sexta-feira, 27 de março de 2020

Ciência em tempos de pandemia...

Fico com a ideia de que nos dias de pandemia que estamos a viver, estamos de algum modo a dar mais valor à ciência. Valorizamos e acreditamos no trabalho dos cientistas, realçamos como para a compreensão e combate da doença são necessários médicos, farmacêuticos, engenheiros, matemáticos, químicos, físicos... até coisas esquisitas como epidemiologistas! Ao mesmo tempo, parece-me não demonstramos a confiança habitual na pseudociência.

E isso, para quem como eu acredita no valor da ciência, estaria muito bem, não fosse este conjunto de atitudes revelar uma incompreensão em relação à ciência que já existia, e que continua a existir.

Aliás, pensando bem, como é que de repente a sociedade inteira teria ganho consciência sobre o método científico, as suas vantagens e desvantagens face a outros métodos, e teria mudado a sua atitude em geral perante a ciência?... Não pode! A médio ou longo prazo, talvez. Assim, de repente, não pode.

Este artigo pretende ser mais sobre a ciência do que a pseudociência e actividades afins. Mas não posso deixar de reparar como neste momento não existem demonstrações em massa de fé relativamente à numerologia, à astrologia, à cartomância, à homeopatia, aos movimentos anti-vacinas, à cura pelos cristais, aos curandeiros, à naturopatia, à iridologia, à reflexologia e a mais sei lá o quê!... Nem sequer à medicina tradicional chinesa!... Ide lá ver como é que os chineses ultrapassaram a epidemia...

O que, neste momento, me parece mais preocupante é esta outra fé na ciência, esta crença profunda de que a ciência tudo resolve.

Parece que, enquanto sociedade, conseguimos situar-nos bem num extremo, o que considera que a ciência é apenas uma maneira de fazer as coisas, semelhante a tantas outras, ou noutro extremo, o que considera que a ciência tudo pode, mas parece que não ficamos confortáveis numa situação intermédia.

No fundo, parece que não gostamos de dúvidas. Gostamos de certezas. Quando confrontados com uma pergunta do tipo: a ciência irá resolver? Gostamos de poder dizer sim, ou não, mas não gostamos de ficar na dúvida. Não é só o admitirmos que não sabemos, que não temos respostas para tudo... É mesmo a sensação de incompletude que a dúvida deixa. Parece que precisamos de preencher esse vazio com alguma coisa... precisamos de alguma coisa muito definida em que acreditar.

Infelizmente, a realidade é bem outra.


Suspeito que muitas pessoas, quando pensam em ciência ou em cientistas, imediatamente recordam imagens de laboratórios com gente de bata branca, paredes brancas, bancadas brancas, tudo muito branco, tecnologia caríssima por todos os lados, máquinas brancas com luzinhas coloridas... Recordam complexos inteiros de edifícios como o do CERN e o seu acelerador de partículas, dos laboratórios LIGO e os seus detectores de ondas gravitacionais, ou o centro de Los Alamos onde foi estudada a cisão nuclear. Talvez imaginarão os cientistas como pessoas super inteligentes, com hábitos estranhos, difíceis de compreender... pessoas um pouco aluadas, longe do mundo dos comuns mortais.


Em boa verdade, a ciência não se define por nada disso. Há muitos laboratórios muito brancos e pejados de alta tecnologia onde não se faz ciência alguma. E há muita ciência que se faz apenas de papel e lápis, ou nem sequer isso, simplesmente dentro da cabeça das pessoas. E muitas cabeças que fazem ciência são cabeças normais. Nós próprios fazemos ciência em dias alternados!

O que é isso de "fazer ciência"? É simplesmente o processo de aumentar o conhecimento recorrendo a um método científico. Como já alguém antes de mim disse, todos nós fazemos ciência quando vamos comprar uvas e resolvemos experimentar algumas uvas antes de concluirmos se o cacho é bom ou não. Quando olhamos para o cacho e, dentro das nossas cabeças, nos perguntamos se elas são boas ou não, não rejeitamos a dúvida e não concluímos logo por um ou outro resultado. Em vez disso, resolvemos investigar. Então tiramos uma uva e provamos. Concluímos: é boa! Mas sabemos que só uma uva pode não ter representatividade para o cacho todo... Às tantas pegamos numa uva naquele cacho que calhou de ser a melhor de todas, e todas as restantes são piores. Então resolvemos aumentar a dimensão da amostra, para aumentar o nosso nível de confiança, e tiramos outra uva qualquer. Como acreditamos que as uvas próximas daquela que já comemos não devem ser muito diferentes dela, e como queremos que a amostra seja representativa, vamos escolher uma uva doutro sítio mais afastado no mesmo cacho. Provamos... e concluímos: é boa! Satisfeitos com o grau de confiança que temos sobre a qualidade daquelas uvas, decidimos comprar o cacho. Mas, mesmo assim, sabemos que algumas uvas lá no meio podem não ser tão boas como aquelas que nós provámos. Ou seja, não rejeitámos por completo a nossa dúvida inicial. Isso é "fazer ciência". E nem sequer papel e lápis é necessário!

Posto da sua forma mais simples, a ciência é basicamente um método que sustém uma dúvida metódica e tenta investigar a verosimilhança, isto é, a probabilidade de veracidade, das diversas possibilidades de resposta por confrontação com a observação do mundo real.

Ao contrário das pseudociências, que geralmente tentam criar em nós a sensação de certeza, convencendo-nos da veracidade das suas afirmações, a ciência tenta levantar em nós dúvidas acerca daquilo que julgamos saber e pistas de investigação sobre o que é desconhecido.



O método científico é, aos meus olhos, o melhor método que a humanidade possui para tentar conhecer, com rigor, o mundo em que vive.

Mas, ao contrário do que isso possa fazer acreditar, a ciência não nos devolve respostas definitivas para nada. O próprio método científico inclui, geralmente, uma parte sobre a estimação da verosimilhança de cada solução. Ou seja, é sabido à partida que a solução proposta pode estar certa ou errada, que ninguém sabe isso, que possivelmente nunca ninguém saberá, mas que a probabilidade de estar certa deve ser tal ou tal.

A ciência vive muitas vezes mais de falsificar os seus próprios resultados, de demonstrar que são falsas proposições antes avançadas como "leis", do que de demonstrar que alguma coisa é verdadeira. Em boa verdade, a ciência nunca demonstra que uma coisa é verdadeira! As demonstrações de veracidade são algo que só existe no mundo das ideias, na matemática e na filosofia, e não existe nos ramos do saber que dependem do confronto com a realidade, que dependem da experimentação.

Na prática, a tecnologia depende dos nossos avanços no conhecimento, muitas vezes, mas nem sempre, proporcionados pela ciência. Ao contrário, a ciência depende da tecnologia para agilizar processos e para permitir experiências que de outro modo não seriam possíveis.



Se quisermos testar a "queda dos graves", isto é, testar que uma pena cai à mesma velocidade que uma esfera de chumbo, precisamos de tecnologia para o fazer. De nada adianta subirmos à torre de Pisa e lançarmos os dois objectos... Precisamos de uma câmara de vácuo, para retirar quase todo o ar do caminho dos objectos em queda. E só assim conseguiremos fazer a experiência e verificar se a hipótese de que "todos os objectos caem à mesma velocidade" está ou não de acordo com aquilo que é observado.

Mas se a ciência e a tecnologia dependem um do outro, não são a mesma coisa.

Um aspecto muito importante que é necessário entender acerca da ciência, é que ela não nos dá resposta a todas as questões. Há questões filosóficas, como a existência ou não de um ou vários deuses, às quais a ciência não pode responder. Mas há sobretudo a questão de não sabermos nunca o que virá.

Depois de Newton, muitos pensaram que as suas leis da gravitação eram definitivas, precisamente porque todas as experiências efectuadas no mundo real estavam de acordo (para lá da incerteza associada à mediação de seja o que for) com as predições do seu modelo. No entanto, anos mais tarde, Einstein fez ciência, na sua cabeça, com papel e lápis, e concluiu que em situações limite, situações que geralmente não observamos no mundo real, esse modelo não iria funcionar bem. E avançou com uma proposta de modelo alternativo. Esse modelo alternativo dava as mesmas respostas que o modelo de Newton para as situações habituais, mas nas situações limite produzia resultados diferentes.

Agora reparem como é que se faz ciência! Depois de Einstein ter avançado com a sua proposta alternativa, existiam (pelo menos) dois modelos alternativos que explicavam igualmente bem tudo aquilo que tinha sido observado e medido até então. O que era necessário para decidir qual dos dois modelos era melhor, era colocá-los à prova nas tais situações limite. O processo científico passou então pela construção mental de experiências que pudessem permitir-nos observar essas situações limite. Munidos desse conhecimento, os cientistas de todo o mundo passaram o próximo século a tentar construir essas experiências, processo que ainda hoje continua. E, tanto quanto podemos dizer, o modelo de Einstein safou-se melhor que o modelo de Newton.

Assim, hoje em dia, as pessoas usam, para as situações comuns, o modelo de Newton, e para as situações extraordinárias, o modelo de Einstein. Sabemos que este último é mais "verdadeiro" que o primeiro, mas o primeiro é bastante mais simples e é suficiente para as situações do dia-a-dia.

Mas será o modelo de Einstein o "verdadeiro modelo"?... Ninguém sabe. Actualmente existe pelo menos um cientista, por acaso português, a apontar falhas ao modelo de Einstein. E é assim, apontando falhas, levantando questões para as quais não existe resposta pronta, que o conhecimento de todos evolui.

O conhecimento não evolui com certezas, o conhecimento evolui com dúvidas!

Centremo-nos agora um pouco na pandemia que temos em mãos... ops!... vou já lavar as mãos!!...

Há bem pouco tempo, há apenas dois séculos, não havia grandes evidências de que as doenças se propagavam através de pequenos seres vivos... Havia teorias sobre o assunto, isso sim, mas não existiam evidências. Quanto aos vírus, que são bem mais pequenos que as bactérias, eles só foram descobertos na última década do século 19, há menos de 130 anos!

Toda a evolução recente da medicina, com os resultados que estão à vista de todos, é um exemplo excelente de uma evolução quase simbiótica entre tecnologia e conhecimento, associada à sistemática construção de experiências para tentar refutar hipóteses. Sempre um processo de dúvidas, hipóteses, experiências, dúvidas, hipóteses, experiências...

A ciência é uma actividade humana como todas as outras. Os cientistas são seres humanos como os outros. E isso quer dizer que, tal como noutras actividades e com outras pessoas, a ciência e os cientistas estão sujeitos a erros. Muitos erros!...



Desenhar bem uma experiência científica no ramo da medicina não é fácil. Não é fácil, não é rápido e não é barato. E é por causa disso que o mundo está pejado, talvez ao contrário do senso comum, de experiências científicas erradas.

Para nos certificarmos de que uma afirmação qualquer não é uma aldrabice, não nos basta saber que existe um "artigo científico" sobre o assunto, ou que algum "cientista" se pronunciou sobre a matéria. Porque existe muita má ciência e muitos cientistas que se espalham ao comprido.

Portanto cuidado!... A dúvida é a nossa melhor conselheira. Aqui e noutras situações, não nos devemos contentar com a primeira certeza que o nosso cérebro achar confortável. Devemos investigar. Muito. E não, não há alternativa... A não ser que queiram confiar esse trabalho a um "fazedor de opinião" que costumam ver na televisão, no telejornal das nove.



É importante saber um pouco de ciência para conhecer um pouco os seus limites.

Muitos de nós, em tempos de pandemia, acreditam que se existe um vírus, então nós damos dinheiro aos cientistas, e eles devolvem-nos uma cura ou, melhor ainda, uma forma de nos tornarmos imunes sem nunca termos contraído a doença.

Mas... como é que um cientista sabe quais são os elementos químicos e as substâncias químicas que estão presentes numa maçã?... Há uma data de conhecimento acumulado sobre o assunto. Há teorias, há tecnologia... podemos sujeitar uma maçã às mais duras provações! Mas ao certo, ao certo, com 100% de certeza, ninguém pode dizer tudo o que existe numa maçã.

O corpo humano é muito mais complexo do que uma maçã. As incógnitas são muitas mais!...

Quanto ao novo coronavírus, bem... ele é novo!...

Já pensaram como é que alguém sabe que uma nova doença é causada por um novo vírus?... Para percebermos como esse passo que parece tão simples já tem a sua complexidade, é necessário sabermos que o vírus tem, no máximo, uns 200 nanómetros de diâmetro, isto é, cerca de 1000 vezes mais pequeno que o diâmetro de um cabelo. Isso faz com que o vírus seja praticamente impossível de detectar com os melhores microscópios ópticos. Detectar... porque depois há a tarefa de identificar... de saber se é algum vírus com o qual já tenhamos contactado no passado!



Quando uma pessoa está doente, sobretudo quando está doente com uma doença nova, geralmente é muito difícil para um médico fazer o diagnóstico correcto. Porque doenças há imensas, muitas delas podem atacar em simultâneo, com interacções nem sempre fáceis de reconhecer, as pessoas reagem de forma diferente, os médicos estão naturalmente enviesados para identificar casos "normais", etc.

Assim, a simples identificação de uma nova doença, o reconhecimento de que é causada por um vírus, a detecção e identificação do vírus como algo novo, só isso já deve merecer a nossa consideração.

Mas depois da identificação do problema, há a etapa dedicada à sua resolução.

Como é que se combate um vírus?...

Temos de ter consciência que existem, neste preciso momento, muitos vírus que atacam o ser humano e para os quais não existe cura. Por exemplo, o vírus da herpes ou o HIV.

Temos também de ter consciência que há sempre vírus novos a surgir. Por exemplo, todos os anos lá vem um novo vírus da gripe... A ciência ajudou-nos a construir vacinas para a gripe. Mas!... um grande mas, não existe uma vacina universal. Todos os anos é necessário produzir uma nova vacina para o novo vírus. E só é possível ajustar os ingredientes da nova vacina depois de conhecer o vírus que nos está a atacar!

Ou seja, mesmo para uma doença recorrente como a gripe, que mata todos os anos mais de 300 mil pessoas (em 1918 foram 100 milhões!), não conseguimos, no estado actual da arte, produzir uma vacina universal que antecipe a emergência do vírus e nos dê imunidade para o que há-de vir!

Mais do que isso: ninguém sabe, com 100% de certeza, se isso alguma vez será possível de obter, uma espécie de vacina universal que nos proteja do que há-de vir, mas que ainda não existe.

É preciso compreender que a ciência, mesmo sendo a melhor forma de aumentarmos o conhecimento sobre o mundo que nos rodeia, é apenas um método, uma maneira de pensar e de agir, tal como fazemos quando testamos as uvas que queremos comprar. A ciência não é algo que nos dê grandes garantias, sobretudo acerca daquilo que nos é desconhecido.

A minha actividade profissional actual é a estatística. Tenho estado, desde quase o início da identificação desta nova doença COVID-19, a construir modelos matemáticos de estimação da evolução dos casos de infecção para diversos países.

Deixo-vos então um exemplo do que a ciência e a técnica conseguem fazer, e do que não conseguem fazer.

No gráfico em baixo, pode ver-se a evolução do número total de casos de infecção em Portugal (linha a preto, com cruzes) até 27 de Março. Pode igualmente ver-se o andamento de quatro modelos alternativos.



Conforme é visível, o ajustamento aos dados reais é muito bom, para qualquer dos quatro modelos alternativos.

Se quisermos antecipar quantos casos novos surgirão amanhã, e sem sabermos mais nada (já voltarei a isto mais adiante), qualquer um destes quatro modelos dá respostas que muito provavelmente não se irão afastar muito do valor real. Até posso avançar os valores previstos pelos cinco modelos para o dia 28 de Março, e ficará assim aqui, para a história, a adequação ou não das previsões à realidade.


Modelo1: 5047
Modelo3: 4896
Modelo4: 5007
Modelo5: 4967

(Actualização: o verdadeiro valor para 28 de Março foi de 5170)

Se quisermos antecipar o número de casos novos para dois ou três dias mais adiante, os modelos também ajudam.

Mas, e este é o ponto onde quero chegar, se quisermos saber onde é que estes modelos nos conduzem, isto é, aquilo que verdadeiramente precisamos de saber, o número máximo de novos casos diários, o número total de infectados, e consequentemente o número de casos graves que vão requerer cuidados intensivos, etc., estas são as quatro respostas que os quatro modelos alternativos nos apresentam:



Ou seja, tudo é possível!...

É possível construir modelos bem mais complexos do que os quatro que eu construí. Talvez consigam previsões a curto prazo melhores que os meus modelos, acredito que sim.

Mas não há neste momento um estatístico, matemático, epidemiologista ou vidente que possa ter a certeza, ou sequer um grau de confiança elevado, acerca do resultado final desta pandemia.

Não é a ciência que está a falhar. É simplesmente a natureza das coisas: há processos para os quais é muito difícil conseguir prever o que vai acontecer. Ponto.

Isso é especialmente verdadeiro para os processos em que o ser humano tem uma intervenção directa. Porquê?... Porque os resultados dependem das acções dos seres humanos mas, ao mesmo tempo, as acções dos seres humanos também dependem dos resultados.

De facto, se os modelos previssem desde o início que com intervenção ninguém morreria e sem intervenção morreriam todos, toda a gente começaria imediatamente a intervir!

Mas prever os comportamentos dos seres humanos, e as interacções entre esses comportamentos e as informações que lhes chegam, é muitíssimo difícil.

É por isso que as "ciências sociais" têm tanta dificuldade em produzir resultados fidedignos. É por isso, por exemplo, que ninguém consegue prever com segurança a emergência da próxima crise económica.



É preciso salientar um aspecto no que acabei de dizer: ninguém consegue prever com segurança. Prever, toda a gente consegue. E como toda a gente consegue prever, há previsões para todos os gostos. É sempre muito fácil, à posteriori, dizer "fulano de tal é um génio, porque conseguiu prever que isto ia acontecer!". Não... isso não significa que seja um génio. Significa simplesmente que quando se fazem muitas previsões alternativas, eventualmente uma delas lá terá de acertar!

No último campeonato mundial de futebol, em 2018, um grupo de matemáticos resolveu demonstrar o que acabei de dizer. Para isso, pediram ao maior número de pessoas possível que tivessem cães de estimação, para fazer a seguinte experiência:

iriam escolher um método para "interpretar" os sinais do cão de forma a "entender", para cada jogo, qual era o resultado final previsto pelo cão: ou ganhava a primeira equipa, ou ganhava a segunda, ou empatavam. O método podia ser a colocação da pata assim ou assado, a escolha de um biscoito em vez de um chocolate, qualquer coisa.

À medida que os jogos do campeonato iam decorrendo, os cães que falhassem nas suas previsões iam sendo eliminados. No final, conseguiram identificar um cão que adivinhou os resultados de todos os jogos correctamente! Era, claramente, um cão com poderes especiais!...

Ou então era simplesmente um cão como os outros, que calhou de acertar nas previsões que eram, em boa verdade, feitas ao calhas.

Não consegui encontrar um vídeo do cão... vai um vídeo do polvo que uns anos antes também adivinhou uma série de jogos:


A ciência não consegue responder a tudo.

No ramo da mecânica dos fluidos, existe um conjunto de equações que modelam o comportamento dos fluidos na sua integridade. São as equações dos senhores Navier e Stokes. São equações diferenciais simples, que resultam de princípios simples, como a conservação da energia. No entanto, não existem soluções gerais para o sistema de equações! Só existem soluções para casos muito simplificados. Para lá disso, a modelação do comportamento dos fluídos só se pode socorrer de modelos numéricos, isto é, modelos que nos dizem: se agora a sitação é exactamente esta, no instante imediatamente a seguir a situação será aproximadamente aquela.

Só que, mesmo munidos desses modelos numéricos, não conseguimos resultados muito melhores. Isto porque os pequeníssimos erros em cada etapa da iteração acumulam-se e multiplicam-se.

Há sistemas que são inerentemente caóticos. Isto é, apesar de sabermos que são mecânicos e conhecermos com bastante rigor as razões pelas quais vão de um estado ao outro, não conseguimos nunca prever a evolução do seu comportamento a longo prazo.

A mecânica dos fluídos é um bom exemplo. E é por isso que, não importa quão avançada é a ciência e quanto dinheiro despejamos em cima dos cientistas, nunca seremos capazes de prever, mas prever com segurança!, o estado do clima num local do planeta com um ano de antecedência.

A imagem seguinte mostra um conjunto de previsões de trajectórias possíveis de um furacão no Sul dos EUA.

The Error Cone and Visualizing Uncertainty – ZastrowPhysics

A ciência é, aos meus olhos, o melhor método para conhecermos o mundo em que vivemos. Devemos, por diversos motivos, apostar na ciência. Claro que sim! Mas temos de ter a noção do que a ciência pode e não pode fazer, e temos de ter a consciência de que os seus resultados são incertos.

Portanto, em tempos de pandemia, tal como em todos os outros, temos de fazer o que estiver ao nosso alcance, sem esperar soluções milagrosas.

2 comentários:

  1. Obrigada pela partilha, caro cientiador, que aguentas além da própria dor. A maior de todas: a de não ter certeza de nada dá trabalho comócaneco!

    Não gostei desse ar de fresco sobre as Ciências Sociais...é tão maravilhosa a infiel subjectividade! :D pelo menos o Pavlov continua a tranquilizar-me um pouco, na hora da gula.

    :) abreijos, sorrisos e sentido de humor enrolado em sentido do saber!

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  2. Há lugar para tudo na vida, e bendita seja a poesia, mas a ciência é a procura de objectividade. Quando lançamos uma pedra num abismo, é fácil prever a sua trajectória com rigor. Quando lançamos uma pessoa num abismo, muito pode acontecer... objectivamente! Os cientistas sociais, nos quais eu também me incluo, têm é de sentir-se orgulhosos por se dedicarem ao objecto de estudo mais difícil que existe: nós! Relacionado com este assunto, e para quem nos possa ler, o livro "imposturas intelectuais" do Alan Sokal. Um beijo grande Liliana! :)

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