Já dizia o alemão barbudo, e muitos depois dele, inclusivamente o Fernando Rosas, cujas palavras seguintes podem ser escutadas na parte final do filme "25 anos de paciência impaciente", PSR, 1998, disponível na Internet.
Não posso deixar de considerar,
por muito antiquado que isso pareça,
que o grande separador de águas em termos teóricos e práticos
entre esquerda e direita
continua sendo a atitude que se toma face à iniquidade básica
em que repousa o sistema capitalista,
ou seja, em relação àquela relação social fundamental
mediante a qual parte do produto de quem trabalha
é expropriada por quem não o faz.
A resposta que se dá em termos teóricos e práticos a esta questão
continua a ser o que divide a direita e a esquerda,
por muito que um certo discurso ideológico
tente hoje descentrar esta questão
e mesmo negar a actualidade da dicotomia.
É bem certo que esta matriz fundamental do pensamento socialista
deu origem a duas grandes ordens de equívocos, historicamente,
o do socialismo digamos que ocidental,
que se transformou numa pura gestão do sistema capitalista,
e de um socialismo dito real,
que se transformou, ele próprio, numa reprodução
de um sistema capitalista
tão injusto e odioso como o tradicional.
O que significa que o grande desafio que se coloca à esquerda
em termos modernos, continua a ser o de se reencontrar
através da crítica das experiências históricas do socialismo
ou seja, que sistema há-de ser esse,
que organização há-de ser essa
que seja o princípio do fim do Estado,
e não a reprodução do sistema capitalista de outras formas,
que organização há-de ser essa
que permita simultaneamente o progressivo esvaziamento
das discriminações tradicionais entre sexos,
entre o trabalho manual e o intelectual,
entre a cidade e o campo,
e que permita também o maior progresso
económico, social, material, intelectual
a maior criatividade,
como compatibilizar isso,
nomeadamente com certos mecanismos de economia de mercado,
ou como superar o pluralismo limitado que hoje existe
dominado pelas oligarquias partidárias tradicionais
com um novo pluralismo mais amplo
que permita a intervenção participativa
das organizações de cidadãos
na vida da colectividade.
Tudo isto são utopias, dirão alguns,
mas eu pergunto
o que é que é intelectualmente mais sério:
se perseguir a luta por uma sociedade mais justa
ainda que assumindo o prolongado da jornada
ou se, pelo contrário,
satisfazermo-nos com essa espécie de letargia digestiva
que algumas pessoas empanturradas de bom-senso
nos aconselham
elogiando as virtudes de um sistema
que hoje elogiam com tanto zelo
como exactamente ontem atacavam.
Para mim,
que não tenho actualmente nenhuma filiação partidária,
nem estou particularmente inclinado
para esse tipo de actividade,
talvez que ser de esquerda seja, ao menos,
ter o pudor de não dar tal espectáculo.
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Ou, como questionava o José Mário Branco:
quantas vezes já tentámos nós? 914? ainda não. 606? ainda não. mas talvez quem sabe 10, 20?... qual é o preço da esperança?... acordai! acordai homens que dormis a embalar a dor dos silêncios vis!
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