Este livro, "Salgalhadas na Lusolândia", foi publicado, tanto quanto sei, em 2009. Mas poderia ter sido escrito e publicado em qualquer outro ano. Infelizmente as semelhanças entre o que nele é retratado e as realidades de muitos países e em muitas épocas não é coincidência nenhuma. Felizmente o Zé Luís incita-nos à reflexão através do humor... ou será que somos nós que precisamos desse humor como arma de defesa?...
O título do livro predispõe-nos... Os trocadilhos com o Aristóteles Acomodado e os Hipermercados Incontinente acentuam o carácter humorístico... Mas pergunto-me se o título fosse outro e esses trocadilhos não estivessem lá, se chegaríamos sequer a reparar na enorme quantidade de críticas tão profundas quanto subtis que o Zé Luís nos oferece, como oportunidades para olharmos para a nossa realidade com outros olhos.
Um livro que recomendo, sobretudo se for lido com vontade de questionar tudo, incluindo aquilo que consideramos mais estrutural na nossa sociedade e em nós mesmos, mesmo que o estilo nos faça às vezes querer lê-lo de uma só leva.
Irei deixando aqui, neste e noutros três artigos que se seguirão, excertos de alguns capítulos.
Capítulo XIII
(...)
O Ministro da Felicidade, sem esconder o incómodo com a
exigência do seu líder, apressou-se a esclarecer a distinta plateia.
O Acelerex era um programa governamental destinado a
aumentar a produtividade do trabalho, numa tentativa de conseguir que os
trabalhadores se dedicassem de forma absoluta às suas tarefas, e permitir deste
modo o acréscimo do volume de produção em todos os domínios.
Os trabalhadores teriam de se adaptar às necessidades da
empresa, trabalhando se necessário 20 horas consecutivas e ficando inactivos
dias inteiros sempre que não fossem necessários os seus préstimos.
A remuneração obtida passaria a ser medida pelas horas de
trabalho efectuadas.
“Vocês sabem como é difícil persuadir os nossos
trabalhadores a entregarem-se de corpo e alma às suas actividades
profissionais, a dedicarem a sua vida exclusivamente à empresa.
As dificuldades encontradas são de tal ordem, com protestos,
absentismo, falta de entrega completa à actividade e até sabotagens, que me vi
forçado a dirigir-me eu próprio ao terreno, com o intuito de persuadir o mundo
do trabalho a identificar-se com os nossos objectivos. O Acelerex destina-se
principalmente a aumentar a rentabilidade empresarial, que assim, através da
obtenção de mais-valias suplementares, poderá, quem sabe, num futuro, vir a
melhorar as condições de remuneração do seu pessoal.
(...)”
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