso p'ra mim... e os croquetes a sair!) vamos directos à notícia do "AcquaLiveExpo", mais um evento marcadamente português. Este evento começa com a "Grande Conferência da Água" que irá abordar o tema da internacionalização do sector da água. Negócios, portanto. Onde está "Água, Resíduos e Ambiente" leia-se por favor "Negócios, Negócios e Negócios".

Depois, em cima dessa notícia, ficamos a saber que se irá realizar uma "ação" de formação em Marketing. Também deve ser uma coisa portuguesa. A análise das diferentes definições de Marketing que aparecem na Internet é uma verdadeira comédia! Comédia infelizmente também um pouco trágica, pelos resultados que acarreta, pelo modo como contribui para a nossa sociedade de macacos consumidores. Vejamos algumas definições:
  • "marketing é a actividade humana dirigida para a satisfação das necessidades, vontades e desejos através de processos de troca" - desta definição resulta, por exemplo, que todos os trabalhadores são técnicos de marketing e que dizer "ó mãe, dá-me um chupa-chupa" é uma acção de marketing;
  • "A natureza do Marketing não é servir o cliente. É avançar, cercar e vencer a concorrência. é estar em guerra onde ela é o inimigo e o consumidor é o terreno a conquistar" - esta definição... bom... saiu mal a quem a proferiu! :)
  • "O marketing é o processo de pesquisa de mercado, identificação de necessidades e oportunidades, promoção, venda e distribuição de bens ou serviços. O marketing tem por objectivo a criação de valor para os consumidores." - esta diz-nos que o marketing é toda a economia, à excepção de tudo o que seja produção! É brilhante! O objectivo é criar valor, mas de preferência sem produzir!...
  • etc.

Marketing é, na minha própria definição, o estudo do que nos pode permitir fazer dinheiro através da exploração da irracionalidade dos agentes económicos. É, sem dúvida, algo com uma beleza imensa.

E assim, finalmente, acabamos com a solidariedade.

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