Greve dos enfermeiros.
Estou enojado!
Não, não é com os enfermeiros. É com a gente que manipula, e
a gente que à conta de andar na vida a dormir se deixa manipular, e deixa que
manipulem outros. Estou mesmo enojado. Tenho vontade de insultar pessoas, tenho
vontade de fazer greve de fome eu também, de chamar filho da mãe a tanta
gente...
Querem saber porquê? Mesmo?... Ou querem apenas
entreter-se?... Cada um desiste de ler quando quiser. Eu é que não desisto de
escrever. Ao menos isso!... E às vezes talvez fosse bom ler mesmo até ao fim.
Estou enojado. Profundamente. E não é com aqueles que ganham
a sua vida trabalhando, com poucas condições, e lutando para que elas sejam
mais e melhores. Estou profundamente enojado com a realidade em que sou
obrigado a viver todos os dias, e que às vezes se torna mais evidente.
Estou enojado com um governo liderado por um partido que se
diz “socialista”, um governo que resulta de uma coligação de partidos que se
dizem de “esquerda”, e a sua atitude para com as pessoas que ganham a sua vida
trabalhando, com poucas condições, e lutando para que elas sejam mais e
melhores. Estou enojado com a atitude de prepotência, com a atitude de
guerrilha, de falta de honestidade.
Estou enojado com os meios que se dizem "de comunicação",
que se diz “social”, porque não só não é social, como enquanto for num sentido
só, não será nunca comunicação. Será antes divulgação. Propaganda, com o
sentido pejorativo que a palavra pode ter. Procurando incendiar ânimos, na
procura incessante de audiências, e fazendo acreditar que misturar o acessório
com o essencial, confundir factos com opiniões e dar voz sobretudo aos poderes
instalados, é o mesmo que “informar” (seja lá o que isso for) e ser “imparcial”
(seja lá o que isso for).
E estou enojado também com a preguiça, com o não querer
saber, com a indiferença, a procura do bem-estar fácil, estou enojado com essa
atitude zen pós-moderna de evitar as chatices. Àquela parte com quem ignora as
chatices e assim dá não só tiros no seu pé, como também tiros nos pés dos
outros!
Nos últimos dias tivemos a confirmação evidente daquilo que
já podia ser percebido desde há muitos anos: de que a greve é um direito
fundamental, desde que não cause qualquer transtorno.
Continuo com vontade de dizer palavrões!... Mas vou tentar
poupar quem ainda me lê, e ainda vai no início...
Afinal querem proibir o direito à greve, é isso?... Não
estou a perguntar aos políticos, estou a perguntar a si, que lê isto, e a toda
a gente por aí fora. Querem proibir as greves, é isso?... As greves são o
resultado de uns bandalhos preguiçosos que só prejudicam as pessoas, é isso?
E eu que julgava que as greves tinham uma origem histórica
nas lutas dos trabalhadores por melhores condições de trabalho e de vida,
quando as que tinham eram miseráveis?...
Mas o que é essa merda de greves que não fazem mal a
ninguém?... O que é essa merda de lutas que servem a todos ao mesmo tempo?... O
que é essa merda de estarmos metidos todos no mesmo barco?... Como é possível
ser assim tão parvo?...
Como é possível ser tão parvo ao ponto de acreditar que os
patrões querem gastar mais dinheiro com os empregados e só não o fazem porque
não podem?... Que se seja parvo ao ponto de acreditar que os governos estão aí
para defender as pessoas, eu até compreendo (afinal, o que seria da economia
sem recursos?...). Mas os patrões?...
Mas as pessoas ficaram de repente estúpidas?... As empresas
por algum acaso existem para pagar salários?... Os que têm dinheiro são então
movidos por uma espécie de caridade e fazem por distribuir o dinheiro da forma
mais complicada que conseguiram encontrar, nomeadamente pondo as pessoas a
trabalhar, é isso?...
A sério!... Estou enojado e estou parvo... Estou todo
escangalhado, como a porcaria dos telemóveis também deviam estar!
Mas de repente, na fúria do combate, na arena em que o
gladiador enfrenta os leões ordenados por quem se senta confortavelmente na
bancada, esse mesmo gladiador só é honesto e trabalhador e responsável e bom
cidadão e fofinho se só usar as suas armas para fazer cócegas nos leões, é isso?...
Quer dizer: os leões podem estraçalhar o lutador de uma vez só ou às
prestações, mas ele, se quiser livrar-se desse mal, não se pode deixar cair na
tentação de usar as armas que tem... só pode fazer cócegas. É isso?
"Senhores, sou mulher de trabalho,
e falo com poucas maneiras,
porque as maneiras
são como a luva que calça o ladrão"
Ou, como dizia o Manuel Rocha, boas maneiras é convidar o
trabalhador ao nosso gabinete para, com os devidos salamaleques, o despedir.
Ou seja, greves sim, mas só se não causarem danos. É isso
que aprendemos. Obrigado senhor António Costa, obrigado jornalistas e rádios e
imprensas e televisões, obrigado comitivas imensas que andais a reboque à cata
das migalhas, muito obrigado. Agora percebo. Podemos fazer greve, mas se forem
estivadores e com isso paralisarem a expedição das encomendas num porto
marítimo qualquer perto de si, já não pode ser. Podemos fazer greve, mas se
forem os condutores e técnicos dos meios de transporte colectivo das cidades e
com isso os cidadãos ficarem apeados, já não pode ser. Podemos fazer greve, mas
se forem os professores e com isso os estudantes não puderem fazer os seus
exames, já não pode ser. Podemos fazer greve, sempre, claro que sim, um direito
fundamental e tal e coisa, muito bem... mas, claro, desde que não causemos dano
a ninguém!... Lembrem-se: só cócegas nos leõezinhos, sim?
Ide àquela parte!!!... Andamos a brincar ou quê?...
Depois o discurso todo do puxar para baixo. Se uns estão
lixados, os outros também têm de estar, não é?... Afinal, quem é aquele tipo
que se julga mais do que os outros?... Se eu estou aqui a dar o corpo ao
manifesto, a ser maltratado, ele também tem mais é que se calar e vir para aqui
trabalhar e dar também o seu corpo ao manifesto... Só assim isto vai para a
frente. Não é?... Se uns sofrem, os outros também têm de sofrer. Aliás, se eu
sofri no passado para chegar até onde cheguei, os outros também têm de sofrer
no presente para chegar a um patamar semelhante!... Claro!... Eu até me
sentiria mal se alguém não sofresse como eu para chegar onde eu cheguei!...
Eu julgava que só as bestas pensariam assim... Mas descobri
que não.
Depois o discurso do "é preciso primeiro gerar a
riqueza, para depois a distribuir". O discurso típico do "estamos
todos no mesmo barco", apesar de uns irem no camarote a jogar às cartas e
a comer borrego assado, enquanto outros vão nas catacumbas a remar e a comer
solas de sapato. Porque afinal, apesar de tudo, sempre nos dão o barco onde
sentar o traseiro enquanto remamos, e se não tivéssemos barco estaríamos perdidos
no meio do oceano, sujeitos a ter de nadar, não é?... Benditos comandantes! A
nossa bênção!...
Estou tão farto desta treta... farto, fartinho, até às
entranhas!... Por isso mesmo escrevo assim. Não gostam?... Quero lá saber!...
Já me fartei de escrever textos a tentar explicar por a mais bê... Isso era
quando acreditava que as pessoas, coitadinhas, não sabiam quanto era a mais
bê... e eu ia explicar-lhes!... Agora sei que as pessoas não distinguem um boi
à frente dos olhos, nem querem distinguir, e logo acreditam que ninguém tem autoridade,
nem moral nem seja o que for, para lhes fazer ver coisas que eles antes não
viam. Agora sei que as pessoas querem é foguetes e regabofe... querem lá saber
de ás, de bês ou da soma de seja o que for! À merda!...
Olhem, querem ler? Querem saber como é isso da greve dos
enfermeiros e porque é que estou tão profundamente revoltado? Leiam o parecer
da Procuradoria Geral da República (PGR). O nojo real da república, talvez
(negritos meus):
Greve - Greve Sectorial - Greve
Rotativa - Greve Self-Service - Greve de Maior Prejuízo - Greve Ilícita -
Pré-Aviso de Greve - Crowdfunding - Fundo de Greve - Perda Salarial - Prestação
de Serviços Mínimos - Direito à Saúde - Falta Injustificada - Responsabilidade
Disciplinar - Responsabilidade Civil Extracontratual.
1.ª A Constituição, assim como a
lei ordinária, optaram por não definir o conceito de greve, apontando a
doutrina, consensualmente, como característica essencial desta figura, a
abstenção temporária da prestação de trabalho, inserida numa ação coletiva e
concertada dos trabalhadores, a qual pode assumir as mais variadas formas,
tempos e modos de execução, visando exercer uma pressão sobre a entidade
patronal no sentido da obtenção de um objetivo comum.
2.ª Adotou-se uma noção aberta de
greve que acolhe o caráter dinâmico desta forma de luta dos trabalhadores, a
qual pode assumir um amplo leque de modalidades de execução, desde que não
deixem de estar presentes os elementos identitários desta forma de luta
laboral.
3.ª Dos dados fornecidos pela
entidade consulente resulta que a greve dos enfermeiros decretada pela
Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros e o Sindicato Democrático dos Enfermeiros
de Portugal e que teve início no dia 22 de novembro de 2018 e termo no dia 31
de dezembro do mesmo ano, denominada como greve cirúrgica pelos dirigentes
daquelas organizações sindicais, decorreu nos Centros Hospitalares
Universitário de S. João, Universitário do Porto, Universitário de Coimbra,
Universitário Lisboa Norte e de Setúbal, tendo-se registado a ausência de
enfermeiros, com justificação no exercício do direito de greve, no serviço
prestado nos blocos operatórios daquelas unidades hospitalares, o que
determinou o adiamento de milhares de cirurgias cuja realização se encontrava
programada para aquele período.
4.ª Essas ausências não foram
contínuas durante todo o período de greve, tendo cada um dos enfermeiros que
aderiu à greve não comparecido ao serviço de forma intermitente, em dias
interpolados, e, em algumas situações, até em turnos interpolados, de forma que
o número mínimo de enfermeiros necessários à realização das intervenções
cirúrgicas não estivesse presente, o que determinou o adiamento das cirurgias
marcadas.
5.ª A greve na sua execução
revelou-se uma greve parcial setorial, uma vez que as abstenções ao trabalho,
com fundamento no exercício do direito de greve, se concentraram num setor
específico das unidades hospitalares abrangidas pelo aviso prévio de greve.
6.ª Noutra perspetiva, a greve
inclui-se na área das denominadas greves rotativas ou articuladas, não porque
tenha ocorrido uma alternância do setor da empresa afetado pela paralisação dos
trabalhadores em greve, como sucede nas greves rotativas tradicionais, uma vez
que neste caso foi sempre o mesmo setor o atingido pela greve, mas sim porque,
sendo necessário para a operacionalidade desse setor, o trabalho em equipa, os
elementos que a compunham faltaram alternadamente, inviabilizando assim o
funcionamento da equipa e, consequentemente, a operacionalidade da atividade
por ela desenvolvida.
7.ª Nestas situações, apesar de se
considerar lícita esta modalidade de greve, não deve ser admitida a desproporção entre os prejuízos causados à
entidade patronal e as perdas salariais sofridas pelos trabalhadores em greve, pelo
que os descontos salariais devem ter em conta não só o período efetivo em que
cada trabalhador se encontrou na situação de aderente à greve, mas também os
restantes períodos que, em resultado daquela ação concertada, os serviços
estiveram paralisados, desde que se encontre demonstrada a inutilidade da sua
aparente disponibilidade nos períodos de não adesão formal à greve.
8.ª Nas greves setoriais deve constar do aviso prévio a
identificação dos setores que vão ser atingidos e nas greves rotativas o modo
como se irá processar essa rotatividade.
9.ª Só assim o aviso prévio de
greve cumprirá a sua função e alcançará as suas finalidades, pelo que a
ausência de qualquer indicação sobre o tempo e o modo como a greve se vai
desenrolar ou uma indicação errada destes elementos resulta num incumprimento
daquele dever de informação que tem como consequência a ilicitude da greve.
10.ª É precisamente esta a situação
que se verifica na greve realizada pelos enfermeiros entre os dias 22 de
novembro e 31 de dezembro de 2018, em que a modalidade que a mesma assumiu não
constava do aviso prévio emitido pelos sindicatos que a decretaram, pelo que
essa greve, pela surpresa que constituiu
a forma como ocorreu, face ao conteúdo do aviso prévio, foi ilícita.
11.ª Nesta greve, conforme resulta
dos elementos fornecidos pela entidade consulente, os grevistas foram apoiados
financeiramente através do recurso a uma operação de crowdfunding na plataforma
eletrónica PPL-Crowdfunding Portugal que os compensou das perdas salariais
resultantes da adesão à greve.
12.ª Foram promotores desta
iniciativa e gestores do fundo de greve um «grupo de enfermeiros da prática».
13.ª A constituição de fundos de
greve em Portugal não se encontra legalmente prevista nem regulamentada,
surgindo apenas estipulada na maioria dos estatutos das organizações sindicais.
14.ª Apesar de a greve ser um
direito dos trabalhadores, tendo em consideração que a mesma pressupõe uma
atuação concertada destes, o seu decretamento compete em regra às associações
sindicais.
15.ª Este quase monopólio sindical da greve estende-se também à sua gestão,
uma vez que os trabalhadores em greve, sejam ou não sindicalizados, no
exercício deste direito, são representados pelas associações sindicais que
decretaram a greve.
16.ª No âmbito da representação dos trabalhadores durante a greve, compete
exclusivamente a estas entidades a prática dos atos relacionados com a
realização da greve, o que inclui, além de outros, a constituição e utilização
de fundos de greve destinados a compensar os trabalhadores que aderiram à greve
da perda dos respetivos salários, uma vez que têm direta influência na
capacidade de mobilização dos trabalhadores em aderirem a esta forma de luta e,
consequentemente, na dimensão e força que ela assume.
17.ª Por esta razão, não é admissível que os trabalhadores aderentes a uma
greve vejam compensados os salários que perderam como resultado dessa adesão,
através da utilização de um fundo de greve que não foi constituído, nem é
gerido pelos sindicatos que decretaram a greve.
18.ª Essa situação constitui uma ingerência inadmissível na atividade de
gestão da greve, que incumbe exclusivamente às associações sindicais que a
decretaram, o que constitui uma violação do disposto no artigo 532.º, n.º 1, do
Código de Trabalho, que pode determinar a ilicitude da greve realizada com
utilização daqueles fundos, caso se demonstre que essa utilização foi um
elemento determinante dos termos em que a greve se desenrolou.
19.ª Os limites ao financiamento
das organizações sindicais estabelecidos no artigo 405.º, n.º 1, do Código do
Trabalho, também abrangem a constituição dos fundos de greve.
20.ª Nas operações de crowdfunding,
os titulares das plataformas de financiamento estão obrigados a preservar a
confidencialidade dos dados fornecidos pelos investidores, designadamente a sua
identidade, pelo que não abdicando estes do anonimato, os beneficiários da
operação não têm possibilidade de conhecer a sua identidade, o que não lhes
permite controlar a origem dos donativos.
21.ª Não existindo regras no nosso
sistema jurídico que regulem a concessão de donativos às associações sindicais
e a constituição de fundos de greve, pode
vir a apurar-se a existência de donativos que são ilícitos, por violarem o
disposto no artigo 405.º, n.º 1, do Código do Trabalho, ou outras normas ou
princípios que vigoram no nosso ordenamento jurídico.
22.ª A ilicitude desses donativos poderá provocar a ilicitude da greve
caso se demonstre que estes, pela sua dimensão, foram determinantes dos termos
em que a greve se desenrolou.
23.ª O artigo 541.º, n.º 1, do
Código do Trabalho, aplicável ex vi do artigo 4.º, n.º 1, m), da Lei Geral do
Trabalho em Funções Públicas, dispõe que a ausência de trabalhador por motivo
de adesão a greve declarada ou executada de forma contrária à lei considera-se
falta injustificada.
24.ª A falta injustificada, além do
desconto do tempo de greve na retribuição e na antiguidade, determina a
qualificação da ausência como infração disciplinar, com a inerente
possibilidade de aplicação de uma sanção, a qual variará consoante o número de
dias de falta e outras circunstâncias que influam na gravidade do comportamento
do trabalhador, podendo ser ponderado o eventual desconhecimento desculpável
pelo trabalhador do caráter ilícito da greve como fundamento para a não
aplicação de qualquer sanção.
25.ª Além da responsabilidade
disciplinar, a adesão a uma greve ilegítima também poderá fazer incorrer o trabalhador aderente em responsabilidade
civil extracontratual, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, caso se
verifiquem os pressupostos deste instituto, relativamente a danos resultantes
da falta do trabalhador, podendo também, nesta temática, ser considerado, no
domínio da culpa, o desconhecimento pelo trabalhador do caráter ilícito da
greve.
26.ª As organizações sindicais que
decretaram e geriram essa greve, também poderão
ser civilmente responsabilizadas pelos prejuízos causados por uma greve
ilicitamente decretada ou executada, desde que a sua conduta preencha os
pressupostos exigidos pelo artigo 483.º do Código Civil.
27.ª Quando a ilicitude da greve resulta do facto de esta ter sido executada
numa modalidade que não constava do aviso prévio de greve, os danos a
considerar serão apenas aqueles que resultaram exclusivamente da ausência dessa
informação.
O sr. António Costa tratou logo de homologar este parecer.
Sabem o que é que significa homologar o parecer da Procuradoria Geral da
República?... Eu explico: nada! A homologação serve apenas para dizer aos restantes
membros do governo que esta é a versão dos factos em que o governo deve
acreditar. Mas para efeitos da população em geral não serve para nada. E sabem
qual é o peso jurídico de um parecer da PGR? Zero! Nicles! O parecer não é lei!
Mas vamos ver as coisas com um pouco mais de detalhe. O
parecer diz que "não deve ser admitida a desproporção entre os prejuízos
causados à entidade patronal e as perdas salariais sofridas pelos trabalhadores
em greve". Ou seja, o parecer diz exactamente que as greves só são
admissíveis se não causarem grande mossa à entidade patronal e/ou aos clientes
da empresa ou instituição. Magnífico! A PGR apoia as greves que só fazem
cócegas!
Logo a seguir diz que "os descontos salariais devem ter
em conta não só o período efetivo em que cada trabalhador se encontrou na
situação de aderente à greve, mas também os restantes períodos que, em
resultado daquela ação concertada, os serviços estiveram paralisados, desde que
se encontre demonstrada a inutilidade da sua aparente disponibilidade nos
períodos de não adesão formal à greve". Ou seja: se um trabalhador estiver
presente no local do trabalho, mas o trabalhador do lado tiver feito greve, e
se só com o trabalho de ambos é possível fazer alguma coisa, então o
trabalhador que compareceu ao trabalho deve perder o seu salário. A sério???...
Depois diz que " deve constar do aviso prévio a
identificação dos setores que vão ser atingidos e nas greves rotativas o modo
como se irá processar essa rotatividade". Ou seja, se o aviso prévio
disser "haverá greve nos dias 4, 5 e 6 no sector X" e se durante os
dias 4, 5 ou 6 houver alguns períodos em que não haja greve, a greve é
considerada ilícita. A sério???... Aliás, refere mais adiante que como esses
períodos em que não houve greve não estavam previstos, isso foi surpreendente,
e logo a greve deve ser considerada ilícita.
Refere-se que "este quase monopólio sindical da greve
estende-se também à sua gestão" e eu gostava de saber se as greves podem
ou não ser convocadas por sindicatos, e quando o são, se é obrigatório ser por
mais do que um sindicato... Porque a mim parece-me, que não sou jurista, que a
PGR não tem nada que emitir pareceres acerca de quem ou como as greves são
convocadas ou geridas.
O ponto 16º do parecer é uma pérola. Aliás, daqui para a
frente a coisa fica maravilhosa!... Afinal os trabalhadores têm de ser pobres.
A PGR é da opinião que os trabalhadores devem ser pobres, porque se o não forem
a lógica subjacente à existência da greve fica desvirtuada!... Imaginem uma
greve onde os trabalhadores têm dinheiro suficiente para não dependerem do
trabalho, e com isso não têm a corda na garganta, e assim podem fazer greve por
tempo indefinido!!!... Isso, diz a PGR, não pode ser!! Era o que faltava!!...
E, se os trabalhadores conseguirem arranjar dinheiro para se sustentarem
durante o período de greve, esse dinheiro só pode ser conseguido e gerido e
mantido pelo sindicato que, já se viu, também não é propriamente muito bem
visto. Antes dizia-se que o seu monopólio era uma chatice, agora exige-se que o
seu monopólio de gestão exista. Magnífico PGR!!
Os pontos 17º e 18º deixam isso muito claro: se um grupo de
amigos se juntar para me ajudar num período de greve, a PGR não vai gostar e
vai emitir um parecer a dizer assim "meus amigos... ou vocês foram um
sindicato, ou não podem ajudar o vosso amigo, porque o destino de quem faz
greve é passar fome, está escrito nas estrelas, e vocês não querem ir contra o
que está escrito nas estrelas, pois não?". Se a minha mãezinha reparar que
eu estou a passar fome por causa da greve, ai dela que me dê alguma coisa,
porque se o fizer, e conforme todas as ameaças dos restantes pontos do parecer
da PGR, eu arrisco-me a perder o emprego, a ter de pagar indemnizações, assim como
todos os meus colegas, mesmo os que nem sequer fizeram greve!! Ai Jesus!!...
Os pontos 19º a 26º são apenas um conjunto de ameaças
infundadas, que dizem que se se apurar que os apoios financeiros aos grevistas
vierem de partidos políticos ou coisas que o valham, um enorme cataclismo
acontecerá aos trabalhadores. Pelo caminho, a PGR deixa o seu parecer sobre a
ilegalidade de financiamento público através de plataformas digitais a
grevistas. Sim, PGR, já sabemos que os grevistas têm de ser pobres... Mas, e se
eu fizer uma operação de crowdfunding com o objectivo de ser rico, já pode
ser?... E se depois de eu ser rico eu resolver fazer uma greve, isso já pode
ser?...
À merda com estes pareceres da PGR!!... E depois de todas as
ameaças, conclui-se no ponto 27º a dizer que afinal as consequências de tudo e
mais alguma coisa são... aproximadamente nulas.
Parabéns!!... Se o objectivo fosse conduzir a opinião
pública e amedrontar os grevistas, não teria sido possível redigir um parecer
melhor!... Mas já se sabe que a PGR nunca faria semelhante coisa!
Perceberam o que está mal com esta aberração? Perceberam o
que está mal com uma greve que é propalada nos meios de propaganda desde há
muitas semanas mas cujas reivindicações nunca são discutidas? Já nem pergunto
se perceberam que numa greve há sempre duas partes, porque estou convicto de
que acreditam fielmente na versão da lavagem cerebral de que só existe uma
parte: a dos grevistas. É tudo culpa de quem faz a greve... o facto de existir
uma arena, leões e gente a comandá-los e a aplaudir na plateia, isso não é
nada... é tudo culpa do lutador.
Bom, mas quer tenham percebido quer não tenham, aqui vos
deixo um texto um pouco mais isento de vómito verborreico e de insultos e que
talvez fosse bom, ah, se o mundo fosse assim tão belo!..., talvez fosse bom ler
até ao fim. Mesmo até ao fim:
Um Governo à beira de um ataque de nervos (greve dos enfermeiros)
(21 Fevereiro)
(link)
Os últimos
acontecimentos verificados a propósito da greve dos enfermeiros, da requisição
civil decretada pelo Governo e da gigantesca campanha de manipulação levada a
cabo pela sua “tropa de elite” de comentadores e opinantes, não devem permitir
que deixemos de ver o que é essencial e, sobretudo, que deixemos de reflectir
sobre aquilo que está aqui verdadeiramente em causa.
Creio,
assim, que se impõe revisitar, ainda que de forma um pouco extensa, uma série
de pontos, relevantes e reais, que são precisamente aqueles que o
Governo do Sr. Costa e os seus apoiantes precisamente não querem que se
discutam e aclarem aos gritos demagógicos de “eu sou pela vida!”, de “não
admito greves que ponham em causa a vida e a saúde dos doentes!” e de “eles (os
enfermeiros) estão ao serviço de interesses inconfessáveis e querem é destruir
o Serviço Nacional de Saúde!”.
1)
Reivindicações
Os
enfermeiros são uma classe profissional profundamente preocupada, dedicada e
empenhada nos cuidados de saúde dos pacientes a seu cargo. E as suas
reivindicações são essencialmente quatro, e todas elas inteiramente justas”:
1.
Equiparação de vencimento aos outros técnicos
superiores da saúde com habilitações literárias idênticas, como os
farmacêuticos, os psicólogos e os nutricionistas (os quais têm vencimentos
iniciais de 1.600€ mensais, enquanto os enfermeiros, mesmo que com mestrado ou
até doutoramento, têm 1.200€);
2.
a recuperação da carreira (em termos de categorias)
destruída há cerca de 10 anos por outra Ministra da Saúde (Ana Jorge) de um
outro governo do PS, com o reconhecimento quer de 3 categorias, correspondentes
aos diferentes níveis de responsabilidade, quer, também, da respectiva
remuneração. O Governo diz que está a fazer isso, mas a verdade é que a grelha
que quer aprovar, em termos salariais, representa 0 de valorização salarial já
que a diferença entre um enfermeiro e um enfermeiro especialista será de
150,00€, que é exactamente aquilo que desde 2018 e por força da luta, em 2017,
dos enfermeiros especialistas, já é pago a estes a título de “suplemento”;
3.
uma carreira justa também em termos de evolução de
imediato e de futuro, já que, com a proposta do Governo, os enfermeiros – que,
relembre-se, hoje estão praticamente todos (mais de 90%) na base da carreira,
recebendo 1.201,48€ brutos mensais, tenham eles 1, 5, 10 ou mais de 20 anos de
profissão! – terão 11 níveis de evolução, levando em média 10 anos para subir
de nível (o que significa um século para atingir o topo da carreira!?);
4.
a idade da reforma aos 57 anos, devido à elevada carga
física com procedimentos técnicos e físicos muito exigentes, à movimentação de
pesos muitas vezes superiores ao próprio peso, ao risco de contaminação, à
penosidade resultante do excesso de carga de trabalho (há muitos serviços que
só funcionam com os enfermeiros a prestarem regularmente horas extraordinárias
em cima das horas normais), dos turnos, e da impossibilidade prática de os
enfermeiros mais velhos serem dispensados dos turnos e do trabalho nocturno, e
enfim à dureza psicológica decorrente do contacto permanente com a dor, o
sofrimento e até a morte dos pacientes a seu cargo.
2) No tempo
do Passos Coelho os enfermeiros estavam calados?
As
reivindicações antes referidas – ao contrário do que se tem ouvido dizer – são
um “ponto de partida” negocial e já são antigas, tendo sido sucessivamente
apresentadas aos diversos governos, e designadamente ao de Coelho/Portas. Mas
foram assumindo cada vez mais premência quer com o agravamento progressivo das
condições de trabalho dos enfermeiros nos últimos anos, quer com a sistemática
postura dos diversos ministros da Saúde, em particular os últimos (Paulo
Macedo, Adalberto Campos Fernandes e Marta Temido), consistente em fazerem
contínuas e públicas declarações de “disponibilidade para o diálogo”, mas depois,
e na prática, se recusarem a negociar de forma séria o que quer que fosse. O
saco dos enfermeiros foi assim enchendo e enchendo até que, como era
inevitável, um dia transbordou de vez. E foi o que agora aconteceu.
Mas se a
dignidade e as condições mínimas adequadas ao exercício da profissão de
enfermeiro foram assim sendo sucessivamente degradadas ao longo dos últimos
10/15 anos, a verdade é que essa degradação se acentuou de forma muito
particular a partir de 2017.
É que
Portugal é, segundo os dados da própria OCDE, o país com menor número de
enfermeiros por 100.000 habitantes (4,2), quando a média geral é de 9,2. Há,
como já referido, inúmeros serviços que apenas conseguem funcionar com um
esforço sobre-humano dos enfermeiros, trabalhando as horas dos seus turnos mais
uma coisa inconcebível que são as chamadas “horas extraordinárias programadas”
(ou seja, horas extra, não para fazer face a situações excepcionais, mas sim
como meio “normal” de suprir necessidades, violando assim o próprio conceito
legal de horas extraordinárias).
Ora, face a
esta situação, o Governo de Costa tem, de forma manipulatória, anunciado que
tem contratado mais enfermeiros, mas sem que isso represente afinal mais
enfermeiros ao serviço. Como é tal possível? É, infelizmente, bem simples. Por
exemplo, até 2017 um determinado serviço funcionava com 15 enfermeiros, sendo
10 dos quadros (e cujos salários constam assim das “remunerações de pessoal”) e
5 contratados através de empresas prestadoras de serviços (e cujos valores
entravam pela rubrica, não de salários, mas de “serviços” do Hospital). Com a
declaração da inconveniência ou até da ilicitude deste tipo de contratação,
esses enfermeiros foram mandados embora, e o Governo contratou então para os
quadros (apenas) mais 2. E, assim, a Ministra da Saúde pôde, mais uma vez,
intoxicar a opinião pública proclamando que até aumentou em 20% (de 10 para 12)
o número de enfermeiros daquele serviço, quando na realidade eles diminuíram de
15 para 12!
3) O
“perigo” dos novos sindicatos
A chamada
“greve cirúrgica” decretada pelas 2 associações sindicais, o Sindepor e a ASPE,
é uma greve que perturba profundamente o Poder. E não só o Governo como também
os Sindicatos tradicionais, desde logo porque, não tendo aqueles sindicatos
elos de ligação político-partidária, as formas de controle habitualmente usadas
pelos partidos da área do Poder (como, por exemplo, o telefonemazinho para o
dirigente do sindicato ou da confederação sindical para que trate de acalmar as
respectivas bases…) aqui não funcionam. E os novos sindicatos, que já não se
satisfazem com uns protestos simbólicos à porta do Ministério ou com umas
formas de luta totalmente inócuas (como os abaixo-assinados, as cartas abertas
ou até as greves às sextas-feiras de tarde), são perigosos, quer para o
Governo, quer para os sindicatos tradicionais, que assim veem as lutas e os
trabalhadores nelas empenhados escaparem ao seu controle. E, desesperados, não
raras vezes se juntam até à entidade empregadora para atacar e discriminar os
outros sindicatos. Não nos esqueçamos de que já vimos este “filme” nas recentes
lutas dos professores e dos estivadores (como sucedeu com o STOP e o SEAL a
serem atacados e até, no primeiro caso, excluídos das negociações, quer por
patrões quer por outras associações sindicais!).
É este
autêntico pavor por a luta dos enfermeiros ter escapado ao controle dos ditos
sindicatos “tradicionais” que leva não só o Governo do Sr. António Costa ao
desespero e ao frenesim no ataque a essa mesma luta, como à complacência, senão
à cumplicidade, com esses ataques, e inclusive com a própria requisição civil,
por parte dos mesmos sindicatos “tradicionais”.
4) Porque
não cede o Governo?
António
Costa e o seu Governo são bem sabedores de que têm inúmeros outros
trabalhadores a atingirem o ponto de saturação quanto ao espezinhamento dos
seus direitos e às contínuas falinhas mansas do diálogo sem qualquer conteúdo
real e concreto. Desde os próprios médicos e outros trabalhadores da Saúde até
aos diversos profissionais do sector da Justiça, da Administração Interna, das
Finanças, etc., para já não falar dos trabalhadores do sector laboral privado
que constatam que o Governo não quer mexer uma palha nas mais gravosas medidas
da Tróica, como a da facilitação e drástico embaratecimento da contratação
precária e dos despedimentos colectivos, por extinção do posto de trabalho e
por inadaptação, bem como a da caducidade da contratação colectiva.
E, por isso
mesmo, Costa quer a todo o custo destruir esta greve, seja de que forma for,
para passar a mensagem aos outros trabalhadores de que “quem se mete com o
Governo PS, leva!” (lembram-se desta frase de Jorge Coelho?) e de que nem
pensem em fazer greves e/ou recorrer a formas de financiamento colaborativo
como forma de combater a arma anti-greve favorita dos patrões que é a asfixia
financeira).
O empenho
difamatório, persecutório e ameaçador das actuações do Sr. António Costa e do
seu governo têm aí a sua razão principal. E todos os trabalhadores do país
devem ver hoje nos enfermeiros aquilo que o Governo lhes reserva para amanhã,
quando se fartarem em definitivo das tais “falinhas mansas” sem conteúdo e das
lutas “folclóricas” e se dispuserem a combater a sério.
5) “Mas eles
até queriam negociar…”
É cada vez
mais óbvio que, desde o primeiro momento, aquilo que o Governo quis foi “acabar
com a greve dos enfermeiros” (para usar a própria terminologia da Ministra da
Saúde em instruções aos Conselhos de Administração hospitalares) por meio da
requisição civil. Aqui vão alguns factos, indesmentíveis, que inteiramente o
comprovam:
1.
O Governo começou por pedir, no final do ano passado,
um primeiro parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República,
quer sobre a licitude da greve, quer sobre a questão de saber se o Governo
poderia decretar a requisição civil dos enfermeiros fora da verificação de um
quadro de reiterado incumprimento dos serviços mínimos. E, ao mesmo tempo,
iniciou uma intensa campanha de propaganda disfarçada de “abalizadas opiniões
jurídicas”, sustentando e passando para a opinião pública a ideia de que a
requisição civil, mesmo sem incumprimento de serviços mínimos, era legal e
constitucionalmente possível;
2.
como o dito Parecer (o nº 35/2018, que terá sido
aprovado ainda em Dezembro de 2018, mas só foi publicado em 19/2 no Diário da
República, embora com data de 18/2) não lhe fosse favorável, declarando que os
elementos fornecidos pelo Governo “não são suficientes (…) para se concluir
pela ilicitude da greve” e ainda que “o Governo só poderá recorrer à requisição
civil dos enfermeiros nos termos do Dec. Lei nº 637/74, de 20/11, caso se
verifique um reiterado incumprimento ou cumprimento defeituoso dos serviços
mínimos estabelecidos”, o que fez o Governo? Meteu na gaveta o dito “Parecer”,
e tratou de, entretanto, forjar fundamentos para um “Parecer complementar” que
viesse então ao encontro dos seus desejos!
6) Cirurgias
URGENTES adiadas por causa da greve dos enfermeiros?
Seguiu-se
então o verdadeiramente inaudito, com o adiamento de intervenções cirúrgicas a
ser atribuído (nomeadamente em conversa com os doentes e seus familiares,
naturalmente indignados com a situação tal como ela lhes era narrada) à greve
dos enfermeiros, inclusive em estabelecimentos hospitalares onde não houve
sequer greve (caso do Amadora-Sintra e de Leiria) ou então em hospitais onde
essa não realização dos actos cirúrgicos foi propositadamente criada.
De que
forma? Designadamente através dos expedientes de, como sucedeu nos Hospitais de
S. João no Porto e Universitário de Coimbra, na altura da greve e da prestação
dos serviços mínimos, se alargarem os programas cirúrgicos que estavam
anteriormente delineados para uma extensão que nem com o funcionamento normal
dos serviços seria possível cumpri-los. Ou ainda de se alterarem, em cima da
hora, as classificações de prioridade dos doentes e depois, face à
impossibilidade assim criada de serem intervencionados, mandá-los para casa
porque… “a culpa é dos enfermeiros em greve”. Isto, ao mesmo tempo que sucedia
(mesmo já em requisição civil, mas também antes dela) os equipamentos e os
enfermeiros estarem prontos para a realização de actos cirúrgicos na parte da
tarde e, todavia, os mesmos não se realizarem nesse período do dia (como, por
exemplo, sucede, e desde há décadas, no Hospital de Viseu, ou seja, que não se
fazem cirurgias nas sextas-feiras da parte da tarde).
7) As
suspeitas acerca do Crowdfunding
O Governo
foi também lançando, através dos “especialistas” governamentais da
contra-informação, as insinuações de que o tal fundo de greve estaria a
consistir em donativos de origem duvidosa, designadamente de associações
políticas ou profissionais ou, sobretudo, de grupos privados da Saúde, que
assim pretenderiam fazer concorrência desleal e destruir o Serviço Nacional de
Saúde. E, mais do que isso, fez mesmo despertar dum longo e letárgico sono a
ASAE para, qual seu “braço armado”, vir realizar ao referido fundo dos
enfermeiros uma inspecção (que foi, não por acaso e muito significativamente, a
primeira desde que ela está legalmente prevista e regulamentada).
E, assim,
intencional e perversamente se preparou e se possibilitou aos usuais
comentadores e opinantes, bem como aos sempre activos trollsdas redes
sociais, começarem a propalar: “malandros dos enfermeiros. Afinal eles estão ao
serviço de grupos privados da Saúde e estão a ser financiados por eles para
acabar com o SNS!”.
É claro que
o facto de rigorosamente nada permitir suportar semelhantes aleivosias e de o
próprio site da Plataforma patentear que não havia donativos alguns dessa
natureza e origem duvidosas – tal como depois noticiou o Expresso do passado
Sábado, 16/2 – já não interessou nada, pois que a manobra (e a eficácia) da
calúnia estava irreversivelmente lançada.
E nenhum dos
caluniadores apareceu depois a retratar-se nos órgãos da mesma comunicação
social que antes os promovera.
8) A novela
dos Pareceres
Depois de o
Governo ter finalmente decretado aquilo que desejava desde o primeiro momento,
ou seja, a requisição civil, mas sem indicar, como devia, na fundamentação da
respectiva Resolução do Conselho de Ministros um único facto concreto do
alegado incumprimento dos serviços mínimos – incumprimento esse que os
enfermeiros sempre negaram veementemente – o que se seguiu ainda foi mais
inaceitável e inacreditável.
É que,
entretanto, o Sindepor apresentou na segunda-feira 11/2, no Supremo Tribunal
Administrativo, um processo administrativo especial e urgente para a protecção
do direito fundamental à greve, o qual – uma vez mais contra a posição dos
“especialistas” próximos do Governo – foi liminarmente aceite, sendo ordenada a
citação do Governo e do Ministério da Saúde para contestarem em 5 dias, ou
seja, até terça-feira 19/2.
Ora, não só
continuaram então as manipulações dos programas cirúrgicos e as alterações da
atribuição das prioridades, como se mantiveram as tais insinuações sobre o
financiamento colaborativo.
Tudo isto
até que na sexta-feira 15/2, ou seja, com o referido processo judicial a
decorrer, vemos a ministra da Saúde convocar para as 19h45 uma conferência de
imprensa (que depois prolongou cirurgicamente lá bem para o meio dos
telejornais) e a aparecer, triunfantemente, a invocar que já proferira um
despacho a homologar um (novo) Parecer do Conselho Consultivo da
Procuradoria-Geral da República, o qual considerava a greve ilícita por
questões relativas quer ao pré-aviso, quer ao financiamento, e ainda que –
pasme-se! – “a ilicitude da greve está fixada”, pelo que a mesma tinha que
acabar, procurando assim antecipar-se e substituir-se aos Tribunais e
arrogando-se uma competência que, nos termos do artigo 205º da Constituição, só
estes, e não de todo o Governo, têm, ou seja, a de declarar a ilicitude de
actos ou situações.
Mas há mais
ainda! É que, neste jardim à beira mar plantado que cada vez mais parece uma
verdadeira “república das bananas”:
1.
O dito 2º Parecer aparece publicado na terça-feira
19/2 (ainda que com data do dia anterior), bem como o 1º Parecer, que
permanecera fechado a sete chaves, mas já não era possível ignorar e cuja data,
pasme-se, está truncada, pois o texto publicado no Diário da República refere:
“Este Parecer foi votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral
da República, de … de fevereiro de 2019” (sic), assim não permitindo
saber com precisão quantos dias durou a respectiva “quarentena”;
2.
é publicado também um despacho de homologação (o nº
1741-A/2019), mas da autoria do Primeiro Ministro, e que afinal é restrito à
“parte relativa dos fundos de greve e às conclusões aí extraídas quanto à
ilicitude de uma greve financiada através do recurso a mecanismos de
financiamento colaborativo (crowdfunding)” (sic);
3.
o alegado – e publicamente anunciado nas televisões na
sexta-feira 15/2 – despacho de homologação da Ministra da Saúde nãoé
publicado e desaparece de circulação, e quando questionados pelos jornalistas
sobre o que afinal se passava, os Serviços do Ministério respondem que ele não
tem que ser publicado. Voltamos assim ao tempo dos despachos secretos de antes
do 25 de Abril…;
4.
o dito 2º Parecer do Conselho Consultivo não só
confunde, tão manifesta quanto lamentavelmente, as regras relativas ao
funcionamento das associações sindicais (constantes do artº 405º do Código do
Trabalho) com as regras legais de fundos de solidariedade ou do financiamento
colaborativo levados a cabo por grupos de cidadãos (a já citada Lei nº 102/2015),
como se permite um juízo opinativo da pretensa ilicitude da greve, com base –
pasme-se! – em meras suposições ou suspeições (as tais da “campanha negra”),
invocando que “pode vir a apurar-se a existência de donativos que são ilícitos,
por violarem o disposto no artº 405º, nº 1 do Código do Trabalho ou outras
normas ou princípios que vigoram no nosso ordenamento jurídico” (sic,
21ª conclusão), e que “a ilicitude desses donativos poderá provocar a ilicitude
da greve caso se demonstre que estes, pela sua dimensão, foram determinantes
dos termos em que a greve se desenrolou” (sic, 22ª conclusão).
Ou seja,
dizem os doutos juristas da PGR que, como não sabem se houve ou não donativos
ilícitos e se foi por causa deles que os grevistas fizeram aquela greve, então
a mesma greve é ilícita! Novo regresso ao 24 de Abril, com a teoria do: “como
não sei se fizeste ou não, então concluo que fizeste e que, deste modo, a tua
conduta é ilícita”.
O que,
aliás, não espanta, quando um dos autores do dito 2º Parecer, Eduardo André
Folque da Costa Ferreira, se permite produzir esta verdadeira “pérola” do mais
absoluto reaccionarismo:
“Em
situações de limite, como a desta greve, há que refletir sobre a definição de
mínimos nos serviços públicos essenciais, porventura reservando ao Governo a
última palavra, em lugar de permanecer confiada a tribunais arbitrais
desvinculados da prossecução do interesse público.”.
Por fim,
convirá dizer que o dito Despacho homologatório do Primeiro Ministro –
proferido sobre o parecer relativo à 1ª greve terminada em 31 de Dezembro e
restrito à questão do crowfunding– constitui apenas uma interpretação
oficial para os serviços, mas não para os trabalhadores que se encontram
no exercício do direito fundamental à greve (como bem opinou, entretanto,
contra os especialistas próximos do Governo, o Prof. Vieira de Andrade), não
tem eficácia vinculativa externa, nem tem natureza normativa (não é lei!) nem
jurisdicional (não é sentença) e não se pode de todo substituir à decisão dos
Tribunais.
É claro que
a “pólvora sem fumo” que o Governo julgou ter descoberto, mas que padece de
inúmeras irregularidades e ilegalidades, foi logo tão abusiva quanto
convenientemente amplificada para: “PGR decreta que a greve dos enfermeiros é
ilícita!”. E de imediato transformada em instruções urgentes para se “acabar
com a greve dos enfermeiros”, ameaçando-os com o corte das retribuições, com a
marcação de faltas injustificadas e com processos disciplinares visando
inclusive o seu despedimento.
E visa de
igual modo criar uma intolerável pressão sobre os Juízes do Supremo Tribunal
Administrativo para que não ousem proferir uma decisão desfavorável ao Governo
sob pena de, se o fizerem, logo “levarem”, ou seja, serem acusados também de
permitir o sofrimento e até a morte de doentes!
9)
Concluindo…
A fúria
persecutória do Governo parece assim não ter limites e decorre de todas as
razões já atrás enunciadas. Mas nada tem que ver com a vida ou a saúde dos
doentes, com cujas listas e tempos de espera o Governo e a Ministra da Saúde
nunca se preocuparam até à primeira greve dos enfermeiros. E cuja existência
real até procuraram falsear através de manipulações estatísticas e de apagões
informáticos operados pela chamada ACCS – Autoridade Central dos Cuidados de
Saúde no período de 2014-2016, e detectadas e denunciadas no Relatório da
Auditoria da 2ª secção do Tribunal de Contas nº 15/2017, de 17/10/2017, no
tempo em que tal Autoridade era presidida precisamente pela actual Ministra da
Saúde.
E, já agora,
em 2016 faleceram cerca de 2.600 doentes à espera de uma intervenção cirúrgica
sem que o Governo do Sr. Costa tenha decretado qualquer requisição civil contra
si próprio. E sem que a grande maioria das pessoas que agora tão violentamente
se insurgiu contra os enfermeiros tivesse então feito sequer algo de semelhante
em nome do direito à vida!
Mas se já
Gil Vicente foi certeiro ao dizer que “se queres ver o vilão, mete-lhe a vara
na mão”, não é menos verdade que mesmo os maiores gigantes têm pés de barro e
quem se habitua a mentir e a cuspir para o ar, inevitavelmente, acaba um dia
afogado pelo próprio cuspo!
Concorde-se
ou não com a greve de fome de Carlos Ramalho, Presidente da Direcção do
Sindepor, o certo é que ela é a expressão de uma vontade de dignificação de uma
classe que luta há bem mais de 10 anos e que esgotou todas as formas de luta
“fofinhas”. Trata-se de um enfermeiro que sente que está a lutar, não apenas
por si próprio e pela sua classe, mas sobretudo por todos os cidadãos que
precisam do SNS.
Termino
assim com um apelo, e um apelo muito sentido: não se despojem nunca do vosso
espírito crítico. Examinem as questões com seriedade e profundidade, não
alinhando nem em “bocas” nem, muito menos, em insultos ou campanhas negras de
homicídio de carácter. Não aceitem como legítimas a manipulação e a
contra-informação. Verifiquem sempre os factos. Debatam todas as questões até
ao fundo e não aceitem que esse debate seja substituído pelos chavões e sound
bitesrepetidos até à exaustão por quem não tem qualquer argumento.
Quem, como
os enfermeiros, tem a Justiça e a Verdade do seu lado, sabe que um dia lhes
será reconhecida a razão!
António
Garcia Pereira
Ah, não se preocupem com a minha saúde mental. Eu sou um
grevista porreiro, daqueles que não faz mossa nenhuma. Olhem por vós, que eu cá
me desenrasco.
O texto ficou escrito assim há vários dias, sem que tenha
tido entretanto oportunidade de o publicar. De então para cá um dos sindicatos
dos enfermeiros desconvocou a greve. Um outro sindicalista foi avante com a sua
greve de fome. Eventualmente conseguiu uma audiência com a ministra da saúde e
acabou também por desconvocar a greve.
No meio disto tudo, ainda persiste em mim o nojo de quem
argumenta para aqui e para acolá, mas que não soube nunca indagar acerca das
reais razões que levaram os enfermeiros a encetar a sua luta, e que não soube
nunca defender para si próprio e para o país inteiro um melhor sistema de saúde
público, com pessoal, infra-estruturas e materiais adequados, devidamente pagos
e motivados.
Já agora, deixo o link para apenas um dos diversos documentos
que os sindicatos dos enfermeiros foram divulgando ao longo do tempo acerca das
suas reivindicações:
E, pelo amor da santa, não me venham com a treta do "não há dinheiro", porque isso só revela ignorância. O dinheiro não se evapora!... Informem-se!
Foram todos atrás da tremenda lavagem cerebral posta a
funcionar num canal de televisão perto de si. E calha de hoje ter sido publicado
no youtube um vídeo que relata este tipo de situações muito bem. Se não
quiserem ler livros sobre o assunto e perceber a sério como funcionam as
televisões, ao menos vejam este pequeno vídeo a ver se a ideia passa. E, já
agora, desliguem os televisores... porque muitas vezes ver por lá o que o
ministro anda a fazer é mesmo pior do que não saber nada. Há fontes melhores...
mas se não quiserem ir a elas, pelo menos desliguem os televisores!
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