Ver aqui.
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
Piegas...
Mais uma música que tive a oportunidade de ouvir no passado dia 13, na "manifestação cultural" que nos deu um verdadeiro desfile de bons artistas na Praça de Espanha em Lisboa. Desta vez uma banda que desconhecia, chamada Bandex, cujo estilo acho curioso, embora não mais do que isso, mas cuja mensagem apoio inteiramente, com um sorriso nos lábios!
Entretanto, num muro de Lisboa, perto das Amoreiras:
E perto da estação de Entrecampos:
(os mais púdicos que me perdoem não ter censurado a palavra feia...)
Entretanto, num muro de Lisboa, perto das Amoreiras:
(a lei do mais forte)
E perto da estação de Entrecampos:
(os mais púdicos que me perdoem não ter censurado a palavra feia...)
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Estorninhos e a especialização na ciência...
Tenho a sorte de trabalhar num sítio que ainda tem algumas árvores no seu entorno. Ontem, ao sair da cantina, reparei no canto de um grupo de aves no topo de umas árvores. Parei e disse "ouçam!... estão a ouvir?... são estorninhos!... repara como o canto deles parece o som das armas de laser de um filme de ficção científica!...". Na verdade a frase não é minha, mas de uma amiga.
Perguntou-me então um amigo que me acompanhava "porque é que não foste para biologia?".
Isto de "ir para" uma qualquer área do saber... e ficar lá... Porque é que eu havia de "ir para biologia"? Porque conheço algumas poucas coisas sobre esse assunto?... Mas eu conheço porque gosto. É o gosto que nos faz, sem esforço, ficar a saber mais sobre as coisas de que gostamos. Mas eu não gosto apenas de assuntos da biologia. Também gosto de assuntos de história, de arqueologia, de física, de química, de música, de arquitectura, de tudo e mais alguma coisa. O que fazer então?... Claramente, "ir para" essas coisas todas!
É o que tento fazer.
Mas é difícil. Muito difícil. Já bastaria o facto de o conhecimento que a humanidade foi acumulando ser já demasiado para uma pessoa só o conseguir abarcar. Mas querer saber acerca de uma grande quantidade de temas não implica a obrigatoriedade de se saber tudo sobre cada tema. Portanto com esse constrangimento, de nunca poder saber tudo, podemos nós bem. O que torna o processo muito difícil não é isso, mas antes o modo como toda a sociedade se organiza no sentido de criar especialistas.
A especialização das pessoas em regiões muito limitadas do saber permite o avanço da ciência, do conhecimento e dos resultados da aplicação desse conhecimento, num mundo em que esse conhecimento é cada vez maior e que, portanto, tem uma complexidade crescente. Mas, como em tantos outros casos, a especialização não resulta apenas em benefícios para a sociedade e para o nosso pequeno mundo.
Sem querer fazer uma análise exaustiva de todos os malefícios que resultam da especialização do conhecimento e da actividade das pessoas, refiro apenas dois que me parecem muito importantes. A especialização, como já outros disseram, faz-nos saber cada vez mais de cada vez menos. E isso retira às pessoas a capacidade de ver a floresta, tão atentos que estão não apenas nas árvores, mas num qualquer tipo de células que uma determinada árvore possui. E a incapacidade de abarcar as questões na globalidade das suas causas e consequências pode ter, e em geral tem, resultados catastróficos. Como costumo dizer, o nosso planeta é uma grande nave espacial onde cada um sabe muito bem o que deve fazer para que um determinado aspecto da máquina funcione na perfeição, e há muita gente que é mesmo muito boa nisso, mas onde muito poucos se detêm para pensar no rumo que a nave leva.
Por outro lado, levando-nos a saber cada vez mais de cada vez menos, a especialização constrói barreiras artificiais entre as pessoas. Não só nos atrofia a capacidade de sermos empáticos, de compreendermos o outro e de nos pormos na sua pele, mas dificulta todo o processo de comunicação entre as pessoas, uma vez que as põe a falar linguagens diferentes com recurso a sistemas de codificação e descodificação também diferentes.
A ciência dos especialistas é uma torre de Babel.
Finalmente, para terminar esta história, adicionemos o último ingrediente: o propósito. A actividade científica permite-nos aperfeiçoar e aumentar o nosso conhecimento. Além disso, para quem a executa por gosto, dá um prazer imenso! Mas será mesmo necessária?...
A ciência, como todas as outras coisas, pode revelar-se muito necessária num determinado contexto, mas muito menos necessária noutro contexto. A sua necessidade não é absoluta. Pelo contrário, é ditada, como todas as coisas, pelo seu propósito.
No início do século XXI temos uma conjugação de factores que torna, a meu ver, a actividade científica muito menos pertinente do que foi outrora. Por um lado possuímos um manancial de conhecimento colossal, por outro lado possuímos aplicações desse conhecimento na melhoria das nossas condições de vida que ameaçam soterrar-nos em máquinas de lavar e telemóveis. Mas ao mesmo tempo temos uma desigualdade na repartição desse conhecimento pelos ocupantes do planeta como nunca antes existiu, e continuamos a ter problemas por resolver, dos mais diversos tipos e nas mais diversas regiões do planeta.
Há muitas pessoas que colocam a questão de saber se a fé e a ciência estão ou não relacionados e são ou não compatíveis. Rios de tinta já foram escritos sobre este assunto. O que nem todos parecem ter reparado é que muitas pessoas têm fé na ciência, tal e qual.
Existe então uma fé no modo como o avanço da ciência irá permitir resolver os problemas que ainda hoje afligem a humanidade. No entanto, uma observação mais atenta permitiria perceber que quase todos os problemas que ainda hoje nos afligem já antes foram resolvidos em algum local do planeta ou momento da história. Ou seja, não é a falta de conhecimento que nos impede de resolver esses problemas, antes é a falta de cooperação entre as pessoas, a falta de disseminação do conhecimento já existente e a iníqua distribuição de recursos entre todos.
Só um aparte para dizer que o problema do aumento da longevidade, um dos problemas da humanidade na área da saúde, não é um problema, porque não tem e nunca terá solução.
Vejamos um exemplo. Fala-se muito, neste início do século XXI, no "problema energético". Este "problema energético" pode traduzir-se do seguinte modo: como é que a humanidade vai conseguir, de forma sustentável, satisfazer as suas necessidades crescentes de consumo de energia. Acredita-se então que este é um bom exemplo de um tema em que devemos investir recursos na actividade científica, repleta de especialistas, para encontrar o santo graal do sector energético: uma fonte limpa e inesgotável de energia.
O advento dos aerogeradores parece corresponder um pouco a esta ideia do santo graal da energia. No entanto, isso seria esquecer que a energia do vento e a energia da água já são utilizados há milénios pela humanidade em todo o mundo. E essas são fontes limpas e inesgotáveis de energia. Onde está então o problema?... O problema está na potência requerida. O que se exige da ciência é que encontre uma fonte que não só seja limpa e inesgotável, mas também que forneça energia com potências crescentes, que acompanhem o aumento das necessidades energéticas da população.
Ora, quando os pressupostos de análise consideram crescimentos infindáveis da população humana no planeta e das necessidades energéticas de cada pessoa, não existe ciência que nos valha. Acreditar que a ciência nos pode valer na resolução de problemas que são logicamente impossíveis de resolver é não apenas uma questão de fé, mas também uma questão de estupidez.
O que nos basta então para que o famigerado "problema energético" seja resolvido é simplesmente que o aumento das necessidades energéticas estanque (ou no valor actual ou noutro qualquer, que pessoalmente preferiria inferior) e que o conhecimento e a tecnologia actualmente existentes sejam disseminados pelas pessoas. O que é necessário não é mais ciência, nem mais tecnologia, nem mais especialistas.
Todavia, é também claro que se insistirmos na ciência, na tecnologia e nos especialistas (e muitos irão fazê-lo, simplesmente porque isso lhes é economicamente vantajoso), iremos muito provavelmente encontrar outras fontes energéticas melhores que as actuais. Só que isso, em vez de resolver o "problema energético", apenas o adiará, à custa de contribuir para um mundo mais desigual, com barreiras cada vez maiores ao entendimento entre todos.
Alguns poderão ler neste discurso uma apologia ao obscurantismo. Nada mais falso. Eu sou um apologista veemente do método e do conhecimento científico. Sobretudo defendo que se todos fossem mais cientificamente letrados perceberiam que já existe o conhecimento suficiente para que todos possamos viver bem. E entre solucionar os problemas existentes com conhecimento que já possuímos ou solucionar os problemas existentes com conhecimento que acreditamos que venha a surgir, criando problemas novos no processo, parece-me que a nossa opção deve ser clara.
terça-feira, 16 de outubro de 2012
Hungria hoje...
(Os nossos amigos Durão Barroso e Viktor Orbán, numa UE acabadinha de ser laureada com o prémio Nobel da paz, certamente pela paz social que tem ajudado a instalar nos últimos tempos na Europa e no mundo. Já só faltam aqueles bigodinhos ridículos por baixo do nariz.)
Imagine um país da União Europeia, com dez milhões de habitantes, cansados da austeridade... É assim que começa este apontamento sobre o estado actual da Hungria.
Quantos de nós já usufruíram ou já ouviram falar das noites de Budapeste?... É tudo gente boa, certo?... Tal como nós, cá em Portugal. Também somos todos gente boa. Os maus são os outros: os ciganos, os pretos, os pobres... E é assim que se põem Salazares, Francos, Mussolinis e Hitleres no poder.
Num momento em que a crise económica se agrava, as pessoas estão cada vez mais preparadas para atribuir a culpa a tudo e todos excepto a si próprios. Desconfiam dos políticos, os primeiros culpados de tudo isto. E correm o risco de acreditar num novo déspota qualquer.
Ouçam com atenção este excerto áudio do programa “Visão Global” que foi para o ar na Antena 1 no passado domingo e atentem nas medidas que já foram e estão a ser tomadas na Hungria neste preciso momento. Quantos de nós não pensarão que a resolução para os problemas é por este mesmo caminho?...
Ouvir o programa Visão Global.
domingo, 14 de outubro de 2012
Cuidado com a casca da banana...
De Zeca Medeiros, muito pertinente nos tempos que correm, e que pude ouvir ontem, numa manifestação cultural ocorrida na Praça de Espanha, em Lisboa, e que juntou centenas de artistas de diversas áreas num protesto conjunto contra a política do Governo.
Epá cuidado com essa casca de banana
epá cuidado com essa casca de banana
olhos bem acesos a saber quem nos engana
epá cuidado com essa casca de banana
Epá cuidado, não te enganes, não te iludas
que esse beijo é de Judas
vem de lábios traiçoeiros
Toma atenção que já montaram a tenda
já puseram tudo à venda
pelos tais 30 dinheiros
Epá cuidado que há sempre um agiota
tentando fazer batota
com as tuas ilusões
tanta mentira, gargalhadas enlatadas
as cartas estão viciadas
no templo dos vendilhões
Epá cuidado! olha que aqui há tramóia [cantado tramoika no concerto de ontem]
olha o cavalo de Tróia [cantado cavalo de troika no concerto de ontem]
as espadas, os punhais
que há uns senhores que manipulam este jogo
varrem tudo a ferro e fogo
em sangrentos rituais
vieram todos, mercenários, bandoleiros
cortesãs e trapaçeiros
espiões e generais
já decretaram que na linguagem do terror
não há nome para a dor
falam de danos colaterais
É que vale tudo neste jogo tão cruel
do senhor Maquiavel
aprenderam a lição
Têm as mãos sujas de sangria e de veneno
cambalacho tão obsceno
ditadura do cifrão
Toma atenção à estratégia da aranha
neste vício, nesta manha
a gente entra e não sai
falinhas mansas prometendo maravilhas
estendendo armadilhas
a gente escorrega e cai
Epá cuidado com essa casca de banana!
Epá cuidado com essa casca de banana
epá cuidado com essa casca de banana
olhos bem acesos a saber quem nos engana
epá cuidado com essa casca de banana
Epá cuidado, não te enganes, não te iludas
que esse beijo é de Judas
vem de lábios traiçoeiros
Toma atenção que já montaram a tenda
já puseram tudo à venda
pelos tais 30 dinheiros
Epá cuidado que há sempre um agiota
tentando fazer batota
com as tuas ilusões
tanta mentira, gargalhadas enlatadas
as cartas estão viciadas
no templo dos vendilhões
Epá cuidado! olha que aqui há tramóia [cantado tramoika no concerto de ontem]
olha o cavalo de Tróia [cantado cavalo de troika no concerto de ontem]
as espadas, os punhais
que há uns senhores que manipulam este jogo
varrem tudo a ferro e fogo
em sangrentos rituais
vieram todos, mercenários, bandoleiros
cortesãs e trapaçeiros
espiões e generais
já decretaram que na linguagem do terror
não há nome para a dor
falam de danos colaterais
É que vale tudo neste jogo tão cruel
do senhor Maquiavel
aprenderam a lição
Têm as mãos sujas de sangria e de veneno
cambalacho tão obsceno
ditadura do cifrão
Toma atenção à estratégia da aranha
neste vício, nesta manha
a gente entra e não sai
falinhas mansas prometendo maravilhas
estendendo armadilhas
a gente escorrega e cai
Epá cuidado com essa casca de banana!
António Borges no sistema...
António Borges é um tipo militante do PSD e que faz, juntamente com o Governo e a Troika, coisinhas ao nosso país e a todos nós. Podem informar-se mais acerca deste personagem e da sua árvore genealógica aqui. Aliás, nesse mesmo artigo, poderão confirmar que o tipo defende a descida dos salários. Já no início do milénio o então presidente do Banco de Portugal, agora vice-presidente do Banco Central Europeu, Vítor Constâncio, tal como o economista Daniel Bessa e outros da mesma laia, tudo gente pobrezinha, defendia a descida nos salários como o caminho para um futuro melhor. Acham que é paradoxal?... Pensem melhor. Um futuro melhor para quem?...
Nesta entrevista de 20 e poucos minutos, feita já há mais de um ano, António Borges demonstra a sua felicidade por vivermos num mundo com um sistema financeiro como o actual. Se atentarem irão reparar como ele afirma que:
Os "hedge funds" são umas coisas esquisitas, que os senhores de gravata que dominam o mundo inventaram para fazer mais uns tostões. Se quiserem saber mais podem começar por aqui.
No final do artigo anterior, intitulado "a dívida para totós", eu referia que a ultrapassagem da nossa situação actual implicava a compreensão do buraco em que nos metemos e a alteração das regras do jogo. São regras como estas da livre circulação de capitais e dos negócios só para alguns e dos títulos esquisitos e coisas que tais que dão imenso dinheiro a alguns e deixam o resto do mundo inteiro no estado em que ele se encontra.
Tudo isto, dizem-nos, é feito para nosso bem. Durante quanto tempo mais vamos continuar a acreditar em quem nos engana?
Nesta entrevista de 20 e poucos minutos, feita já há mais de um ano, António Borges demonstra a sua felicidade por vivermos num mundo com um sistema financeiro como o actual. Se atentarem irão reparar como ele afirma que:
- os "mercados" e os "investidores" são soberanos
- a livre circulação de capitais é inevitável e é preciso tratar bem os investidores para que eles não fujam
- a economia da Europa não apresenta uma tendência decrescente
- é impossível viver sem seguros
- os serviços financeiros actualmente existentes prestam serviços à comunidade extremamente valiosos
- a moralidade não existe no funcionamento dos mercados, e assim é que está bem
- a transparência é uma coisa má e o segredo é fundamental para que os mercados funcionem
- o acesso à informação e aos activos financeiros está limitado aos grandes operadores, e assim é que está bem
Os "hedge funds" são umas coisas esquisitas, que os senhores de gravata que dominam o mundo inventaram para fazer mais uns tostões. Se quiserem saber mais podem começar por aqui.
No final do artigo anterior, intitulado "a dívida para totós", eu referia que a ultrapassagem da nossa situação actual implicava a compreensão do buraco em que nos metemos e a alteração das regras do jogo. São regras como estas da livre circulação de capitais e dos negócios só para alguns e dos títulos esquisitos e coisas que tais que dão imenso dinheiro a alguns e deixam o resto do mundo inteiro no estado em que ele se encontra.
Tudo isto, dizem-nos, é feito para nosso bem. Durante quanto tempo mais vamos continuar a acreditar em quem nos engana?
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
A dívida para totós...
Conteúdo
Parte I - Conceitos fundamentais (e uma sugestão de como chegámos até aqui)
Parte II - O que o futuro nos reserva
Os mandamentos dos governantes
Perspectivas de resolução do problema da dívida com a receita do Governo
A outra forma de resolver o problema
Anexo: modelo matemático
Ficheiro PDF
Folha de cálculo
Parte I - Conceitos fundamentais (e uma sugestão de como chegámos até aqui)
O Produto Interno Bruto, ou PIB, é, de uma forma simples, a soma do valor de mercado de todos os bens e serviços produzidos num país durante um ano. Podemos imaginar o PIB como o bolo que as pessoas de um país produzem durante um ano. Esse bolo não é tudo o que existe para ser comido durante esse ano, uma vez que o país pode ter alimento armazenado de outros anos ou pode pedir emprestado bolo ao vizinho. No entanto o PIB dá-nos uma boa ideia do que deveríamos estar a consumir na economia durante o ano.
O Estado administra os bens e serviços públicos, e para essa administração necessita de dinheiro. Parte desse dinheiro pode ser obtido por receitas próprias (através de taxas, por exemplo) ou pode ser cobrado aos agentes económicos privados (pessoas e empresas) através de impostos. Os impostos que o Estado cobra correspondem a uma fatia do bolo que é retirada para ser utilizada noutros fins.
Não é correcto imaginar que o Estado retira a sua fatia do bolo e que portanto sobra menos bolo para todos se alimentarem. Se isso acontece ou não, depende da forma como o Estado gasta essa fatia de bolo: se ele a gastar em subsídios de desemprego, por exemplo, ele estará a devolver essa fatia aos agentes privados. A questão é que o Estado tira a uns e dá a outros, num processo que se chama redistribuição do rendimento. Nesse processo de redistribuição algumas pessoas podem ficar a perder (se pagam mais do que recebem) ou podem ficar a ganhar (se recebem mais do que pagam).
Durante os últimos anos o Estado português tem gasto mais bolo (dinheiro) do que aquele que retira ao PIB. Isso é possível porque o Estado português tem pedido bolo emprestado aos agentes privados portugueses e estrangeiros. Deve então levantar-se a questão de saber por que razão o Estado manteve durante muitos anos essa actividade de pedir dinheiro emprestado aos agentes privados, gastando mais dinheiro do que aquele que tinha disponível.
As despesas e as receitas do Governo (que é quem concentra o poder executivo do Estado) têm de ser previstas com antecedência e têm de ser aprovadas anualmente na Assembleia da República. O documento que contém essas previsões de receitas e despesas é o Orçamento de Estado (OE abreviadamente). A discussão e votação do OE na Assembleia da República ocorre anualmente entre os meses de Outubro e Novembro. Todos os OE são públicos e podem ser consultados livremente (por exemplo aqui).
É importante ter presente que os OE são diplomas que contêm as previsões das despesas e receitas do Estado, e não os valores que efectivamente se vieram a verificar. Se quisermos conhecer os valores efectivos devemos consultar a Conta Geral do Estado (para informações mais detalhadas ver aqui).
Se ao valor das receitas do OE subtrairmos o valor das suas despesas, o resultado é o saldo orçamental. Se o saldo orçamental for positivo (quando as receitas são maiores que as despesas) ele toma o nome de superavit; se for negativo (quando as despesas são maiores que as receitas) ele toma o nome de défice. Existe um défice orçamental, portanto, quando as despesas do Estado são maiores do que as suas receitas.
Mas, como é possível que o Estado gaste dinheiro que não tem? A resposta é simples: não é possível. Na verdade o Estado só gasta mais dinheiro porque o pede emprestado. Esse dinheiro que é pedido emprestado também é inscrito no OE no lado das receitas. O que não fica lá registado no OE é a dívida que o Estado assim contrai, isto é, o dinheiro que fica a dever. Este dinheiro que o Estado fica a dever é a dívida pública. Por outro lado, quando o Estado devolve o dinheiro que pediu emprestado, isso também é registado no OE como uma despesa. Nestas transacções financeiras em que se pede dinheiro emprestado (receitas financeiras) e depois se devolve (despesas financeiras) os agentes privados que emprestam ganham um dinheiro extra que é o juro. O juro da dívida é então o montante que o Estado tem de pagar aos agentes privados que lhe emprestam dinheiro, a troco desse empréstimo. O juro é um valor que acresce ao que se deve devolver. Portanto, quando o Estado devolve dinheiro, uma parte desse dinheiro pode corresponder à devolução do dinheiro emprestado (será então uma amortização e diminuirá o valor da dívida do Estado) e outra parte pode corresponder ao pagamento de juros (que não altera o valor da dívida do Estado).
O montante do juro é calculado através da multiplicação do montante em dívida por uma taxa: a taxa de juro. A dívida pública global é constituída por muitos empréstimos, cada um com as suas condições de pagamento, os seus prazos e as suas taxas de juro. É possível calcular uma taxa de juro média para toda a dívida pública fazendo uma média de todas as taxas de juro de todos os empréstimos, ponderadas pelos respectivos valores em dívida.
As transacções financeiras do Estado envolvem então o dinheiro que é pedido emprestado (receitas financeiras) e o dinheiro que é devolvido e os juros (despesas financeiras). Como esses montantes também são registados no OE, o saldo final do OE é sempre nulo, isto é, o montante global das receitas do Estado é sempre igual ao montante das despesas. É importante lembrar que no OE não fica registado o valor da dívida global do Estado aos agentes privados internos (do interior de Portugal) ou externos.
Porém, se retirarmos aos valores do OE tudo o que diz respeito a estas transacções financeiras, ficamos com as despesas e receitas que o Estado efectivamente teria caso não houvesse esta coisa de pedir dinheiro emprestado. Ao saldo entre essas receitas e essas despesas dá-se o nome de saldo primário. Novamente este saldo primário pode ser deficitário ou superavitário, conforme as despesas sejam superiores às receitas ou vice-versa, respectivamente.
Um saldo primário deficitário significa que o Estado está a gastar mais do que as suas receitas normais (não financeiras, isto é, sem a obtenção de empréstimos) permitiriam e que, portanto, o Estado terá de pedir mais dinheiro emprestado. Ora, ao pedir mais dinheiro emprestado o Estado estará a aumentar a dívida. Resumindo, se o saldo primário é deficitário, a dívida pública terá de aumentar.
Um saldo primário superavitário, por outro lado, significa que o Estado está a gastar menos do que as suas receitas não financeiras permitiriam. Nesse caso o Estado poderá utilizar esse dinheiro que sobra para amortizar a sua dívida. No entanto, isso nem sempre é possível. A questão é que para além das despesas e receitas consideradas no saldo primário, o Estado ainda tem de pagar os juros pelos empréstimos obtidos.
Vamos então considerar que o défice orçamental de um determinado ano é dado pela subtracção do valor do saldo primário desse ano ao juro que o Estado tem de pagar esse ano. Ou seja, se o Estado tem a pagar 100 de juros e o saldo primário é de 40 (superavitário, isto é, as receitas são maiores que as despesas), então o défice orçamental é de 100-40 = 60. Ou seja, os 40 que sobraram ao Estado servem para pagar juros, mas ainda assim são precisos mais 60. A única forma que o Estado tem de pagar esses 60 que faltam é pedi-los emprestados.
Imaginemos agora que num determinado ano o Estado tem de pagar 100 de juros e o saldo primário é de 180 (também superavitário, isto é, as despesas são superiores às receitas). Nesse caso o défice orçamental do ano é de 100-180 = -80. O sinal negativo indica-nos que o valor corresponde a um défice negativo, isto é, um superavit. Ou seja, neste caso o dinheiro que sobrou ao Estado (180) foi suficiente para pagar os juros todos e ainda sobrou. O valor que sobra serve então para amortizar (isto é, diminuir) o valor da dívida pública global.
Portanto, o valor da dívida pública global de um determinado ano é igual ao valor que a dívida pública já tinha no ano anterior, acrescido do valor do défice verificado nas contas do ano anterior.
O que os Governos de Portugal foram fazendo nas últimas décadas foi acumulando défices uns atrás dos outros, que foram aumentando o valor da dívida pública ano após ano. Porquê?...
É sempre muito importante fazer as perguntas correctas. E a pergunta correcta neste caso não é a de querer saber porque os Governos foram fazendo isso, mas sim porque não?
Os elementos do Governo são quem detém o poder executivo do Estado. Eles têm, portanto, o poder de decidir quanto, onde, como e com quem gastar o dinheiro e qual dinheiro. Nesse processo, eles são fiscalizados pelos tribunais, que são quem detém o poder judicial. Mas o poder judicial só pode exigir que se façam cumprir as leis. E as leis são feitas pela Assembleia da República e pelo Governo, que partilham entre si o poder legislativo. Ora, como os Governos passados quase sempre conseguiram o apoio da maioria dos deputados na Assembleia da República, os Governos quase sempre conseguiram aprovar leis que fossem da sua conveniência. E os tribunais, o máximo que podem fazer é verificar se depois o Governo cumpre essas leis ou não.
Imaginemos que o Governo quer fazer um empreendimento turístico numa zona de paisagem protegida onde legalmente isso não é possível. Nesse caso, o Governo trata primeiro de alterar a lei, para criar uma excepção para aquele caso, e depois já pode fazer o empreendimento turístico sem que os tribunais o possam acusar de qualquer ilegalidade.
Na sua actuação o Governo também é fiscalizado pelas pessoas, isto é, por todos nós. Todos nós devemos exigir que a actividade do Governo seja transparente, ou seja, que a actividade possa ser verificada por qualquer pessoa, que os documentos respectivos sejam facilmente acessíveis. É claro que há sempre uma forma ou outra de os elementos do Governo conseguirem evitar esta fiscalização. No entanto, se as pessoas todas estiverem atentas, e elas são sempre em número muito maior do que o número de pessoas que está no Governo, torna-se muito mais difícil ao Governo fazer grandes vigarices durante muito tempo.
Todavia, os défices públicos que se verificaram ano após ano ao longo das últimas décadas foram uma grande vigarice que foi levada a cabo durante muito tempo. Como é que as pessoas não fiscalizaram isso? Bom, porque as pessoas andaram a dormir. Andaram, e ainda andam... Todavia, o barco da nossa economia navega agora num mar tão agitado que alguns já começam a acordar, mesmo que contra a sua própria vontade.
E enquanto as pessoas dormiam refasteladas os elementos dos sucessivos Governos foram fazendo vigarices, legais e ilegais. Porque não haviam eles de fazer essas vigarices? Vejamos. Imaginemos que existem pessoas que têm muito dinheiro. As pessoas que têm muito dinheiro costumam ter vontade de querer ter ainda mais dinheiro. As que têm pouco dinheiro também querem ter mais dinheiro, só que não têm tanto poder como as que têm muito. Uma das coisas que é necessário para poder fazer mais dinheiro é ter leis convenientes. Imaginemos que eu quero fazer muito dinheiro emprestando o dinheiro que já tenho aos outros e cobrando juros sobre esses empréstimos. Se o Estado cobrar um imposto muito grande sobre os juros eu vou ter mais dificuldades em fazer dinheiro. Imaginemos que eu quero fazer uma fábrica de automóveis que venda bom e barato. Para isso vou precisar de contratar muitos trabalhadores. Se o Estado fixar um salário mínimo muito elevado eu vou ter de pagar muito aos trabalhadores e vai-se tornar mais difícil fazer muito dinheiro.
Portanto, é importante para quem tem muito dinheiro e quer fazer ainda mais, que o Governo e a Assembleia da República aprovem leis que lhes sejam favoráveis. Assim, quem tem muito dinheiro apoia determinadas pessoas (normalmente organizadas em partidos) para elas irem para o Governo e para a Assembleia da República. Esse apoio pode ser feito de muitas formas: através de financiamento dos partidos, através de promessas de emprego depois das pessoas saírem do Governo, etc. Quando essas pessoas chegam então ao Governo, elas têm todo o interesse em proteger os interesses das pessoas ricas que os apoiaram. Já vimos que uma das formas de fazerem isso é aprovarem leis que sejam favoráveis às pessoas ricas. Normalmente quem está no Governo não diz que essas leis são boas para as pessoas ricas, senão as pessoas que não são ricas, que ainda são a maioria delas, iam ficar zangadas. Em vez disso o Governo diz sempre que essas leis são boas para a economia. Assim as pessoas entendem que são boas para toda a gente...
Mas há muitas outras formas de o Governo apoiar os interesses de quem o apoia. Uma dessas formas é gastando dinheiro.
Imaginemos agora o seguinte cenário. Um político do Governo decide fazer uma série de grandes estádios de futebol. Para isso irá contratar, através de um concurso público desenhado de tal forma que só possa ter um resultado, uma empresa de uma pessoa com dinheiro que o apoiou no passado ou que o poderá vir a apoiar no futuro (por exemplo quando ele sair do Governo). Assim, o Governo desvia dinheiros públicos para uma empresa de um amigo. No final o público, que somos todos nós, cidadãos a dormir que não fiscalizam a actividade do Governo, só vê os estádios de futebol e fica felicíssimo, porque futebol é uma coisa de que muita gente gosta.
Mas, para realizar essas obras, o Governo precisa dos tais dinheiros públicos. Ele poderia cobrar mais impostos e assim obter as receitas extraordinárias que iriam cobrir as despesas extraordinárias. Mas mais impostos iriam deixar as pessoas, ricas ou pobres, mais insatisfeitas. Em vez disso o Governo decide pedir dinheiro emprestado. Isso é muito bom, por vários motivos. Primeiro, isso é o mesmo que cobrar mais impostos no futuro que há-de vir, porque é nesse futuro que há-de vir que o empréstimo terá de ser devolvido. Segundo, quando chegar a altura de pagar, ou o político que agora está no Governo já estará na presidência de uma grande empresa a gozar os benefícios de ter ajudado os ricos, ou então as pessoas já se terão esquecido que ele é que pediu aquele dinheiro emprestado. Terceiro, o Governo poderá pedir dinheiro emprestado a um banco de um amigo seu. Assim, todo o dinheiro que o Estado terá de pagar no futuro em juros (através dos impostos que todos pagamos) será dinheiro que aumentará a riqueza do amigo do banco. E é claro que se o amigo do banco fica com essa vantagem, o político do Governo poderá de antemão negociar quais serão as vantagens para si próprio.
Se a população, que somos todos nós, está a dormir, porque é que os Governos que se sucedem uns aos outros, mas sempre com os mesmos políticos, desde há décadas em Portugal, não hão-de fazer coisas deste género?... É claro que fazem! Fizeram e fazem!
E o resultado está à vista. Temos actualmente uma dívida pública que se estima em cerca de 120% do valor do PIB. Mas lembremo-nos: não são apenas os elementos do Governo que são os culpados. Também os donos das empresas que forneceram o Estado e a cujas mãos o dinheiro foi parar são culpados. E também os donos do bancos e outras instituições a quem o Estado pediu dinheiro emprestado são culpados. E, finalmente, também nós que deixámos que isto tudo acontecesse nas nossas barbas somos culpados. Somos todos cúmplices, embora uns ganhem com isto tudo muito mais do que outros.
Resta dizer que enquanto nós dormíamos, os Governos não só gastaram o dinheiro público deste modo, aumentando cada vez mais a dívida pública, como também aprovaram leis que nos integraram num sistema monetário e financeiro que nos retira todo o poder e o põe nas mãos de empresas financeiras e outras que ninguém sabe quem são. Hoje, o poder está menos nas instituições eleitas por nós do que nas pessoas e instituições que têm muito dinheiro. São os “credores”, os “mercados”, as “agências de notação”, o “FMI” e outras instituições do género que controlam o que podemos e não podemos fazer. A este sistema não se chama democracia, mas sim plutocracia.
Parte II - O que o futuro nos reserva
Os mandamentos dos governantes
Os políticos que fazem ou fizeram parte dos Governos que ao longo das últimas décadas nos conduziram até aqui, gastando mais dinheiro do que deviam, não tirando dinheiro a quem mais tem, pedindo dinheiro emprestado, fomentando um sistema financeiro que transfere mais dinheiro para quem já mais tem, dando dinheiro às empresas mais ricas e tudo isso, esses mesmos políticos, dizem-nos todos os dias nas rádios, nas televisões e nos jornais que temos de fazer três coisas:
Mas, e se quem pede dinheiro emprestado sabe que está a utilizar dinheiro que não é seu, que é público e portanto de todos nós? Se quem pede o dinheiro emprestado sabe que não o irá utilizar da forma que mais beneficie a população? Se quem pede o dinheiro emprestado não negocia as melhores taxas de juro? Se quem empresta o dinheiro sabe que o dinheiro será mal utilizado? Se quem empresta sabe que o juro cobrado irá comprometer a economia do país e logo a capacidade de saldar as dívidas no futuro? Se tudo isto for o resultado de uma grande tramóia? Se a situação económica for tão má que se retira dinheiro aos cuidados de saúde, aos transportes, à educação, ao apoio social aos mais necessitados, só para poder continuar a pagar os juros a quem já tem mais dinheiro?
Há muitas razões para considerar o pagamento integral dos empréstimos, dando dinheiro a ganhar às pessoas que já mais dinheiro têm e que o conseguem à nossa custa, como ilegítimo!
No entanto, é evidente que quem nos colocou nesta situação fê-lo porque beneficia dessa situação. É portanto natural que os políticos dos Governos que temos tido defendam que temos de manter este sistema e temos de o proteger. Por isso mesmo ouvimos repetidamente dizer que “se não pagarmos aos nossos credores isso será uma catástrofe”, mesmo que isso já tenha acontecido imensas vezes a imensos países (incluindo Portugal, Alemanha, Reino Unido, etc. - ver este artigo da Wikipedia) durante os últimos séculos e mesmo que ninguém nos saiba explicar exactamente porque é que isso será uma catástrofe. Por isso mesmo ouvimos também repetidamente dizer que “se sairmos do euro isso será uma catástrofe”, mesmo que ninguém nos consiga explicar exactamente porque é que isso será uma catástrofe.
De um modo ou de outro nós, a população portuguesa, vivemos apavorados que o sistema financeiro actual se desmorone, sem sabermos que é precisamente o sistema financeiro que temos que nos empurra cada vez mais para esta situação de penúria, conforme veremos mais adiante.
É-nos dito também, de forma repetida, que não podemos “assustar os mercados”. A ideia é simples: se dermos alguma indicação, por mais ténue que seja, que poderemos sequer começar a pensar em pagar um bocadinho menos a quem pedimos o dinheiro emprestado, todos os potenciais emprestadores irão ficar cheios de medo e irão exigir juros mais elevados se quisermos fazer novos empréstimos. A consequência disto também é simples: se deixarmos de pagar tudo direitinho conforme tinha sido acordado, os juros da dívida pública sobem e toda a situação se agrava fortemente.
É claro, no entanto, que esse argumento só é válido precisamente se continuarmos a defender o sistema financeiro que temos e se continuarmos a defender o pagamento integral da dívida. De facto, de nada importa que os potenciais emprestadores ameacem subir os juros se não tivermos de lhes pedir dinheiro emprestado ou se o dinheiro for emprestado de modo muito diferente do actual.
Bom, seja como for, os políticos dos Governos que nos têm governado nas últimas décadas estão empenhados em defender o sistema que criaram, e em defender o pagamento integral das dívidas que criaram. E para que isso não nos seja tão custoso, dizem, é melhor besuntar o supositório, perdão, é melhor comportarmo-nos bem para que as taxas de juro se mantenham baixas.
O que não nos é dito, contudo, é que no sistema financeiro actual nada impede que as taxas de juro se mantenham muito elevadas mesmo que o nosso comportamento seja exemplar. E isso é assim porque, conforme já antes vimos, o poder não está em nós, nas pessoas, mas sim no dinheiro. E neste caso os credores são quem tem mais dinheiro.
O segundo mandamento que nos matraqueiam todos os dias é que a economia portuguesa tem de crescer. O crescimento de uma economia nem sempre garante mais bem-estar à respectiva população, mas sempre garante mais dinheiro. E quando uma economia gera mais dinheiro, é natural que esse dinheiro não seja igualmente repartido por todos. Em vez disso, é mais natural que quem mais dinheiro tem se aproprie de uma maior fatia do bolo que é o PIB. Portanto, faz todo o sentido que quem tem o poder apregoe os benefícios do crescimento: afinal foi o crescimento que lhes deu o poder e é desse crescimento que eles se servirão para conseguirem ainda mais poder no futuro.
Mas apesar ou para além disso, o crescimento da economia significa geralmente um aumento do emprego e mais dinheiro a circular. Isso, do ponto de vista do Estado, significa não só menos dinheiro que tem de ser gasto em apoio social, como mais dinheiro disponível para a cobrança de impostos e taxas. Por outro lado, se o PIB crescer, todas as contas de despesas do Estado se tornam menos significativas, em termos relativos, incluindo as referentes ao pagamento de juros da dívida pública.
O crescimento do PIB permitirá assim atingir saldos primários superavitários e parcelas relativamente menores de juros da dívida e consequentemente uma diminuição do montante global em dívida.
O problema é que este Governo, tal como os últimos que temos tido, não pode influenciar directamente o crescimento da economia. Isto é assim porque esses mesmos Governos, através da sua actividade legislativa ao longo de décadas e do modo como foram moldando a sociedade, construíram um sistema económico onde só as empresas é que ditam se vão produzir mais ou menos. Em geral, isso sempre foi assim ao longo da história da humanidade. A questão é que num passado recente o Governo controlava ele próprio algumas empresas e podia influenciar directamente a quantidade de bens e serviços que eram produzidos na economia num determinado período.
Mas nas empresas do Estado não é necessariamente o dinheiro que manda. Além disso, o dinheiro que é gerado na sua actividade não vai necessariamente para os bolsos de uns poucos. E isto é mau para quem tem muito dinheiro e quer fazer ainda mais. É como se as empresas do Estado atrapalhassem as empresas dos agentes privados. Atrapalham não só porque lhes retiram essa parcela da actividade económica, mas também porque muitas vezes oferecem à população bens e serviços mais baratos, deixando as empresas privadas numa situação concorrencial menos favorecida.
Assim, ao longo das últimas décadas, as actividades económicas do Estado foram passando progressivamente para as mãos dos privados, em processos que se chamam privatizações. E disso resulta que o Estado dificilmente consegue influenciar directamente o crescimento do PIB. Então o Estado tenta fazê-lo indirectamente, criando condições favoráveis à actividade dos privados, conforme veremos a seguir.
O terceiro mandamento, o que nos diz que a austeridade é necessária, tenta atingir o mesmo fim que acabámos de ver acerca do crescimento do PIB. Austeridade significa neste contexto uma diminuição das despesas públicas e um aumento das receitas. Contabilisticamente isso melhora o saldo orçamental e permite o pagamento da dívida pública. No entanto, enquanto no caso do crescimento do PIB esses efeitos eram obtidos naturalmente, no caso da austeridade esses efeitos são forçados. É como se do bolo que é o PIB, mesmo que não cresça, mesmo que até decresça, se retirasse uma fatia maior para gastos públicos, só que apenas uma pequena porção dessa fatia é que é devolvida à economia: o resto é entregue às pessoas que nos emprestaram o dinheiro no passado.
Ou seja, o resultado da austeridade é que toda a economia fica mais pobre. É claro que essa pobreza não é igualmente repartida por todos, uma vez que os membros do Governo não podem beliscar muito os interesses dos poderosos que os apoiam, apoiaram e apoiarão quando eles deixarem de estar no Governo. É assim que os impostos aumentam para os rendimentos do trabalho e para o consumo final mas não para o investimento e para os rendimentos do capital, é assim que as grande fortunas continuam a não ser taxadas, é assim que os serviços públicos vêm o seu financiamento a encolher e as taxas que nos são cobradas a aumentar, quando se sabe de antemão que quem tem mais dinheiro pode optar por serviços privados.
Mas há uma série de medidas que têm vindo a ser tomadas, com a mesma justificação da necessidade da austeridade, que não têm repercussão directa nas contas públicas, isto é, no défice do Estado e no valor global da dívida. De facto, a reboque da necessidade de austeridade e de crescimento económico, têm sido aprovadas uma série de medidas que visam facilitar a vida a quem tem muito dinheiro e quer fazer ainda mais. Essas são regras que prolongam as raízes do sistema económico que temos, que nos trouxe até aqui, e que foi construído pelos Governos das últimas décadas. Entre elas:
De uma forma muito resumida, a lógica que o Governo tenta transmitir-nos acerca da resolução do problema da dívida assenta no seguinte:
Em anexo é apresentado um desenvolvimento matemático relativamente simplista da evolução dos valores do PIB e da dívida pública. De acordo com o que aí é explicado, a evolução dos valores do PIB num futuro próximo depende daquela que for a sua taxa de crescimento média para o período e que designamos por “c”. Por outro lado, também de acordo com os pressupostos assumidos e explicados em anexo, a evolução do valor global da dívida depende dessa taxa de crescimento média do PIB (“c”) e ainda da taxa de juro média da dívida pública (“j”) e da razão entre o saldo primário orçamental e o PIB (“s”). Toda a análise é feita a “preços constantes”, isto é, descontando o efeito da inflação.
Actualmente o valor do PIB português ronda os 180 mil milhões de euros. O valor global da dívida pública ronda os 210 mil milhões de euros. Isso significa que o valor da dívida representa quase 120% do valor do PIB. Vamos dizer que o problema da dívida se considera resolvido quando tiverem sido verificados os critérios de convergência estabelecidos para as economias da zona euro, nomeadamente quando o valor global da dívida pública for igual ou inferior a 60% do valor do PIB. Repare-se que esta é uma forma muito suave de se dizer que o problema da dívida fica resolvido, uma vez que mesmo nessa situação poderemos continuar a pagar anualmente milhares de milhões de euros de juros aos credores.
Nesse caso a evolução das contas, e mais especificamente o número de anos que irão decorrer até ao problema da dívida ser resolvido e o montante global de juros entretanto pagos, dependerá exclusivamente dos valores que atribuirmos aos parâmetros “s”, “j” e “c”. É quase garantido que estes valores irão variar de ano para ano. No entanto, este modelo simplificado apenas considera taxas médias para todo o período.
Para nos guiar na escolha dos valores para esses três parâmetros, são apresentados de seguida os valores que esses parâmetros foram tomando em anos passados.
Será ainda necessário considerar que:
É possível concluir então que:
Resumidamente: os mandamentos não resultam.
E se assim é, isso deve dar-nos uma perspectiva totalmente diferente sobre as recomendações que os políticos nos dão, e também sobre os debates que têm entre si. Isto porque os políticos dos Governos que temos tido ao longo das últimas décadas envolvem-se em acesas discussões sobre a melhor forma de conduzir a austeridade e a melhor forma de promover o crescimento, mas nós agora sabemos que esses debates são completamente estéreis, porque não adianta de nada modificar a austeridade ou tentar promover o crescimento.
A outra forma de resolver o problema
A outra forma de resolver o problema e de impedir que ele volte a acontecer implica que a população acorde do seu sono profundo. Implica que compreenda coisas como as que são ditas neste texto e que retire o tapete vermelho que tem dado aos políticos para gerirem os seus assuntos e os seus dinheiros a seu bel-prazer.
É necessário compreender que se as regras deste jogo não forem profundamente alteradas, todos os anos iremos pagar aos credores, às pessoas e instituições que à partida já têm mais dinheiro, juros num valor superior ao que se gasta com todo o Sistema Nacional de Saúde. É necessário compreender que isso é ilegítimo, e é ainda mais ilegítimo quando esses pagamentos comprometem a saúde da população e a sua qualidade de vida, mesmo nos aspectos mais rudimentares.
Enquanto a população continuar adormecida e a acreditar na ideologia da inexistência de alternativa, nos agoiros de catástrofe de cada vez que se tente alterar seja o que for, e nos políticos “responsáveis” do costume, continuaremos a sofrer mais austeridade sem quaisquer perspectivas de melhoria futura.
Anexo: modelo matemático
Seja:
O valor do saldo primário é dado pela multiplicação do PIB pela proporção s:
O défice de cada ano é dado pela subtracção do saldo primário ao serviço da dívida:
O valor da dívida de um ano é dado pelo valor da dívida no ano anterior acrescido do défice desse ano anterior:
O PIB de cada ano é dado pelo PIB do ano precedente aumentado da taxa c:
Destas equações é possível deduzir a expressão explícita para o PIB, o saldo primário e a dívida pública de um ano n:
Se agora fixarmos no valor alfa uma determinada proporção entre a dívida e o PIB que passaremos a considerar como o nosso objectivo, a determinação do número de anos n decorridos até que essa proporção seja atingida é feita da seguinte forma:
Os juros acumulados até ao ano n, inclusive, são determinados do seguinte modo:
Substituindo n pelo valor previamente calculado.
Parte I - Conceitos fundamentais (e uma sugestão de como chegámos até aqui)
Parte II - O que o futuro nos reserva
Os mandamentos dos governantes
Perspectivas de resolução do problema da dívida com a receita do Governo
A outra forma de resolver o problema
Anexo: modelo matemático
Ficheiro PDF
Folha de cálculo
Parte I - Conceitos fundamentais (e uma sugestão de como chegámos até aqui)
O Produto Interno Bruto, ou PIB, é, de uma forma simples, a soma do valor de mercado de todos os bens e serviços produzidos num país durante um ano. Podemos imaginar o PIB como o bolo que as pessoas de um país produzem durante um ano. Esse bolo não é tudo o que existe para ser comido durante esse ano, uma vez que o país pode ter alimento armazenado de outros anos ou pode pedir emprestado bolo ao vizinho. No entanto o PIB dá-nos uma boa ideia do que deveríamos estar a consumir na economia durante o ano.
O Estado administra os bens e serviços públicos, e para essa administração necessita de dinheiro. Parte desse dinheiro pode ser obtido por receitas próprias (através de taxas, por exemplo) ou pode ser cobrado aos agentes económicos privados (pessoas e empresas) através de impostos. Os impostos que o Estado cobra correspondem a uma fatia do bolo que é retirada para ser utilizada noutros fins.
Não é correcto imaginar que o Estado retira a sua fatia do bolo e que portanto sobra menos bolo para todos se alimentarem. Se isso acontece ou não, depende da forma como o Estado gasta essa fatia de bolo: se ele a gastar em subsídios de desemprego, por exemplo, ele estará a devolver essa fatia aos agentes privados. A questão é que o Estado tira a uns e dá a outros, num processo que se chama redistribuição do rendimento. Nesse processo de redistribuição algumas pessoas podem ficar a perder (se pagam mais do que recebem) ou podem ficar a ganhar (se recebem mais do que pagam).
Durante os últimos anos o Estado português tem gasto mais bolo (dinheiro) do que aquele que retira ao PIB. Isso é possível porque o Estado português tem pedido bolo emprestado aos agentes privados portugueses e estrangeiros. Deve então levantar-se a questão de saber por que razão o Estado manteve durante muitos anos essa actividade de pedir dinheiro emprestado aos agentes privados, gastando mais dinheiro do que aquele que tinha disponível.
As despesas e as receitas do Governo (que é quem concentra o poder executivo do Estado) têm de ser previstas com antecedência e têm de ser aprovadas anualmente na Assembleia da República. O documento que contém essas previsões de receitas e despesas é o Orçamento de Estado (OE abreviadamente). A discussão e votação do OE na Assembleia da República ocorre anualmente entre os meses de Outubro e Novembro. Todos os OE são públicos e podem ser consultados livremente (por exemplo aqui).
É importante ter presente que os OE são diplomas que contêm as previsões das despesas e receitas do Estado, e não os valores que efectivamente se vieram a verificar. Se quisermos conhecer os valores efectivos devemos consultar a Conta Geral do Estado (para informações mais detalhadas ver aqui).
Se ao valor das receitas do OE subtrairmos o valor das suas despesas, o resultado é o saldo orçamental. Se o saldo orçamental for positivo (quando as receitas são maiores que as despesas) ele toma o nome de superavit; se for negativo (quando as despesas são maiores que as receitas) ele toma o nome de défice. Existe um défice orçamental, portanto, quando as despesas do Estado são maiores do que as suas receitas.
Mas, como é possível que o Estado gaste dinheiro que não tem? A resposta é simples: não é possível. Na verdade o Estado só gasta mais dinheiro porque o pede emprestado. Esse dinheiro que é pedido emprestado também é inscrito no OE no lado das receitas. O que não fica lá registado no OE é a dívida que o Estado assim contrai, isto é, o dinheiro que fica a dever. Este dinheiro que o Estado fica a dever é a dívida pública. Por outro lado, quando o Estado devolve o dinheiro que pediu emprestado, isso também é registado no OE como uma despesa. Nestas transacções financeiras em que se pede dinheiro emprestado (receitas financeiras) e depois se devolve (despesas financeiras) os agentes privados que emprestam ganham um dinheiro extra que é o juro. O juro da dívida é então o montante que o Estado tem de pagar aos agentes privados que lhe emprestam dinheiro, a troco desse empréstimo. O juro é um valor que acresce ao que se deve devolver. Portanto, quando o Estado devolve dinheiro, uma parte desse dinheiro pode corresponder à devolução do dinheiro emprestado (será então uma amortização e diminuirá o valor da dívida do Estado) e outra parte pode corresponder ao pagamento de juros (que não altera o valor da dívida do Estado).
O montante do juro é calculado através da multiplicação do montante em dívida por uma taxa: a taxa de juro. A dívida pública global é constituída por muitos empréstimos, cada um com as suas condições de pagamento, os seus prazos e as suas taxas de juro. É possível calcular uma taxa de juro média para toda a dívida pública fazendo uma média de todas as taxas de juro de todos os empréstimos, ponderadas pelos respectivos valores em dívida.
As transacções financeiras do Estado envolvem então o dinheiro que é pedido emprestado (receitas financeiras) e o dinheiro que é devolvido e os juros (despesas financeiras). Como esses montantes também são registados no OE, o saldo final do OE é sempre nulo, isto é, o montante global das receitas do Estado é sempre igual ao montante das despesas. É importante lembrar que no OE não fica registado o valor da dívida global do Estado aos agentes privados internos (do interior de Portugal) ou externos.
Porém, se retirarmos aos valores do OE tudo o que diz respeito a estas transacções financeiras, ficamos com as despesas e receitas que o Estado efectivamente teria caso não houvesse esta coisa de pedir dinheiro emprestado. Ao saldo entre essas receitas e essas despesas dá-se o nome de saldo primário. Novamente este saldo primário pode ser deficitário ou superavitário, conforme as despesas sejam superiores às receitas ou vice-versa, respectivamente.
Um saldo primário deficitário significa que o Estado está a gastar mais do que as suas receitas normais (não financeiras, isto é, sem a obtenção de empréstimos) permitiriam e que, portanto, o Estado terá de pedir mais dinheiro emprestado. Ora, ao pedir mais dinheiro emprestado o Estado estará a aumentar a dívida. Resumindo, se o saldo primário é deficitário, a dívida pública terá de aumentar.
Um saldo primário superavitário, por outro lado, significa que o Estado está a gastar menos do que as suas receitas não financeiras permitiriam. Nesse caso o Estado poderá utilizar esse dinheiro que sobra para amortizar a sua dívida. No entanto, isso nem sempre é possível. A questão é que para além das despesas e receitas consideradas no saldo primário, o Estado ainda tem de pagar os juros pelos empréstimos obtidos.
Vamos então considerar que o défice orçamental de um determinado ano é dado pela subtracção do valor do saldo primário desse ano ao juro que o Estado tem de pagar esse ano. Ou seja, se o Estado tem a pagar 100 de juros e o saldo primário é de 40 (superavitário, isto é, as receitas são maiores que as despesas), então o défice orçamental é de 100-40 = 60. Ou seja, os 40 que sobraram ao Estado servem para pagar juros, mas ainda assim são precisos mais 60. A única forma que o Estado tem de pagar esses 60 que faltam é pedi-los emprestados.
Imaginemos agora que num determinado ano o Estado tem de pagar 100 de juros e o saldo primário é de 180 (também superavitário, isto é, as despesas são superiores às receitas). Nesse caso o défice orçamental do ano é de 100-180 = -80. O sinal negativo indica-nos que o valor corresponde a um défice negativo, isto é, um superavit. Ou seja, neste caso o dinheiro que sobrou ao Estado (180) foi suficiente para pagar os juros todos e ainda sobrou. O valor que sobra serve então para amortizar (isto é, diminuir) o valor da dívida pública global.
Portanto, o valor da dívida pública global de um determinado ano é igual ao valor que a dívida pública já tinha no ano anterior, acrescido do valor do défice verificado nas contas do ano anterior.
O que os Governos de Portugal foram fazendo nas últimas décadas foi acumulando défices uns atrás dos outros, que foram aumentando o valor da dívida pública ano após ano. Porquê?...
É sempre muito importante fazer as perguntas correctas. E a pergunta correcta neste caso não é a de querer saber porque os Governos foram fazendo isso, mas sim porque não?
Os elementos do Governo são quem detém o poder executivo do Estado. Eles têm, portanto, o poder de decidir quanto, onde, como e com quem gastar o dinheiro e qual dinheiro. Nesse processo, eles são fiscalizados pelos tribunais, que são quem detém o poder judicial. Mas o poder judicial só pode exigir que se façam cumprir as leis. E as leis são feitas pela Assembleia da República e pelo Governo, que partilham entre si o poder legislativo. Ora, como os Governos passados quase sempre conseguiram o apoio da maioria dos deputados na Assembleia da República, os Governos quase sempre conseguiram aprovar leis que fossem da sua conveniência. E os tribunais, o máximo que podem fazer é verificar se depois o Governo cumpre essas leis ou não.
Imaginemos que o Governo quer fazer um empreendimento turístico numa zona de paisagem protegida onde legalmente isso não é possível. Nesse caso, o Governo trata primeiro de alterar a lei, para criar uma excepção para aquele caso, e depois já pode fazer o empreendimento turístico sem que os tribunais o possam acusar de qualquer ilegalidade.
Na sua actuação o Governo também é fiscalizado pelas pessoas, isto é, por todos nós. Todos nós devemos exigir que a actividade do Governo seja transparente, ou seja, que a actividade possa ser verificada por qualquer pessoa, que os documentos respectivos sejam facilmente acessíveis. É claro que há sempre uma forma ou outra de os elementos do Governo conseguirem evitar esta fiscalização. No entanto, se as pessoas todas estiverem atentas, e elas são sempre em número muito maior do que o número de pessoas que está no Governo, torna-se muito mais difícil ao Governo fazer grandes vigarices durante muito tempo.
Todavia, os défices públicos que se verificaram ano após ano ao longo das últimas décadas foram uma grande vigarice que foi levada a cabo durante muito tempo. Como é que as pessoas não fiscalizaram isso? Bom, porque as pessoas andaram a dormir. Andaram, e ainda andam... Todavia, o barco da nossa economia navega agora num mar tão agitado que alguns já começam a acordar, mesmo que contra a sua própria vontade.
E enquanto as pessoas dormiam refasteladas os elementos dos sucessivos Governos foram fazendo vigarices, legais e ilegais. Porque não haviam eles de fazer essas vigarices? Vejamos. Imaginemos que existem pessoas que têm muito dinheiro. As pessoas que têm muito dinheiro costumam ter vontade de querer ter ainda mais dinheiro. As que têm pouco dinheiro também querem ter mais dinheiro, só que não têm tanto poder como as que têm muito. Uma das coisas que é necessário para poder fazer mais dinheiro é ter leis convenientes. Imaginemos que eu quero fazer muito dinheiro emprestando o dinheiro que já tenho aos outros e cobrando juros sobre esses empréstimos. Se o Estado cobrar um imposto muito grande sobre os juros eu vou ter mais dificuldades em fazer dinheiro. Imaginemos que eu quero fazer uma fábrica de automóveis que venda bom e barato. Para isso vou precisar de contratar muitos trabalhadores. Se o Estado fixar um salário mínimo muito elevado eu vou ter de pagar muito aos trabalhadores e vai-se tornar mais difícil fazer muito dinheiro.
Portanto, é importante para quem tem muito dinheiro e quer fazer ainda mais, que o Governo e a Assembleia da República aprovem leis que lhes sejam favoráveis. Assim, quem tem muito dinheiro apoia determinadas pessoas (normalmente organizadas em partidos) para elas irem para o Governo e para a Assembleia da República. Esse apoio pode ser feito de muitas formas: através de financiamento dos partidos, através de promessas de emprego depois das pessoas saírem do Governo, etc. Quando essas pessoas chegam então ao Governo, elas têm todo o interesse em proteger os interesses das pessoas ricas que os apoiaram. Já vimos que uma das formas de fazerem isso é aprovarem leis que sejam favoráveis às pessoas ricas. Normalmente quem está no Governo não diz que essas leis são boas para as pessoas ricas, senão as pessoas que não são ricas, que ainda são a maioria delas, iam ficar zangadas. Em vez disso o Governo diz sempre que essas leis são boas para a economia. Assim as pessoas entendem que são boas para toda a gente...
Mas há muitas outras formas de o Governo apoiar os interesses de quem o apoia. Uma dessas formas é gastando dinheiro.
Imaginemos agora o seguinte cenário. Um político do Governo decide fazer uma série de grandes estádios de futebol. Para isso irá contratar, através de um concurso público desenhado de tal forma que só possa ter um resultado, uma empresa de uma pessoa com dinheiro que o apoiou no passado ou que o poderá vir a apoiar no futuro (por exemplo quando ele sair do Governo). Assim, o Governo desvia dinheiros públicos para uma empresa de um amigo. No final o público, que somos todos nós, cidadãos a dormir que não fiscalizam a actividade do Governo, só vê os estádios de futebol e fica felicíssimo, porque futebol é uma coisa de que muita gente gosta.
Mas, para realizar essas obras, o Governo precisa dos tais dinheiros públicos. Ele poderia cobrar mais impostos e assim obter as receitas extraordinárias que iriam cobrir as despesas extraordinárias. Mas mais impostos iriam deixar as pessoas, ricas ou pobres, mais insatisfeitas. Em vez disso o Governo decide pedir dinheiro emprestado. Isso é muito bom, por vários motivos. Primeiro, isso é o mesmo que cobrar mais impostos no futuro que há-de vir, porque é nesse futuro que há-de vir que o empréstimo terá de ser devolvido. Segundo, quando chegar a altura de pagar, ou o político que agora está no Governo já estará na presidência de uma grande empresa a gozar os benefícios de ter ajudado os ricos, ou então as pessoas já se terão esquecido que ele é que pediu aquele dinheiro emprestado. Terceiro, o Governo poderá pedir dinheiro emprestado a um banco de um amigo seu. Assim, todo o dinheiro que o Estado terá de pagar no futuro em juros (através dos impostos que todos pagamos) será dinheiro que aumentará a riqueza do amigo do banco. E é claro que se o amigo do banco fica com essa vantagem, o político do Governo poderá de antemão negociar quais serão as vantagens para si próprio.
Se a população, que somos todos nós, está a dormir, porque é que os Governos que se sucedem uns aos outros, mas sempre com os mesmos políticos, desde há décadas em Portugal, não hão-de fazer coisas deste género?... É claro que fazem! Fizeram e fazem!
E o resultado está à vista. Temos actualmente uma dívida pública que se estima em cerca de 120% do valor do PIB. Mas lembremo-nos: não são apenas os elementos do Governo que são os culpados. Também os donos das empresas que forneceram o Estado e a cujas mãos o dinheiro foi parar são culpados. E também os donos do bancos e outras instituições a quem o Estado pediu dinheiro emprestado são culpados. E, finalmente, também nós que deixámos que isto tudo acontecesse nas nossas barbas somos culpados. Somos todos cúmplices, embora uns ganhem com isto tudo muito mais do que outros.
Resta dizer que enquanto nós dormíamos, os Governos não só gastaram o dinheiro público deste modo, aumentando cada vez mais a dívida pública, como também aprovaram leis que nos integraram num sistema monetário e financeiro que nos retira todo o poder e o põe nas mãos de empresas financeiras e outras que ninguém sabe quem são. Hoje, o poder está menos nas instituições eleitas por nós do que nas pessoas e instituições que têm muito dinheiro. São os “credores”, os “mercados”, as “agências de notação”, o “FMI” e outras instituições do género que controlam o que podemos e não podemos fazer. A este sistema não se chama democracia, mas sim plutocracia.
Parte II - O que o futuro nos reserva
Os mandamentos dos governantes
Os políticos que fazem ou fizeram parte dos Governos que ao longo das últimas décadas nos conduziram até aqui, gastando mais dinheiro do que deviam, não tirando dinheiro a quem mais tem, pedindo dinheiro emprestado, fomentando um sistema financeiro que transfere mais dinheiro para quem já mais tem, dando dinheiro às empresas mais ricas e tudo isso, esses mesmos políticos, dizem-nos todos os dias nas rádios, nas televisões e nos jornais que temos de fazer três coisas:
- Temos de cumprir todos os contratos de empréstimo conforme estipulado;
- Temos de pôr a economia de Portugal a crescer;
- Temos de ter austeridade.
Mas, e se quem pede dinheiro emprestado sabe que está a utilizar dinheiro que não é seu, que é público e portanto de todos nós? Se quem pede o dinheiro emprestado sabe que não o irá utilizar da forma que mais beneficie a população? Se quem pede o dinheiro emprestado não negocia as melhores taxas de juro? Se quem empresta o dinheiro sabe que o dinheiro será mal utilizado? Se quem empresta sabe que o juro cobrado irá comprometer a economia do país e logo a capacidade de saldar as dívidas no futuro? Se tudo isto for o resultado de uma grande tramóia? Se a situação económica for tão má que se retira dinheiro aos cuidados de saúde, aos transportes, à educação, ao apoio social aos mais necessitados, só para poder continuar a pagar os juros a quem já tem mais dinheiro?
Há muitas razões para considerar o pagamento integral dos empréstimos, dando dinheiro a ganhar às pessoas que já mais dinheiro têm e que o conseguem à nossa custa, como ilegítimo!
No entanto, é evidente que quem nos colocou nesta situação fê-lo porque beneficia dessa situação. É portanto natural que os políticos dos Governos que temos tido defendam que temos de manter este sistema e temos de o proteger. Por isso mesmo ouvimos repetidamente dizer que “se não pagarmos aos nossos credores isso será uma catástrofe”, mesmo que isso já tenha acontecido imensas vezes a imensos países (incluindo Portugal, Alemanha, Reino Unido, etc. - ver este artigo da Wikipedia) durante os últimos séculos e mesmo que ninguém nos saiba explicar exactamente porque é que isso será uma catástrofe. Por isso mesmo ouvimos também repetidamente dizer que “se sairmos do euro isso será uma catástrofe”, mesmo que ninguém nos consiga explicar exactamente porque é que isso será uma catástrofe.
De um modo ou de outro nós, a população portuguesa, vivemos apavorados que o sistema financeiro actual se desmorone, sem sabermos que é precisamente o sistema financeiro que temos que nos empurra cada vez mais para esta situação de penúria, conforme veremos mais adiante.
É-nos dito também, de forma repetida, que não podemos “assustar os mercados”. A ideia é simples: se dermos alguma indicação, por mais ténue que seja, que poderemos sequer começar a pensar em pagar um bocadinho menos a quem pedimos o dinheiro emprestado, todos os potenciais emprestadores irão ficar cheios de medo e irão exigir juros mais elevados se quisermos fazer novos empréstimos. A consequência disto também é simples: se deixarmos de pagar tudo direitinho conforme tinha sido acordado, os juros da dívida pública sobem e toda a situação se agrava fortemente.
É claro, no entanto, que esse argumento só é válido precisamente se continuarmos a defender o sistema financeiro que temos e se continuarmos a defender o pagamento integral da dívida. De facto, de nada importa que os potenciais emprestadores ameacem subir os juros se não tivermos de lhes pedir dinheiro emprestado ou se o dinheiro for emprestado de modo muito diferente do actual.
Bom, seja como for, os políticos dos Governos que nos têm governado nas últimas décadas estão empenhados em defender o sistema que criaram, e em defender o pagamento integral das dívidas que criaram. E para que isso não nos seja tão custoso, dizem, é melhor besuntar o supositório, perdão, é melhor comportarmo-nos bem para que as taxas de juro se mantenham baixas.
O que não nos é dito, contudo, é que no sistema financeiro actual nada impede que as taxas de juro se mantenham muito elevadas mesmo que o nosso comportamento seja exemplar. E isso é assim porque, conforme já antes vimos, o poder não está em nós, nas pessoas, mas sim no dinheiro. E neste caso os credores são quem tem mais dinheiro.
O segundo mandamento que nos matraqueiam todos os dias é que a economia portuguesa tem de crescer. O crescimento de uma economia nem sempre garante mais bem-estar à respectiva população, mas sempre garante mais dinheiro. E quando uma economia gera mais dinheiro, é natural que esse dinheiro não seja igualmente repartido por todos. Em vez disso, é mais natural que quem mais dinheiro tem se aproprie de uma maior fatia do bolo que é o PIB. Portanto, faz todo o sentido que quem tem o poder apregoe os benefícios do crescimento: afinal foi o crescimento que lhes deu o poder e é desse crescimento que eles se servirão para conseguirem ainda mais poder no futuro.
Mas apesar ou para além disso, o crescimento da economia significa geralmente um aumento do emprego e mais dinheiro a circular. Isso, do ponto de vista do Estado, significa não só menos dinheiro que tem de ser gasto em apoio social, como mais dinheiro disponível para a cobrança de impostos e taxas. Por outro lado, se o PIB crescer, todas as contas de despesas do Estado se tornam menos significativas, em termos relativos, incluindo as referentes ao pagamento de juros da dívida pública.
O crescimento do PIB permitirá assim atingir saldos primários superavitários e parcelas relativamente menores de juros da dívida e consequentemente uma diminuição do montante global em dívida.
O problema é que este Governo, tal como os últimos que temos tido, não pode influenciar directamente o crescimento da economia. Isto é assim porque esses mesmos Governos, através da sua actividade legislativa ao longo de décadas e do modo como foram moldando a sociedade, construíram um sistema económico onde só as empresas é que ditam se vão produzir mais ou menos. Em geral, isso sempre foi assim ao longo da história da humanidade. A questão é que num passado recente o Governo controlava ele próprio algumas empresas e podia influenciar directamente a quantidade de bens e serviços que eram produzidos na economia num determinado período.
Mas nas empresas do Estado não é necessariamente o dinheiro que manda. Além disso, o dinheiro que é gerado na sua actividade não vai necessariamente para os bolsos de uns poucos. E isto é mau para quem tem muito dinheiro e quer fazer ainda mais. É como se as empresas do Estado atrapalhassem as empresas dos agentes privados. Atrapalham não só porque lhes retiram essa parcela da actividade económica, mas também porque muitas vezes oferecem à população bens e serviços mais baratos, deixando as empresas privadas numa situação concorrencial menos favorecida.
Assim, ao longo das últimas décadas, as actividades económicas do Estado foram passando progressivamente para as mãos dos privados, em processos que se chamam privatizações. E disso resulta que o Estado dificilmente consegue influenciar directamente o crescimento do PIB. Então o Estado tenta fazê-lo indirectamente, criando condições favoráveis à actividade dos privados, conforme veremos a seguir.
O terceiro mandamento, o que nos diz que a austeridade é necessária, tenta atingir o mesmo fim que acabámos de ver acerca do crescimento do PIB. Austeridade significa neste contexto uma diminuição das despesas públicas e um aumento das receitas. Contabilisticamente isso melhora o saldo orçamental e permite o pagamento da dívida pública. No entanto, enquanto no caso do crescimento do PIB esses efeitos eram obtidos naturalmente, no caso da austeridade esses efeitos são forçados. É como se do bolo que é o PIB, mesmo que não cresça, mesmo que até decresça, se retirasse uma fatia maior para gastos públicos, só que apenas uma pequena porção dessa fatia é que é devolvida à economia: o resto é entregue às pessoas que nos emprestaram o dinheiro no passado.
Ou seja, o resultado da austeridade é que toda a economia fica mais pobre. É claro que essa pobreza não é igualmente repartida por todos, uma vez que os membros do Governo não podem beliscar muito os interesses dos poderosos que os apoiam, apoiaram e apoiarão quando eles deixarem de estar no Governo. É assim que os impostos aumentam para os rendimentos do trabalho e para o consumo final mas não para o investimento e para os rendimentos do capital, é assim que as grande fortunas continuam a não ser taxadas, é assim que os serviços públicos vêm o seu financiamento a encolher e as taxas que nos são cobradas a aumentar, quando se sabe de antemão que quem tem mais dinheiro pode optar por serviços privados.
Mas há uma série de medidas que têm vindo a ser tomadas, com a mesma justificação da necessidade da austeridade, que não têm repercussão directa nas contas públicas, isto é, no défice do Estado e no valor global da dívida. De facto, a reboque da necessidade de austeridade e de crescimento económico, têm sido aprovadas uma série de medidas que visam facilitar a vida a quem tem muito dinheiro e quer fazer ainda mais. Essas são regras que prolongam as raízes do sistema económico que temos, que nos trouxe até aqui, e que foi construído pelos Governos das últimas décadas. Entre elas:
- a privatização de empresas do Estado, mesmo das que prestam serviços de primeira necessidade, sob o pretexto da necessidade de angariação de receitas extraordinárias, mas que abrem o mercado à exploração das empresas privadas;
- a diminuição das remunerações do trabalho em geral em toda a economia, através de taxas e impostos e através da redução directa dos vencimentos dos funcionários públicos;
- a aprovação de legislação que torna mais fáceis os despedimentos e transfere mais poder para as empresas nas relações laborais;
- a concessão de todo o tipo de benefícios às empresas para investirem, para exportarem, para contratarem trabalhadores mesmo que em situação precária;
- etc.
De uma forma muito resumida, a lógica que o Governo tenta transmitir-nos acerca da resolução do problema da dívida assenta no seguinte:
- O pagamento de todos os juros e de todas as amortizações de todos os empréstimos a todos os credores irá manter a taxa de juro para novos empréstimos em valores baixos e isso irá manter a taxa de juro média da dívida pública em valores baixos;
- O crescimento da economia irá permitir uma redução nos gastos públicos e um aumento das receitas, libertando dinheiro para o pagamento dos juros e da dívida, que entretanto se tornam relativamente menores (porque o PIB cresceu);
- A austeridade irá permitir uma diminuição das despesas e um aumento das receitas independentemente da evolução do PIB e além disso ainda incentivará o crescimento da economia.
Em anexo é apresentado um desenvolvimento matemático relativamente simplista da evolução dos valores do PIB e da dívida pública. De acordo com o que aí é explicado, a evolução dos valores do PIB num futuro próximo depende daquela que for a sua taxa de crescimento média para o período e que designamos por “c”. Por outro lado, também de acordo com os pressupostos assumidos e explicados em anexo, a evolução do valor global da dívida depende dessa taxa de crescimento média do PIB (“c”) e ainda da taxa de juro média da dívida pública (“j”) e da razão entre o saldo primário orçamental e o PIB (“s”). Toda a análise é feita a “preços constantes”, isto é, descontando o efeito da inflação.
Actualmente o valor do PIB português ronda os 180 mil milhões de euros. O valor global da dívida pública ronda os 210 mil milhões de euros. Isso significa que o valor da dívida representa quase 120% do valor do PIB. Vamos dizer que o problema da dívida se considera resolvido quando tiverem sido verificados os critérios de convergência estabelecidos para as economias da zona euro, nomeadamente quando o valor global da dívida pública for igual ou inferior a 60% do valor do PIB. Repare-se que esta é uma forma muito suave de se dizer que o problema da dívida fica resolvido, uma vez que mesmo nessa situação poderemos continuar a pagar anualmente milhares de milhões de euros de juros aos credores.
Nesse caso a evolução das contas, e mais especificamente o número de anos que irão decorrer até ao problema da dívida ser resolvido e o montante global de juros entretanto pagos, dependerá exclusivamente dos valores que atribuirmos aos parâmetros “s”, “j” e “c”. É quase garantido que estes valores irão variar de ano para ano. No entanto, este modelo simplificado apenas considera taxas médias para todo o período.
Para nos guiar na escolha dos valores para esses três parâmetros, são apresentados de seguida os valores que esses parâmetros foram tomando em anos passados.
Será ainda necessário considerar que:
- não é plausível considerar taxas de crescimento do PIB muito elevadas para os anos vindouros uma vez que a concorrência internacional é hoje muito mais forte do que no passado e a conjuntura internacional também não é muito favorável;
- o saldo primário actual é aproximadamente nulo, apesar das medidas de austeridade que têm sido adoptadas e que deveriam torná-lo superavitário. Uma das razões para isto acontecer é que o baixo crescimento económico, ou mesmo a recessão, tendem a piorar o saldo primário por razões que já foram apresentadas em cima (aumentando a despesa em apoio social e diminuindo a receita de impostos);
- a tendência decrescente verificada na taxa de juro média da dívida ao longo dos últimos anos não deve manter-se dada a conjuntura internacional, dada a nossa situação económica face às expectativas dos credores (o que é relevante no sistema financeiro que possuímos), dadas as taxas de inflação actuais e dado que o valor da taxa de juro tem normalmente um limite mínimo abaixo do qual não passa.
- uma taxa de crescimento média do PIB (“c”) de 1%;
- uma taxa de juro média da dívida (“j”) de 4%;
- uma taxa de saldo primário relativamente ao PIB (“s”) de 3%.
É possível concluir então que:
- mesmo que a taxa de juro média da dívida não ultrapasse os 4% e o saldo primário do Estado seja de 3% do PIB, uma taxa de crescimento do PIB de 2% ao ano permite-nos resolver o problema da dívida em pouco mais de 50 anos, garantindo aos nossos credores um montante global de juros de quase 600 mil milhões de euros (mais de 3 vezes o PIB actual);
- mesmo que a taxa de crescimento média do PIB seja de 1% e o saldo primário seja de 3% do PIB, só uma taxa de juro média da dívida inferior a 3% nos permitirá resolver o problema da dívida em menos de 50 anos;
- mesmo com uma taxa de crescimento média do PIB de 1% e uma taxa de juro média da dívida de 4%, para que o problema da dívida seja resolvido em menos de 50 anos o saldo primário terá de ser superior a 7% do PIB, ou seja, superior a toda a despesa que actualmente é feita pelo conjunto do Sistema Nacional de Saúde e do sector da educação.
Resumidamente: os mandamentos não resultam.
E se assim é, isso deve dar-nos uma perspectiva totalmente diferente sobre as recomendações que os políticos nos dão, e também sobre os debates que têm entre si. Isto porque os políticos dos Governos que temos tido ao longo das últimas décadas envolvem-se em acesas discussões sobre a melhor forma de conduzir a austeridade e a melhor forma de promover o crescimento, mas nós agora sabemos que esses debates são completamente estéreis, porque não adianta de nada modificar a austeridade ou tentar promover o crescimento.
A outra forma de resolver o problema
A outra forma de resolver o problema e de impedir que ele volte a acontecer implica que a população acorde do seu sono profundo. Implica que compreenda coisas como as que são ditas neste texto e que retire o tapete vermelho que tem dado aos políticos para gerirem os seus assuntos e os seus dinheiros a seu bel-prazer.
É necessário compreender que se as regras deste jogo não forem profundamente alteradas, todos os anos iremos pagar aos credores, às pessoas e instituições que à partida já têm mais dinheiro, juros num valor superior ao que se gasta com todo o Sistema Nacional de Saúde. É necessário compreender que isso é ilegítimo, e é ainda mais ilegítimo quando esses pagamentos comprometem a saúde da população e a sua qualidade de vida, mesmo nos aspectos mais rudimentares.
Enquanto a população continuar adormecida e a acreditar na ideologia da inexistência de alternativa, nos agoiros de catástrofe de cada vez que se tente alterar seja o que for, e nos políticos “responsáveis” do costume, continuaremos a sofrer mais austeridade sem quaisquer perspectivas de melhoria futura.
Anexo: modelo matemático
Seja:
- D(0) o valor inicial da dívida pública
- D(n) o valor da dívida pública no ano n
- P(0) o valor inicial do PIB
- P(n) o valor do PIB no ano n
- c a taxa de crescimento média do PIB
- s a proporção entre o saldo primário de um ano e o PIB desse mesmo ano
- j a taxa de juro média da dívida pública
- SD(n) o valor serviço da dívida (juro, comissões, etc.) no ano n
- SP(n) o valor do saldo primário no ano n
- Delta(n) o valor do défice no ano n
- Jn o valor dos juros pagos acumulados até ao ano n inclusive
O valor do saldo primário é dado pela multiplicação do PIB pela proporção s:
O défice de cada ano é dado pela subtracção do saldo primário ao serviço da dívida:
O valor da dívida de um ano é dado pelo valor da dívida no ano anterior acrescido do défice desse ano anterior:
O PIB de cada ano é dado pelo PIB do ano precedente aumentado da taxa c:
Destas equações é possível deduzir a expressão explícita para o PIB, o saldo primário e a dívida pública de um ano n:
Se agora fixarmos no valor alfa uma determinada proporção entre a dívida e o PIB que passaremos a considerar como o nosso objectivo, a determinação do número de anos n decorridos até que essa proporção seja atingida é feita da seguinte forma:
Os juros acumulados até ao ano n, inclusive, são determinados do seguinte modo:
Substituindo n pelo valor previamente calculado.
Subscrever:
Mensagens (Atom)