Hoje acordei com o míssil russo, que afinal parece ser ucraniano, caído na Polónia.
https://www.jornaldenegocios.pt/economia/europa/invasao-da-ucrania/detalhe/missil-russo-atinge-polonia-duas-pessoas-morreram
https://sicnoticias.pt/especiais/guerra-russia-ucrania/2022-11-16-Zelensky-insiste-que-missil-que-caiu-na-Polonia-e-russo-80f8d250
A mim não me interessa que seja russo ou
ucraniano. O que é que isso significa, afinal? Que foi produzido, transportado,
comprado e accionado por pessoas que nasceram ou vivem num determinado
território do planeta e falam uma determinada língua? Que diferença me faz que
falem ucraniano ou russo, se o míssil não deixa de ser um míssil, e se quem o
lança o faz para matar e assim se faz besta? Quem é que tem mísseis e os lança
por aí quando está mal disposto? O João? A Maria? Eu? Tu?... Quem é que se
lembra de os produzir, para ganhar uma massas ou para quando der jeito? Tu? Eu?
A Maria? O João?... Onde está aí a democracia?...
Levam-nos a acreditar que o míssil e o submarino são
importantes para a nossa defesa. Nós acreditamos, sem nos lembrarmos que do
outro lado, outros farão exactamente o mesmo, e também os ministros da guerra
deles, tal como os nossos, se chamarão ministros da defesa. E sim, temos de
concordar que são ministros da defesa… mas talvez devamos reflectir um segundo
que seja sobre aquilo que estes senhores engravatados estarão realmente a
defender. Ou então não acreditamos que os mísseis são importantes para a nossa
defesa, mas como nos sentimos impotentes, nada fazemos. E assim, munidos do
nosso silêncio ou anuência, os arautos da democracia à moda deles vão-nos aos
bolsos, tirar o que amealhámos através do nosso trabalho, e zás, mísseis e
submarinos.
E depois um deles, em vez de matar bem matadinhos os
matadores inimigos, os maus, vai-se estatelar num tractor num campo qualquer lá
para a raia da Polónia! O condutor do tractor certamente também não se deve ter
importado muito se ele vinha de Este ou de Oeste ou de qualquer outro ponto
cardinal. Caiu-lhe em cima, e ele foi-se, feito dano colateral da defesa da
democracia à moda deles, sejam eles os bons ou os maus.
Interessa-me muito, preocupa-me sim, que quer sejam lançados
ou não, quer atinjam os maus ou não, existam mísseis, sejam produzidos, sejam
vendidos e comprados e utilizados ou simplesmente armazenados por gente
engravatada que, não apenas esconde os benefícios próprios que retira desse
negócio, mas ainda os mascara e propala como sendo o nosso próprio benefício.
Preocupa-me ainda mais que existam empresas da propaganda,
aquelas a que alguns chamam de comunicação social, mesmo que sejam cada vez
mais associais e que minem, directa e indirectamente, e cada vez mais, a
comunicação, que existam tais empresas a darem-nos uma determinada visão do
mundo, despudoradamente enviesada.
Se ninguém souber ao certo a história do míssil, invente-se
então que foram os maus. E mesmo que depois se descubra que o míssil era dos
bons, afirme-se que a responsabilidade continua a ser dos maus, porque, afinal,
sem maus não eram necessários mísseis. Se se sabe ou não se sabe, não
interessa. O que interessa é vender uma notícia. E como a notícia não é inócua,
logo se faz notícia sobre a reacção dos senhores engravatados à notícia original.
Preocupa-me ainda mais que um banho de informação de
qualidade não aferida não signifique, não implique, não gere, públicos de raciocínio lógico, ponderado,
consequente. Pelo contrário, públicos de raciocínios ilógicos, imponderados e
inconsequentes, ou de consequências negativas, até para si próprios, julgam-se
senhores da razão, do conhecimento e do discernimento precisamente porque nadam
num oceano de informação. Se a informação é desconexa, isso só a torna mais
adequada!
--
Já lá vão meses de guerra. Já chega? Ou será que ainda nos
vamos manter agarrados à estratégia naïve, para não dizer mesmo inconsciente,
para não dizer mesmo assassina, do “nós temos razão, só terminaremos a guerra
quando os outros nos derem a razão, ou quando nos pudermos ver livres deles”?
Montaram para nós, com imensas máquinas de propaganda, as
tais empresas da tal comunicação, ideias belas de democracias, mesmo que à moda
deles, de princípios que não são implementados a não ser no mundo cor-de-rosa
que criámos à sua conta. Incluíram, também para nós, um determinado território
e as suas gentes, até então desconsiderados, na geografia da nossa democracia
cor-de-rosa. Mostraram-nos como os maus são maus e colocaram isso tudo em
causa. Sentimo-nos atingidos nas nossas ideias, na defesa, sempre a defesa, do
nosso mundo cor-de-rosa. Armámos logo campanhas de recolha de bens do mesmo
modo que fazemos para os animais domésticos abandonados, porque é assim que
vemos a nossa participação na democracia à moda deles, que nós julgamos ser à
nossa moda. Aceitámos sem pestanejar as sanções impostas contra os maus,
primeiro inconscientes do impacto que teriam sobre nós mesmos, depois com
orgulho do nosso empenho, do nosso sacrifício, em defesa dos valores
proclamados, mesmo que tantas vezes esquecidos, pela nossa democracia. Agora
papámos os preços e os juros altos, obra e graça de um sistema monetário maquiavélico supostamente construído para defesa dos nossos interesses económicos, e vemo-nos a braços com dificuldades económicas, mas
continuamos a doar parte do nosso trabalho árduo para que o chefe dos bons, lá
nessa terra distante, possa comprar mais armas aos outros chefes, que não têm
nada a ver com isso, dizem eles, e assim possa mostrar aos maus o quanto eles estão
errados. Benditos mísseis!...
Já chega de parvoíce?... Há gente a sofrer e a morrer… Já
chega?
Vamos deixar de ser totós? Vamos perceber porque é que há
gente a produzir mísseis, a vendê-los, a comprá-los, a armazená-los e a lançá-los?
Vamos perceber porque é que existe esta pressão tão grande, de um lado e de
outro, para não parar com a guerra? Vamos fazer um esforçozito para deixar de
papar o que nos dá diariamente o grande Ministério da Verdade?
Enfim, deixo-vos com o texto do José Goulão, que já é velho de
Março deste ano, mas que infelizmente é tão actual.
https://www.abrilabril.pt/internacional/torquemadas-do-pensamento
E um dia, quando esta guerra acabar, vamos fazer um
esforçozito para olharmos por nós abaixo e vermos, por entre as instituições do
nosso país, e outras em que o nosso país se insere ou com as quais alinha, como
as da União Europeia, da ONU, dos Estados Unidos da América, de Israel e outros
países, as atrocidades nas quais estivemos e ainda estamos envolvidos? Vamos
fazer um esforçozito para perceber quão deficiente é esta democracia que nos
venderam? E o quanto do nosso trabalho canalizam esses senhores engravatados na
defesa dos interesses que são só deles e não são nossos? Vamos emancipar-nos um
bocadito dos oligarcas, seja qual for o território onde eles nasceram ou onde
vivem, e seja qual for a língua que falem? Pode ser? Ou será pedir muito?
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