terça-feira, 31 de março de 2015

Teaching...


Livro de Neil Postman e de Charles Weingartner que recomendo vivamente. Publicado pela primeira vez em 1969, mantém-se infelizmente muitíssimo actual e premente. Mais informação sobre o livro pode ser encontrada por exemplo aqui.

As ideias do Neil Postman, em geral, e este livro em concreto ajudam-me a sentir-me menos só. São ideias simples, que se tornam complexas apenas quando confrontadas com o pensamento dominante que está inculcado na cabeça de todos nós. Tornam-se complexas apenas porque colidem com as nossas ideias feitas a um nível muito profundo.

A nossa ideia feita acerca do ensino, por exemplo, é a de que existe um sentido universal para as coisas, existe informação cuja pertinência é independente de tudo o resto, e os alunos vão à escola para que os professores lhes transmitam essa informação e esse sentido, para que os alunos fiquem mais preparados para o mundo. "Mais preparados para o mundo" implica cada vez mais, à medida que o capitalismo aperta, o possuir as "competências" para poder vingar no "mercado de trabalho". Ou seja, ganhar muito dinheiro.

A subversão de que nos falam os autores deste livro é tão somente o questionar dessas ideias feitas. De todas as ideias feitas. Sempre que questionamos ideias feitas, estamos a subverter, estamos a virar as coisas do avesso, estamos a revolver, a revolucionar. O enfoque da subversão na actividade do ensino tem a ver com a crença dos autores de que a escola é uma instituição fundamental para as sociedades. Eu também acredito nisso. E muitas pessoas também acreditam nisso. O importante, porém, é compreender que não podemos ser ingénuos ao ponto de acreditar, como muitos, que o problema do mundo é a "falta de educação" das pessoas. A ingenuidade vem da crença, porventura inconsciente, de que "educação" é uma coisa universal, e é sempre boa, seja ela o que for.

O que os autores nos dizem, no entanto, é que para que a escola cumpra a sua função primordial, ela tem de ser subvertida. Por um lado, a subversão tem de existir face ao que era, e infelizmente ainda é, a realidade das escolas. Mas por outro lado é o próprio método subversivo que tem de ser fomentado nos alunos. Fomentado e não criado, porque todas as pessoas têm à partida um método subversivo que faz parte das suas funções inatas. E o que as escolas da época, e infelizmente ainda as actuais, melhor fazem é precisamente matar esse espírito subversivo...

O fomento do método subversivo nas pessoas concretiza-se na construção de um "crap detector", um detector de tretas, à la Hemingway, do qual aliás já aqui falei no passado.

Os autores abordam com alguma ênfase a ideia de que "the medium is the message", isto é, de que o conteúdo do que se transmite está intimamente ligado à forma como se transmite, e que esta última altera o modo como o conteúdo é percepcionado pelo receptor. Por exemplo, quando numa sala de aula se transmitem conhecimentos assumindo uma autoridade que não deve ser questionada, a mensagem que está verdadeiramente a ser transmitida é precisamente a de que existem autoridades de conhecimento que não devem ser questionadas. Noutro exemplo, as palavras que utilizamos para formular uma ideia, elas próprias servem para formatar e conter essa ideia. O mesmo é dizer que as palavras que utilizamos condicionam o nosso pensamento. Por isso mesmo os autores também dedicam um capítulo deste livro ao linguajar ("languaging"), dizendo-nos, por exemplo, que aquilo que dizemos que uma coisa é, ela não é, no sentido em que a verdade objectiva nunca é perfeitamente captada pelas nossas ideias, mas também aquilo que dizemos que uma coisa é, ela é mesmo, no sentido de que a verdade subjectiva acerca da realidade que nos envolve se molda às palavras que utilizamos para a definir. Assim, quando dizemos a um aluno que ele é inteligente, ele passa a percepcionar-se a si próprio como inteligente e isso pode efectiva e objectivamente torná-lo mais inteligente (embora não necessariamente). Assim também, e agora noutro contexto, quando dizemos que as instituições bancárias são fundamentais para o funcionamento da economia, elas passam mesmo a ser fundamentais, na nossa percepção, mesmo que nem sequer saibamos bem o que é ou como funciona uma "instituição bancária" ou uma "economia".

Mas os três capítulos que para mim assumem a maior importância neste livro são: "pursuing relevance", "what's worth knowing?" e "meaning making".

No fundo, esses três capítulos abordam a questão da consequência, do propósito, do sabermos o que andamos aqui a fazer. E essas são, a meu ver, as questões fundamentais de toda a nossa existência, que subjazem a tudo aquilo que fazemos ao longo das nossas vidas e que, portanto, devem mesmo ser levantadas ao virar de cada esquina, e mesmo no meio de cada recta, para nos assegurarmos de que vamos no bom caminho.

Desde há muitos anos que tenho esta imagem da humanidade como a tripulação de uma nave espacial, o planeta Terra, a deambular pelo espaço... A humanidade esforça-se muito por fazer com que a nave funcione bem. É assim que as pessoas se empenham nas suas tarefas do dia-a-dia e é daí que acabam por extrair o sentido das suas vidas. No entanto, ninguém sabe para onde a nave vai, e aparentemente ninguém se preocupa muito com isso!...

Na analogia dos autores deste livro, a humanidade age como alguém que conduz um automóvel olhando apenas através dos espelhos retrovisores. Ou seja, a humanidade não sabe para onde vai, apenas altera o seu comportamento consoante aquilo que são as suas interpretações do passado. Não obstante, a humanidade, entusiasmada por aquilo que considera ser o "progresso", carrega cada vez mais no acelerador... Os autores, com o que me parece ser alguma sensatez, dizem que não devemos esperar nada de bom se continuarmos a agir assim.

Também eu, em diversos momentos no passado, chamei a atenção para esta nossa ideia feita do "don't stand there, do something", ou seja, de que agir é o melhor que podemos fazer, mesmo que não tenhamos pensado muito no assunto e não saibamos muito bem o que é que efectivamente estamos a fazer. Somos uma sociedade de acção e acreditamos que para a frente é que é o caminho e que muita agitação (de preferência mental) é o que nos vai resolver os problemas. É assim, por exemplo, que acreditamos que a solução dos problemas económicos se atinge sempre com mais crescimento económico...

No entanto, é precisamente esta ideia feita que acaba por perpetuar e agravar uma série de problemas. O problema fundamental será precisamente o do nosso bem-estar, colectivo e individual, e da sua consequência no meio que nos envolve e no futuro bem-estar de outros. Procurar a felicidade de uma forma frenética, sem parar para pensar bem no que se está a fazer, pode ter consequências desastrosas...

É também assim que todos colocámos os nossos filhos nas escolas, para que aprendam, mas nunca nos perguntámos seriamente: o que é que é importante aprender?... Porquê?... Para quê?...

O importante a aprender será precisamente um método para aprender. Ou seja, é mais importante aprender a encontrar respostas às questões que nós próprios levantamos do que aprender uma colecção de dados que para nós não tem significado. Mas mais importante do que isso é saber formular as questões certas!

Por exemplo: eu vejo muitas pessoas à minha volta preocupadas com a questão de saber como hão-de conseguir ganhar mais dinheiro. Mas será essa a questão mais pertinente para essas pessoas?... Terão essas pessoas esquecido outras questões mais pertinentes?... Terão essas pessoas atrofiado a sua capacidade de questionar?...

Os autores dão-nos uma lista de perguntas que eles consideram ser relevantes (a tradução é minha):


  • o que é que te preocupa mais?
  • quais são as causas das tuas preocupações?
  • pode alguma das tuas preocupações ser eliminada? como?
  • qual das tuas preocupações abordarias primeiro? como podes decidir isso?
  • há outras pessoas com os mesmos problemas? como podes saber isso? como podes descobrir?
  • se tivesses uma ideia importante que quererias dar a conhecer a toda a gente do mundo, como farias para o conseguir?
  • o que é que te preocupa mais nos adultos? porquê?
  • de que forma queres ser semelhante ou diferente dos adultos que conheces quando cresceres?
  • achas que existe algo pelo qual valha a pena morrer? o quê?
  • como é que começaste a acreditar nisso?
  • o que é que achas que faz com que valha a pena viver?
  • como é que começaste a acreditar nisso?
  • actualmente, o que é que gostarias mais de ser, ou de ser capaz de fazer? porquê? o que é que precisarias de saber para atingires isso? o que é que terias de fazer para atingir esse conhecimento?
  • como é que podes distinguir os "tipos bons" dos "tipos maus"?
  • como é que o "bom" pode ser distinguido do "mau"?
  • que tipo de pessoa é que gostarias mais de ser? como é que podes conseguir vir a ser esse tipo de pessoa?
  • actualmente, o que é que gostarias mais de estar a fazer? e daqui a cinco anos? e daqui a dez anos? porquê? o que é que terias de fazer para concretizar essas expectativas? do que é que terias de desistir para conseguires fazer algumas ou todas essas coisas?
  • quando ouves ou lês ou observas algo, como é que sabes o que significa?
  • de onde vem o significado?
  • o que é que significa "significado"?
  • como é que podes saber o que uma coisa "é"?
  • de onde vêm as palavras?
  • de onde vêm os símbolos?
  • porque é que os símbolos mudam?
  • de onde vem o conhecimento?
  • quais é que achas que são as ideias mais importantes da humanidade? de onde é que elas surgiram? porquê? como? e agora o que faremos com elas?
  • o que é uma "boa ideia"?
  • como é que podes saber se uma ideia boa ou viva se torna numa ideia má ou morta?
  • que ideias da humanidade seria melhor esquecer? como é que decides?
  • o que é o "progresso"?
  • o que é a "mudança"?
  • quais são as causas mais evidentes da mudança? quais são as causas menos evidentes? que condições são necessárias para que haja mudança?
  • que tipos de mudança é que estão a acontecer neste preciso momento? quais são importantes? como é que elas são semelhantes ou diferentes de outras mudanças que já ocorreram?
  • quais são as relações entre novas ideias e mudança?
  • de onde vêm as ideias novas? como? e depois?
  • se quiseres parar uma mudança que está a ocorrer agora mesmo, escolhe uma, como é que farias? que consequências deverias considerar?
  • das mudanças importantes que agora estão a decorrer na nossa sociedade, quais deveriam ser fomentadas e quais deveriam ser restringidas? porquê? como?
  • quais são as mudanças mais importantes que ocorreram nos últimos dez anos? vinte anos? cinquenta anos? no último ano? nos últimos seis meses? no último mês? qual será a mudança mais importante no próximo mês? no próximo ano? na próxima década? como é que podes dizer? e daí?
  • o que é que mudarias se pudesses? como é que o conseguirias? das mudanças que irão ocorrer, quais é que impedirias se conseguisses? porquê? como? e daí?
  • quem é que tu pensas que tem as coisas mais importantes para dizer hoje em dia? a quem? como? porquê?
  • quais são as ideias mais estúpidas e perigosas que são populares hoje em dia? porque é que pensas isso? de onde vieram essas ideias?
  • quais são as condições necessárias para manter a vida? plantas? animais? humanos?
  • quais dessas condições são necessárias para todas as formas de vida?
  • quais para as plantas? quais para os animais? quais para os humanos?
  • quais são as maiores ameaças para todas as formas de vida? para plantas? para animais? para humanos?
  • quais são as estratégias que os seres vivos utilizam para sobreviver? quais são únicas das plantas? quais são únicas dos animais? quais são únicas dos homens?
  • que tipos de estratégia de sobrevivência humana são (1) semelhantes às estratégias das plantas ou dos animais e (2) diferentes das estratégias das plantas ou dos animais?
  • que estratégias de sobrevivência a linguagem humana permite desenvolver que os animais não consigam?
  • como é que as estratégias de sobrevivência humana seriam diferentes se ele não tivesse linguagem?
  • que outros tipos de linguagem os humanos possuem para além dos que consistem em palavras?
  • que funções é que estas linguagem têm? como e porque é que se criaram? podes inventar uma linguagem nova? como é que começarias?
  • o que é que aconteceria, que diferença faria, o que é que a humanidade não poderia fazer se não tivesse linguagens numéricas (matemáticas)?
  • quantos sistemas simbólicos a humanidade possui? como é que se chegou aí? e daí?
  • quais são alguns exemplos de símbolos bons? e maus?
  • que bons símbolos poderíamos usar mas que ainda não temos?
  • que maus símbolos temos e que viveríamos melhor sem eles?
  • o que é que vale a pena saber? como é que decides? quais são algumas maneiras de conseguir saber aquilo que vale a pena saber?
Vale a pena pensar, digo eu, no modo como as nossas escolas actuais dão ou não resposta a questões deste tipo. Vale a pena nós próprios pensarmos em como nós próprios pensamos ou não em questões deste tipo. Vale a pena nós próprios pararmos para reflectirmos e tentarmos dar resposta a questões deste tipo.

Vale a pena sabermos para que é que queremos o dinheiro, antes de nos matarmos para o conseguir. Vale a pena saber para que é que vamos ler livros, antes de lermos tudo o que nos aparecer à frente. Vale a pena saber o que é que andamos a fazer na vida...

Mas, como é que poderemos saber o que andamos aqui a fazer, e como é que poderemos decidir o que fazer?...

Para isso precisamos das nossas percepções e dos significados que lhes atribuímos. Baseados nos trabalhos de outros autores, os deste livro afirmam então:
  1. As nossas percepções não vêm das coisas à nossa volta, vêm de dentro de nós. Isso não significa que a realidade não tenha uma existência objectiva, mas que nós só lhe podemos chegar através do nosso sistema nervoso.
  2. As nossas percepções são uma função das nossas experiências passadas, dos nossos pressupostos e dos nossos objectivos. Ou seja, em geral nós apercebemo-nos das coisas como queremos e precisamos de as perceber.
  3. Em geral só ficamos disponíveis para mudar as nossas percepções quando somos frustrados no intento de fazer algo baseado nelas. Se as nossas percepções nos permitem atingir os nossos objectivos, não as vamos mudar, por mais que nos digam que elas estão "erradas" (para nós não estão).
  4. As percepções são únicas a cada um de nós. A comunicação com outras pessoas só se torna possível quando somos capazes de partilhar objectivos, pressupostos e experiências, isto é, quando somos capazes de "ver" o ponto de vista dos outros.
  5. As nossas percepções dependem dos nossos sistemas de classificação e categorização, os quais dependem da nossa linguagem. Nós vemos com a nossa linguagem.
  6. O significado de uma percepção é o modo como ela nos leva a agir.
Enfim, um livro que recomendo vivamente, e que está disponível online, por exemplo aqui.

"Remember: in order for a perception to change one must be frustrated in one's actions or change one's purpose. Remember too, that no one can force anyone else to change his perception."

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