domingo, 30 de dezembro de 2018

O equilíbrio...

Era uma vez uma família. Havia uma criança, um idoso e três adultos em idade activa, dos quais um trabalhava muito pouco, outro trabalhava alguma coisa e o terceiro trabalhava muito. O que trabalhava muito pouco era, curiosamente, o que mais gastava, mesmo em artigos de luxo, se é que nos podemos dar ao luxo de classificar alguma coisa como artigos de luxo, uma vez que estamos a falar das necessidades das pessoas, não é verdade?

Apesar disso, tudo corria razoavelmente bem, até que, sabe-se lá porquê, uma maioria de elementos decidiu contratar um gestor para gerir o orçamento familiar. Em meia dúzia de anos o gestor remodelou o apartamento, comprou um televisor xpto e uma data de outras coisas, e a família adorou. Só depois descobriram que o gestor tinha endividado a família junto de um banco onde trabalhava um amigo, para comprar coisas nas lojas de outros amigos.

Quando a família descobriu isso, despediu o gestor e contratou outro. O novo gestor prometeu que iria equilibrar as contas da família. Para isso, e uma vez que a família estava fortemente endividada, incentivou os que trabalhavam a trabalhar ainda mais, garantindo-lhes que era importantíssimo gerarem mais riqueza. O que trabalhava muito pouco continuou a trabalhar muito pouco. Curiosamente, o gestor continuou a permitir que ele consumisse artigos de luxo. Mais até do que no passado! Entretanto, para equilibrar as contas, o gestor passou a "racionalizar" recursos: os duches de água quente passaram a ser tomados em conjunto, foram vendidos todos os computadores e televisores excepto um de cada e criou-se um horário para uma justa utilização por todos (o que trabalhava muito pouco tinha o seu tablet...), também se venderam os automóveis e os trajectos passaram a ser desenhados por um programa de computador que optimiza percursos... Além disso, o gestor sentiu-se na necessidade de cortar os gastos na alimentação, passando a dieta a ser principalmente arroz e batata, na manutenção da casa, tapando-se os remendos com o que houver à mão, na electricidade, aquecendo-se todos no inverno à custa de calor humano e camisolas.

Finalmente, na mesma lógica de poupança de recursos, racionalização, aumento da eficiência, protecção ambiental e tudo mais, aliada à responsabilidade de quem cumpre os seus compromissos, conseguiu que a família se mudasse para um T0 de esferovite. Foi então que o gestor proclamou, orgulhoso, que tinha conseguido equilibrar o orçamento familiar! E toda a família aplaudiu!

Entretanto, o antigo gestor, o banqueiro e os fornecedores dos penduricalhos continuam a desfrutar dos rendimentos provenientes dos juros dos empréstimos que a família continua a pagar... mas a família está feliz, porque tem o orçamento equilibrado.

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