sábado, 16 de março de 2019
O músico é amador...
Seria bom se todos pudéssemos aspirar a fazer aquilo de que gostamos e a sermos remunerados por isso. No entanto, há imensos problemas que podem surgir na implementação de tal aspiração, em simultâneo, para todos. Por exemplo: poderia existir um conjunto de tarefas indispensáveis que ninguém quisesse executar...
No mundo da arte este problema assume talvez outras proporções. Mas entre todos os problemas que conseguimos imaginar na questão da tentativa de definição de um método de remuneração dos artistas, há um que aqui quero salientar: como é possível existir liberdade criativa se o artista depender da aceitação do seu público?...
A minha resposta é simples: não há.
Muitos artistas dirão que não é assim... De facto, se nos concentrarmos naquilo que nos vem de dentro e se desenvolvermos a técnica necessária para o expressar, para o trazer cá para fora, e se tivermos a sorte de encontrar um público que aprecia o que daí resulta, poderemos argumentar que nunca tivemos de achar um compromisso para conseguirmos uma remuneração.
Mas infelizmente esse não é sempre o caso. E sobretudo não é esse o caso quando o que alguém traz dentro de si não é exactamente aquilo que a maioria das pessoas ao seu redor quer sentir. E digo "quer sentir" e não "valoriza", porque é possível valorizar muito coisas que não queremos sentir. Talvez algumas pessoas com alguma consciência possam alguma vez valorizar uma reprimenda que considerem justa, mas duvido que comummente tenham vontade de a sentir.
Uma das condições para um artista poder ser verdadeiramente livre no seu processo de criação artística será então o de não depender do seu resultado para conseguir o pão para a boca. E isso, muito naturalmente, coloca a questão de saber: então como se há-de conseguir esse pão?
A minha resposta será uma de duas: é demasiado complexo para estar aqui a falar disso, ou simplesmente não sei.
Mas não deixo de apreciar o modo como o José Mário Branco fala da música como uma amante, que de vez em quando lhe paga uns copos, mas de quem ele optou (optou?) por nunca depender.
Na mesma onda, e ainda mais para diante, as palavras da Maria João Pires, em entrevista à revista Ípsilon (publicada no site do jornal Público a 27 de Janeiro de 2019):
"Qual é a sua posição relativamente aos concursos?
Aí sou muito radical: considero-os a morte da arte e da música, de tudo. Sejam bons ou maus, honestos ou desonestos: o concurso é inimigo de qualquer criatividade, de qualquer artista. E são o grande inimigo da possibilidade de as novas gerações terem ainda a oportunidade de transmitir aquilo que é essencial na música.
De que outra forma um artista pode ter o seu trabalho validado?
Penso nisso todos os dias, porque lido com os meus alunos. Tenho sempre esse dilema. A sociedade está construída de maneira a ninguém ter trabalho se não tiver prémios. Só temos duas opções: ou somos escravos dessa sociedade e aceitamos as regras desse jogo (e é nos 99% que são eliminados que estão os verdadeiros artistas, que poderiam vir a transmitir a arte através das gerações) ou resistimos... Nós podemos ter vários trabalhos. Eu fui estudante durante muitos anos, na Alemanha, e não houve nenhum ano em que não estivesse a trabalhar numa casa, a lavar pratos, a lavar o chão, a cozinhar... Há muita gente que dá aulas, que faz outras coisas... Podemos fazer muita coisa, não precisamos de ser pianistas a tempo inteiro. Hoje, os músicos são criados para serem mimados, para serem os futuros grandes músicos que vão ganhar fortunas. Vão ter muito cuidado com as mãos, vão pôr-se numa posição em que estão fora do resto do grupo, em que são as estrelas. E isso não é ser músico!
Como é que define um músico, então?
O músico é amador, faz outras coisas para ganhar a vida. Eu ganhei a vida com a música e tive sempre, sempre o cuidado de utilizar o dinheiro que ganhava em algo que pudesse ser útil para as pessoas e nunca para meu conforto pessoal, porque acho que... não é justo."
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