terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Os donativos, a concorrência e a dependência...

Tenho reparado, neste momento de crise, como toda a gente anda à míngua de dinheiro, e como a ajuda mais apreciada se torna precisamente o dinheiro. Apesar de parecer normal, eu não posso deixar de achar isso muito curioso. É que eu, para além do dinheiro que vou tendo para me aguentar a mim mesmo, pouco ou nenhum dinheiro tenho para facultar a terceiros. E, no entanto, não raras vezes gostaria de poder ser mais útil a determinadas instituições que me parecem fazer um trabalho muito bom em prol de coisas que considero boas. Só que o que essas instituições precisam é de pagar ao seu pessoal. Ou então precisam de adquirir um projector, ou fazer umas molduras xpto, ou precisam de comprar detergente ou... E no meio destas coisas todas que elas precisam de adquirir, eu fico parvo como é possível que eu não possa ser útil em nada!...

Mas depois penso mais um pouco e concluo que eu também preciso de dinheiro para sobreviver. E se não o tivesse, que ajuda é que os outros me poderiam dar? Poderiam certamente dar-me de comer. Ou roupa usada para vestir. Ou arranjar-me um sítio para dormir. Mas, para me dar de comer precisariam eles próprios de adquirir produtos. E para me dar roupa usada precisariam de comprar roupa nova para si próprios. E para me darem um sítio onde dormir talvez precisassem eles mesmos de ajuda a pagar o empréstimo da casa ou a renda.

E se eu precisasse de ajuda para um pouco mais do que a simples subsistência?... Precisaria de ajuda para me deslocar de um lado para o outro, ou para arranjar medicamentos, ou para ter algo que me aqueça nas noites frias, ou... Tudo parece resumir-se a dinheiro. E, bastante mais grave, parece ser muito difícil ultrapassar estas necessidades sem dinheiro.

De repente parece que somos todos uma cambada de incapazes, que não somos capazes de fazer nada de útil por nós mesmos, sobretudo as coisas mais básicas, não somos capazes de assegurar a nós mesmos uma existência digna! Mas... porque será assim?...

Eu arrisco a dizer que isto é assim porque nós sempre fomos atraídos pelo bem-bom de poder ter o bolo e comê-lo ao mesmo tempo. Fizeram-nos acreditar que a concorrência era boa para nós porque era boa para a economia, e porque o que era bom para a economia era bom para nós. Suámos as estopinhas para nos mantermos actualizados no nosso posto de trabalho, à medida que a empresa ia crescendo e vendendo para mercados mais longínquos e adquirindo outras empresas mais pequenas. Até ao dia em que outro nos passou à frente lá na nossa empresa, e outra empresa passou à frente dessa.

Quando acordámos, tínhamos um mundo pejado de altíssima tecnologia, mais de metade dela feita em países orientais. E nós a insistirmos, nas nossas cabecinhas, que os chineses fazem tudo mal feito... Contribuímos para criar uma sociedade de consumidores dependentes de produtos que não somos capazes de compreender ou reproduzir.

Depois, quando nos vimos no desemprego, pensámos que poderíamos fazer o nosso negócio. Poderíamos produzir as nossas próprias couves e vender algumas no mercado. E então constatámos que as couves no mercado eram tão baratas que não poderíamos sobreviver assim. Aliás, tão baratas que nos sairia mais caro produzirmos as nossas próprias couves do que comprá-las no mercado. Depois a nossa máquina-de-lavar avariou. Quisemos mandá-la arranjar, mas descobrimos que saía mais caro do que comprar uma nova. Quisemos então consertá-la nós mesmos, e descobrimos que ainda assim saía mais caro do que comprar uma nova.

Pedimos então ajuda aos amigos e familiares. E todos vieram para nos ajudar. Mas quando perceberam qual era o problema, foram unânimes em dizer que era melhor comprar uma nova na loja do chinês.

Convencemo-nos disso mesmo, e deixámos de pedir a ajuda que pedíamos. Passámos a pedir dinheiro.

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