quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Agostinho da Silva - Sobre o ensino, a cultura, o trabalho...



Na sequência da outra entrada que aqui publiquei, aqui vão mais algumas ideias do Agostinho da Silva:

aspas

Eu propunha que toda a gente que quisesse entrar numa universidade e que tivesse feito um curso secundário entrasse na universidade.

Eu acho que meter leis de mercado juntamente com a cultura é inteiramente absurdo.

O que é preciso é haver lugares suficientes para que as pessoas que querem ter uma cultura universitária tenham uma cultura universitária.

[Sobre o não haver lugares universitários para todos] se houvesse uma guerra com Portugal, arranjavam-se academias militares rápidas, para formar oficiais milicianos, demoravam três ou quatro meses em lugar de demorar quatro ou cinco anos, nas academias militares autênticas, e morrem tão bem como quaisquer outros.

Quem souber mais que o aluno está logo em cultura universitária em comparação com o aluno.

O que é preciso é arranjar os lugares onde se ensine, a pessoa que ensine, e há muita gente que sem ser um alto professor de universidade pode dar as primeiras noções de todas aquelas matérias. E depois se a pessoa lá dentro da universidade não satisfaz, é fácil, não frequenta mais a universidade. Mas ninguém se desilude. E não é essa coisa terrível de haver milhares de jovens que chegam ao 12º ano, possivelmente com grande capacidade de entrarem na universidade, e ficam quê?... fazendo o quê?... A única vantagem deles é darem depois emprego aos psicólogos.

Eu abria inscrição para mulheres que queriam aprender a fazer os seus vestuários, a fazer vestuário para os maridos, que eram muito pobres e não os podiam comprar, e por exemplo a adaptar o vestuário de pessoas já grandes para meninos e meninas que se queriam vestir, aprender a bordar, aprender a pintar, aprender a cozinhar... isso é cultura. Os poetas, os artistas, os pintores, etc. lá se arranjavam de qualquer maneira. Mas aquela gente não... Ou terem uma casa decente como deviam ter... A cultura para mim não é pintar quadros ou saber poesia ou fazer matemática. Também é cultura. Mas tem que se fazer essa cultura em cima da outra, de pessoas que consigam aprender aquilo que querem aprender.

Eu começava por dar tudo aquilo que é um alicerce e um degrau para a cultura. A cultura começa por todas as pessoas poderem comer o que devem comer, e começa por terem uma casa como devem ter uma casa, e por terem o vestuário que querem. E depois é que começam a ter interesses culturais. Ponho aqui agora cultura como o saber. Primeiro, eu acho que para toda a gente o que é necessário num país é haver os três esses: esse número um, sustento; esse número dois, saber; esse número três, saúde. Então vamos começar pelo sustento. Primeiro degrau das coisas. E em seguida as pessoas dizem: qual é o seu interesse em saber, o que é que querem aprender. E eu digo isso para grandes e para pequenos, notando-se, que como nós estamos ainda na tal guerra e precisamos de ter soldados produtores (cada um de nós é apenas um soldado produtor disto ou daquilo: em lugar de escolhermos artilharia ou cavalaria escolhemos filosofia ou matemática, por exemplo), então, como é isso, é preciso que a escola por enquanto seja uma escola mista: uma escola que seja uma academia militar, digamos assim, para que cada pessoa aprenda uma profissão, aprenda a sua arma; e por outro lado um ensino que faça o possível por já contemplar aqueles que serão reformados, aqueles que vão ser os poetas à solta, dar-lhes meios de pressão.

Um homem pode aprender ortografia ou aritmética ou lá o que seja e ao mesmo tempo, já prevenindo-se para o caso de nunca mais ter emprego, saber pintar, saber fotografar, saber dançar, saber, se for preciso, ser vadio. O que só vale a pena ser vadio quando se contempla o mundo e se percebe o mundo.

Não se trata de profissão, trata-se de arte e trata-se de criação [referindo-se à fotografia, pintura, dança, etc.]. O homem não nasce para trabalhar. O homem nasce para criar, para ser o tal poeta à solta.

O objectivo da nossa vida no mundo é haver essa reforma para toda a gente, mas evitando o que acontece a grande parte dos reformados que, porque só aprenderam a trabalhar enquanto (?) educá-los, só aprenderam a trabalhar, ficam muito tristes porque não têm trabalho e morrem rapidamente... Não sabem fazer mais nada, só trabalhar...

aspas

E agora acrescento eu que o que é preciso é que as pessoas:
  1. Queiram ter uma cultura universitária;
  2. Compreendam que o dinheiro e a possibilidade de concretização não são a mesma coisa;
  3. Saibam hierarquizar os diversos tipos de conhecimento de acordo com as prioridades que as circunstâncias ditam relativamente aos respectivos fins;
  4. Queiram desenvolver em si e aplicar todos os tipos de conhecimento... e voltamos ao 1.

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