domingo, 31 de março de 2019

Como ultrapassar o/a ex...

O título deste artigo parece-me mal conseguido. Mas se calhar é só a minha opinião... É uma tradução do título do vídeo que está em baixo e que gostaria que pudessem ver antes de eu tecer algumas considerações sobre ele. O título é "how to get over your ex".

Logo à partida, eu não utilizo a palavra "ex" para designar um(a) antigo/a companheiro/a. Muito gente faz isso, e eu não gosto, acho mesmo feio. Porque cada pessoa é uma pessoa e vale enquanto pessoa. Se eu casar com Fulana, ela continua a ser Fulana, e não passa a ser "a minha mulher" ou "a minha esposa". Está bem... passa... se quisermos... mas isso será uma qualidade que a pessoa adquire, mas à qual ela não pode ser reduzida. Fulana nunca será apenas a minha esposa, ela continuará a ser muitas outras coisas para além disso, e continuará, aos meus olhos a dever ser dignificada e tratada pelo seu nome próprio de Fulana. E no momento em que a minha relação terminar, ela não passa a ser a minha "ex" pelos mesmos motivos. Continuará a ser Fulana. Continuará a ser uma pessoa inteira.

Depois, a mensagem que se transmite com semelhante título é de que é necessário ultrapassar uma pessoa. E isso é errado. Porque quando uma relação acaba, o que nós queremos ultrapassar são os maus sentimentos que perduram dentro de nós. E equacionar dentro das nossas cabecitas que os maus sentimentos que temos são iguais àquela pessoa, que nem sequer é vista como uma pessoa, mas como o "ex", é errado e é perverso.

Deixo-vos então o vídeo:



Vamos lá então tentar sintetizar o que é dito neste vídeo. É muito simples: as separações fazem-nos sentir mal, mas é necessário que prossigamos com as nossas vidas, é necessário que reconquistemos um sentido de identidade (self) e para isso a melhor estratégia é não só riscar o nosso anterior companheiro (ou companheira) da nossa vida, como sobretudo fazer o exercício mental de associar coisas más a essa pessoa.

O que me motiva a escrever este artigo não é este vídeo em si. No fundo, ele não diz nada de extraordinário. O que me motiva é precisamente que esta mensagem é o mais normal que se pode encontrar relativamente a este assunto. A grande maioria das pessoas, parece-me, entende as separações deste modo.

E eu, no entanto, vejo as coisas de um modo substancialmente diferente.

Acredito que esta maneira de riscar as pessoas da nossa vida tenha resultados imediatos de permitir minorar a nossa dor e de permitir-nos continuar com a nossa vida (seja ela qual for... que nem nós às vezes sabemos bem qual é). Mas também acredito que este é um modo de agir perverso, para não dizer mesmo mau e injusto, e que tem consequências negativas para a pessoa que rejeitamos, para a coesão do tecido social em que vivemos e também para nós próprios. Vejamos...

No vídeo fala-se de reconquistar um sentido de identidade (regain a sense of self). A ideia é, parece-me, fácil de entender: quando estamos numa relação construímos uma maneira de viver e de olhar para nós próprios... e quando a relação termina parece que já não encaixamos, não reconhecemos a vida que levamos e não nos reconhecemos a nós mesmos. E sim, estamos de acordo que é importante e positivo sermos capazes de nos reconhecermos a nós mesmos ao longo da nossa história pessoal.

Mas isso está, do meu ponto de vista, errado desde a partida. Quem é que nos mandou perder a nossa identidade própria no momento em que entramos numa relação com outra pessoa?... E eu sinto necessidade de enfatizar esta pergunta, e portanto vou repeti-la: quem é que nos mandou perder a nossa identidade própria no momento em que entramos numa relação com outra pessoa?...

Ninguém nos mandou. Nós perdemos a nossa identidade por nossa própria iniciativa. No momento em que aceitamos mudar de hábitos sem compreender muito bem dentro de nós porque é que estamos a abandonar o nosso hábito antigo e a adquirir o novo hábito, estamos a perder a nossa identidade. Mas, em boa verdade, nós muitas vezes nem percebemos bem porque é que tínhamos o hábito antigo!... Ou seja, na verdade nós nem sequer tínhamos o nosso sentido de identidade bem apurado antes de começar a relação!...

Aceitamos perder a nossa identidade quando permitimos que nos tratem por "marido" ou por "pai" ou algo redutor no género. E somos nós que aceitamos isso!

Portanto, e muito ao contrário do que é dito neste vídeo e talvez faça parte de um "senso comum" sobre o assunto, a minha primeira recomendação é: conheçam-se a vós próprios, ao longo da vida toda, independentemente de tudo, sejam vocês, e saibam quem são. Ou seja, construam uma identidade, um sentido de identidade. E não permitam que a vossa identidade seja alterada por outros, sejam eles quem forem. Não, não se trata de modo algum de minorar a nossa entrega numa relação. Podemos entregar-nos a uma relação com pés e cabeça, sem perder a identidade. Basta que a cada instante saibamos o que estamos a fazer e saibamos que o estamos a fazer pelos outros, mas também por nós próprios. E, já agora, se em alguma altura estamos a fazer as coisas pelos outros mas não por nós próprios... aí é que a porca torce o rabo e começamos a meter o pé na argola. Portanto: cuidado com o que nós próprios fazemos e não nos esqueçamos nunca do nosso sentido de dignidade própria, de respeito por nós próprios. Nós temos de ser, ao longo de toda a vida, aquela pessoa que mais nos respeita.

No vídeo fala-se também da necessidade de seguir em frente com a vida (move on). Subentendo que isto significa não apenas a necessidade de deixar de sentir coisas más, como a necessidade de ir à procura de outra relação. Em relação a isto, a minha interpretação pode estar enganada, portanto não me vou estender muito. Mas se estiver correcta, há também aí coisas com as quais eu discordo. Por um lado, os sentimentos maus fazem parte da vida e devem ajudar-nos a evoluir. Evoluir não é o mesmo que "avançar" de qualquer modo ou "ultrapassar"... Evoluir é modificar de modo a que o resultado final seja melhor que o anterior. Deixar de sentir um sentimento mau sem ter aprendido nada no processo, ficando pronto para repetir tudo desde o início, parece-me ser um pouco estúpido e eu dificilmente lhe chamaria evoluir. Portanto, talvez não fosse má ideia respeitar os nossos sentimentos, e respeitar também os sentimentos maus, aprendendo com eles, alguma coisa que seja, antes de os querer matar com o que quer que seja.

Naturalmente que quando os sentimentos maus são tão intensos que não nos deixam fazer as coisas normais da vida como dormir, trabalhar, comer regularmente... aí talvez seja bom atacá-los com tudo o que tivermos. Mas para além disso, a minha ressalva mantém-se.

Por outro lado, esta coisa do "seguir em frente" parece-me que considera como uma necessidade o ficarmos disponíveis para outra relação com outra pessoa. E isso desagrada-me fortemente. A ideia de que necessitamos de uma relação com outra pessoa para podermos ser felizes tem consequências negativas. Logo por aí começa a corrosão do nosso sentido de identidade. Depois retira a beleza que pode haver numa relação desse tipo entre duas pessoas. E finalmente, no dia-a-dia, essa sensação de necessidade irá quase sempre traduzir-se na construção mental de uma lista de direitos e deveres, obrigações e expectativas, relativamente à relação. E isso, por muito prático que possa ser, convenhamos que não é a maneira mais bela de se estar numa relação.

Finalmente, e mais importante, o vídeo refere como elemento fundamental da receita do "get over it" o esforço mental de associar ao "ex" ideias más. O arrazoado é simples, à la Pavlov: se de cada vez que nos lembrarmos da pessoa nos lembrarmos também de coisas más, vamos associar essa pessoa a coisas más e vamos deixar de gostar dela. Deixando de gostar dela, deixaremos de a desejar, deixaremos de estar tristes por não a termos, passaremos a desejar que ela esteja longe, fora das nossas vidas, e tudo fica resolvido!

E isso é o que existe de mais perverso neste modo de pensar.

O "ex" é uma pessoa. Enquanto pessoa, merece ser respeitado. E o respeito que lhe devemos não deve depender do que conseguimos obter dele. Digo isto, mesmo estando consciente que meio mundo considera natural agir de outro modo, nomeadamente gostando e admirando e respeitando mais as pessoas que nos dão mais em troca. Acho isso profundamente errado... mas se as pessoas querem reger o seu sistema de valores por propósitos profundamente egoístas, eu pouco posso contra isso.

Ao criar uma imagem artificialmente má de outra pessoa estamos, em boa verdade, a desrespeitar essa pessoa, a ser injustos com ela.

Ao afastar essa pessoa da nossa vida, normalmente não estamos apenas a cortar o fio que une duas pessoas numa sociedade. Em geral há uma série de outros fios que também são cortados ao mesmo tempo: os fios que unem os familiares e os amigos das pessoas envolvidas. Estamos, no fundo, a contribuir para criar divisões no tal tecido social que devia ser mais unido. E as consequências de vivermos numa sociedade onde as pessoas em vez de estarem juntas estão cada uma por si, deixo-as à vossa consideração.

Mas para além do efeito que as nossas atitudes e comportamentos possam ter no "ex" e nos amigos e familiares (nossos e do "ex"), há também o efeito que isto tudo tem em nós.

O objectivo de quem quer "ultrapassar o ex" é deixar de sentir dor e voltar a ser feliz, ou algo do género... e em geral tem pouco a ver com o "aprender a lição". E isso é não apenas triste, mas também estúpido, porque é um tiro no pé.

Porque é que as pessoas se sentem tão mal, afinal, após uma separação?... Se o "ex" fez uma ou várias asneiras, e se nos sentimos mal por causa dessas asneiras, isso serão situações que deverão ser analisadas por si mesmas. Mas não é disso que estou aqui a falar. Asneiras não implicam separação e separação não implica asneiras. São coisas distintas. Portanto de onde é que nos vêm os sentimentos de desgosto que possamos ter após uma separação?

Do meu ponto de vista, esses maus sentimentos resultam de coisas como: perder o sentido da vida, porque a nossa existência, aos nossos olhos, só fazia sentido com aquela pessoa; ciúme porque a outra pessoa aparenta ser feliz com outros e está a dar a esses outros coisas que sentimos que nos pertencem; pena de nós próprios por não conseguirmos ter uma coisa que gostaríamos muito de ter; raiva ou sentimento de injustiça porque achamos que a outra pessoa devia ter feito isto e aquilo e aquilo e não fez; etc.

Estão a ver onde quero chegar, não?...

Aniquilarmos esses sentimentos sem lhes prestarmos atenção é perdermos a oportunidade de entender que: não devíamos necessitar de outros para construirmos a nossa identidade e para encontrarmos o nosso sentido para a existência; os outros não nos pertencem; não podemos exigir aos outros que sintam coisas por nós, porque nem nós mesmos conseguimos controlar o que sentimos pelos outros; temos de aceitar que nem sempre temos as coisas que gostaríamos de ter; etc.

Muita da dor que existe pode ser ultrapassada com compreensão. Compreensão dos outros, do mundo e de nós próprios.

É precisamente a dor para a qual não conseguimos encontrar compreensão a que mais dói.

Portanto fica a minha recomendação: antes de diabolizarmos quem quer que seja, tiremos as devidas lições das coisas que nos acontecem na vida, e sobretudo aprendamos a ser melhores nós próprios.

Se formos melhores e mais compreensivos, talvez não nos magoemos tanto no futuro.

Se, pelo contrário, seguirmos pela vida como um comboio, sentindo necessidade de "move on" e sentindo que os outros estão lá para nos satisfazer, sem atentarmos às lições da vida... correremos sérios riscos de cometer muitos e repetidos erros.

sábado, 16 de março de 2019

O músico é amador...


Seria bom se todos pudéssemos aspirar a fazer aquilo de que gostamos e a sermos remunerados por isso. No entanto, há imensos problemas que podem surgir na implementação de tal aspiração, em simultâneo, para todos. Por exemplo: poderia existir um conjunto de tarefas indispensáveis que ninguém quisesse executar...

No mundo da arte este problema assume talvez outras proporções. Mas entre todos os problemas que conseguimos imaginar na questão da tentativa de definição de um método de remuneração dos artistas, há um que aqui quero salientar: como é possível existir liberdade criativa se o artista depender da aceitação do seu público?...

A minha resposta é simples: não há.

Muitos artistas dirão que não é assim... De facto, se nos concentrarmos naquilo que nos vem de dentro e se desenvolvermos a técnica necessária para o expressar, para o trazer cá para fora, e se tivermos a sorte de encontrar um público que aprecia o que daí resulta, poderemos argumentar que nunca tivemos de achar um compromisso para conseguirmos uma remuneração.

Mas infelizmente esse não é sempre o caso. E sobretudo não é esse o caso quando o que alguém traz dentro de si não é exactamente aquilo que a maioria das pessoas ao seu redor quer sentir. E digo "quer sentir" e não "valoriza", porque é possível valorizar muito coisas que não queremos sentir. Talvez algumas pessoas com alguma consciência possam alguma vez valorizar uma reprimenda que considerem justa, mas duvido que comummente tenham vontade de a sentir.

Uma das condições para um artista poder ser verdadeiramente livre no seu processo de criação artística será então o de não depender do seu resultado para conseguir o pão para a boca. E isso, muito naturalmente, coloca a questão de saber: então como se há-de conseguir esse pão?

A minha resposta será uma de duas: é demasiado complexo para estar aqui a falar disso, ou simplesmente não sei.

Mas não deixo de apreciar o modo como o José Mário Branco fala da música como uma amante, que de vez em quando lhe paga uns copos, mas de quem ele optou (optou?) por nunca depender.

Na mesma onda, e ainda mais para diante, as palavras da Maria João Pires, em entrevista à revista Ípsilon (publicada no site do jornal Público a 27 de Janeiro de 2019):

"Qual é a sua posição relativamente aos concursos?
Aí sou muito radical: considero-os a morte da arte e da música, de tudo. Sejam bons ou maus, honestos ou desonestos: o concurso é inimigo de qualquer criatividade, de qualquer artista. E são o grande inimigo da possibilidade de as novas gerações terem ainda a oportunidade de transmitir aquilo que é essencial na música.

De que outra forma um artista pode ter o seu trabalho validado?
Penso nisso todos os dias, porque lido com os meus alunos. Tenho sempre esse dilema. A sociedade está construída de maneira a ninguém ter trabalho se não tiver prémios. Só temos duas opções: ou somos escravos dessa sociedade e aceitamos as regras desse jogo (e é nos 99% que são eliminados que estão os verdadeiros artistas, que poderiam vir a transmitir a arte através das gerações) ou resistimos... Nós podemos ter vários trabalhos. Eu fui estudante durante muitos anos, na Alemanha, e não houve nenhum ano em que não estivesse a trabalhar numa casa, a lavar pratos, a lavar o chão, a cozinhar... Há muita gente que dá aulas, que faz outras coisas... Podemos fazer muita coisa, não precisamos de ser pianistas a tempo inteiro. Hoje, os músicos são criados para serem mimados, para serem os futuros grandes músicos que vão ganhar fortunas. Vão ter muito cuidado com as mãos, vão pôr-se numa posição em que estão fora do resto do grupo, em que são as estrelas. E isso não é ser músico!

Como é que define um músico, então?
O músico é amador, faz outras coisas para ganhar a vida. Eu ganhei a vida com a música e tive sempre, sempre o cuidado de utilizar o dinheiro que ganhava em algo que pudesse ser útil para as pessoas e nunca para meu conforto pessoal, porque acho que... não é justo."

segunda-feira, 11 de março de 2019

Greve dos enfermeiros...


Greve dos enfermeiros.

Estou enojado!

Não, não é com os enfermeiros. É com a gente que manipula, e a gente que à conta de andar na vida a dormir se deixa manipular, e deixa que manipulem outros. Estou mesmo enojado. Tenho vontade de insultar pessoas, tenho vontade de fazer greve de fome eu também, de chamar filho da mãe a tanta gente...

Querem saber porquê? Mesmo?... Ou querem apenas entreter-se?... Cada um desiste de ler quando quiser. Eu é que não desisto de escrever. Ao menos isso!... E às vezes talvez fosse bom ler mesmo até ao fim.

Estou enojado. Profundamente. E não é com aqueles que ganham a sua vida trabalhando, com poucas condições, e lutando para que elas sejam mais e melhores. Estou profundamente enojado com a realidade em que sou obrigado a viver todos os dias, e que às vezes se torna mais evidente.

Estou enojado com um governo liderado por um partido que se diz “socialista”, um governo que resulta de uma coligação de partidos que se dizem de “esquerda”, e a sua atitude para com as pessoas que ganham a sua vida trabalhando, com poucas condições, e lutando para que elas sejam mais e melhores. Estou enojado com a atitude de prepotência, com a atitude de guerrilha, de falta de honestidade.

Estou enojado com os meios que se dizem "de comunicação", que se diz “social”, porque não só não é social, como enquanto for num sentido só, não será nunca comunicação. Será antes divulgação. Propaganda, com o sentido pejorativo que a palavra pode ter. Procurando incendiar ânimos, na procura incessante de audiências, e fazendo acreditar que misturar o acessório com o essencial, confundir factos com opiniões e dar voz sobretudo aos poderes instalados, é o mesmo que “informar” (seja lá o que isso for) e ser “imparcial” (seja lá o que isso for).

E estou enojado também com a preguiça, com o não querer saber, com a indiferença, a procura do bem-estar fácil, estou enojado com essa atitude zen pós-moderna de evitar as chatices. Àquela parte com quem ignora as chatices e assim dá não só tiros no seu pé, como também tiros nos pés dos outros!

Nos últimos dias tivemos a confirmação evidente daquilo que já podia ser percebido desde há muitos anos: de que a greve é um direito fundamental, desde que não cause qualquer transtorno.

Continuo com vontade de dizer palavrões!... Mas vou tentar poupar quem ainda me lê, e ainda vai no início...

Afinal querem proibir o direito à greve, é isso?... Não estou a perguntar aos políticos, estou a perguntar a si, que lê isto, e a toda a gente por aí fora. Querem proibir as greves, é isso?... As greves são o resultado de uns bandalhos preguiçosos que só prejudicam as pessoas, é isso?

E eu que julgava que as greves tinham uma origem histórica nas lutas dos trabalhadores por melhores condições de trabalho e de vida, quando as que tinham eram miseráveis?...

Mas o que é essa merda de greves que não fazem mal a ninguém?... O que é essa merda de lutas que servem a todos ao mesmo tempo?... O que é essa merda de estarmos metidos todos no mesmo barco?... Como é possível ser assim tão parvo?...

Como é possível ser tão parvo ao ponto de acreditar que os patrões querem gastar mais dinheiro com os empregados e só não o fazem porque não podem?... Que se seja parvo ao ponto de acreditar que os governos estão aí para defender as pessoas, eu até compreendo (afinal, o que seria da economia sem recursos?...). Mas os patrões?...

Mas as pessoas ficaram de repente estúpidas?... As empresas por algum acaso existem para pagar salários?... Os que têm dinheiro são então movidos por uma espécie de caridade e fazem por distribuir o dinheiro da forma mais complicada que conseguiram encontrar, nomeadamente pondo as pessoas a trabalhar, é isso?...

A sério!... Estou enojado e estou parvo... Estou todo escangalhado, como a porcaria dos telemóveis também deviam estar!

Mas de repente, na fúria do combate, na arena em que o gladiador enfrenta os leões ordenados por quem se senta confortavelmente na bancada, esse mesmo gladiador só é honesto e trabalhador e responsável e bom cidadão e fofinho se só usar as suas armas para fazer cócegas nos leões, é isso?... Quer dizer: os leões podem estraçalhar o lutador de uma vez só ou às prestações, mas ele, se quiser livrar-se desse mal, não se pode deixar cair na tentação de usar as armas que tem... só pode fazer cócegas. É isso?

"Senhores, sou mulher de trabalho,
e falo com poucas maneiras,
porque as maneiras
são como a luva que calça o ladrão"


Ou, como dizia o Manuel Rocha, boas maneiras é convidar o trabalhador ao nosso gabinete para, com os devidos salamaleques, o despedir.

Ou seja, greves sim, mas só se não causarem danos. É isso que aprendemos. Obrigado senhor António Costa, obrigado jornalistas e rádios e imprensas e televisões, obrigado comitivas imensas que andais a reboque à cata das migalhas, muito obrigado. Agora percebo. Podemos fazer greve, mas se forem estivadores e com isso paralisarem a expedição das encomendas num porto marítimo qualquer perto de si, já não pode ser. Podemos fazer greve, mas se forem os condutores e técnicos dos meios de transporte colectivo das cidades e com isso os cidadãos ficarem apeados, já não pode ser. Podemos fazer greve, mas se forem os professores e com isso os estudantes não puderem fazer os seus exames, já não pode ser. Podemos fazer greve, sempre, claro que sim, um direito fundamental e tal e coisa, muito bem... mas, claro, desde que não causemos dano a ninguém!... Lembrem-se: só cócegas nos leõezinhos, sim?

Ide àquela parte!!!... Andamos a brincar ou quê?...

Depois o discurso todo do puxar para baixo. Se uns estão lixados, os outros também têm de estar, não é?... Afinal, quem é aquele tipo que se julga mais do que os outros?... Se eu estou aqui a dar o corpo ao manifesto, a ser maltratado, ele também tem mais é que se calar e vir para aqui trabalhar e dar também o seu corpo ao manifesto... Só assim isto vai para a frente. Não é?... Se uns sofrem, os outros também têm de sofrer. Aliás, se eu sofri no passado para chegar até onde cheguei, os outros também têm de sofrer no presente para chegar a um patamar semelhante!... Claro!... Eu até me sentiria mal se alguém não sofresse como eu para chegar onde eu cheguei!...

Eu julgava que só as bestas pensariam assim... Mas descobri que não.

Depois o discurso do "é preciso primeiro gerar a riqueza, para depois a distribuir". O discurso típico do "estamos todos no mesmo barco", apesar de uns irem no camarote a jogar às cartas e a comer borrego assado, enquanto outros vão nas catacumbas a remar e a comer solas de sapato. Porque afinal, apesar de tudo, sempre nos dão o barco onde sentar o traseiro enquanto remamos, e se não tivéssemos barco estaríamos perdidos no meio do oceano, sujeitos a ter de nadar, não é?... Benditos comandantes! A nossa bênção!...

Estou tão farto desta treta... farto, fartinho, até às entranhas!... Por isso mesmo escrevo assim. Não gostam?... Quero lá saber!... Já me fartei de escrever textos a tentar explicar por a mais bê... Isso era quando acreditava que as pessoas, coitadinhas, não sabiam quanto era a mais bê... e eu ia explicar-lhes!... Agora sei que as pessoas não distinguem um boi à frente dos olhos, nem querem distinguir, e logo acreditam que ninguém tem autoridade, nem moral nem seja o que for, para lhes fazer ver coisas que eles antes não viam. Agora sei que as pessoas querem é foguetes e regabofe... querem lá saber de ás, de bês ou da soma de seja o que for! À merda!...

Olhem, querem ler? Querem saber como é isso da greve dos enfermeiros e porque é que estou tão profundamente revoltado? Leiam o parecer da Procuradoria Geral da República (PGR). O nojo real da república, talvez (negritos meus):

Parecer n.º 6/2019
Greve - Greve Sectorial - Greve Rotativa - Greve Self-Service - Greve de Maior Prejuízo - Greve Ilícita - Pré-Aviso de Greve - Crowdfunding - Fundo de Greve - Perda Salarial - Prestação de Serviços Mínimos - Direito à Saúde - Falta Injustificada - Responsabilidade Disciplinar - Responsabilidade Civil Extracontratual.
1.ª A Constituição, assim como a lei ordinária, optaram por não definir o conceito de greve, apontando a doutrina, consensualmente, como característica essencial desta figura, a abstenção temporária da prestação de trabalho, inserida numa ação coletiva e concertada dos trabalhadores, a qual pode assumir as mais variadas formas, tempos e modos de execução, visando exercer uma pressão sobre a entidade patronal no sentido da obtenção de um objetivo comum.
2.ª Adotou-se uma noção aberta de greve que acolhe o caráter dinâmico desta forma de luta dos trabalhadores, a qual pode assumir um amplo leque de modalidades de execução, desde que não deixem de estar presentes os elementos identitários desta forma de luta laboral.
3.ª Dos dados fornecidos pela entidade consulente resulta que a greve dos enfermeiros decretada pela Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros e o Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal e que teve início no dia 22 de novembro de 2018 e termo no dia 31 de dezembro do mesmo ano, denominada como greve cirúrgica pelos dirigentes daquelas organizações sindicais, decorreu nos Centros Hospitalares Universitário de S. João, Universitário do Porto, Universitário de Coimbra, Universitário Lisboa Norte e de Setúbal, tendo-se registado a ausência de enfermeiros, com justificação no exercício do direito de greve, no serviço prestado nos blocos operatórios daquelas unidades hospitalares, o que determinou o adiamento de milhares de cirurgias cuja realização se encontrava programada para aquele período.
4.ª Essas ausências não foram contínuas durante todo o período de greve, tendo cada um dos enfermeiros que aderiu à greve não comparecido ao serviço de forma intermitente, em dias interpolados, e, em algumas situações, até em turnos interpolados, de forma que o número mínimo de enfermeiros necessários à realização das intervenções cirúrgicas não estivesse presente, o que determinou o adiamento das cirurgias marcadas.
5.ª A greve na sua execução revelou-se uma greve parcial setorial, uma vez que as abstenções ao trabalho, com fundamento no exercício do direito de greve, se concentraram num setor específico das unidades hospitalares abrangidas pelo aviso prévio de greve.
6.ª Noutra perspetiva, a greve inclui-se na área das denominadas greves rotativas ou articuladas, não porque tenha ocorrido uma alternância do setor da empresa afetado pela paralisação dos trabalhadores em greve, como sucede nas greves rotativas tradicionais, uma vez que neste caso foi sempre o mesmo setor o atingido pela greve, mas sim porque, sendo necessário para a operacionalidade desse setor, o trabalho em equipa, os elementos que a compunham faltaram alternadamente, inviabilizando assim o funcionamento da equipa e, consequentemente, a operacionalidade da atividade por ela desenvolvida.
7.ª Nestas situações, apesar de se considerar lícita esta modalidade de greve, não deve ser admitida a desproporção entre os prejuízos causados à entidade patronal e as perdas salariais sofridas pelos trabalhadores em greve, pelo que os descontos salariais devem ter em conta não só o período efetivo em que cada trabalhador se encontrou na situação de aderente à greve, mas também os restantes períodos que, em resultado daquela ação concertada, os serviços estiveram paralisados, desde que se encontre demonstrada a inutilidade da sua aparente disponibilidade nos períodos de não adesão formal à greve.
8.ª Nas greves setoriais deve constar do aviso prévio a identificação dos setores que vão ser atingidos e nas greves rotativas o modo como se irá processar essa rotatividade.
9.ª Só assim o aviso prévio de greve cumprirá a sua função e alcançará as suas finalidades, pelo que a ausência de qualquer indicação sobre o tempo e o modo como a greve se vai desenrolar ou uma indicação errada destes elementos resulta num incumprimento daquele dever de informação que tem como consequência a ilicitude da greve.
10.ª É precisamente esta a situação que se verifica na greve realizada pelos enfermeiros entre os dias 22 de novembro e 31 de dezembro de 2018, em que a modalidade que a mesma assumiu não constava do aviso prévio emitido pelos sindicatos que a decretaram, pelo que essa greve, pela surpresa que constituiu a forma como ocorreu, face ao conteúdo do aviso prévio, foi ilícita.
11.ª Nesta greve, conforme resulta dos elementos fornecidos pela entidade consulente, os grevistas foram apoiados financeiramente através do recurso a uma operação de crowdfunding na plataforma eletrónica PPL-Crowdfunding Portugal que os compensou das perdas salariais resultantes da adesão à greve.
12.ª Foram promotores desta iniciativa e gestores do fundo de greve um «grupo de enfermeiros da prática».
13.ª A constituição de fundos de greve em Portugal não se encontra legalmente prevista nem regulamentada, surgindo apenas estipulada na maioria dos estatutos das organizações sindicais.
14.ª Apesar de a greve ser um direito dos trabalhadores, tendo em consideração que a mesma pressupõe uma atuação concertada destes, o seu decretamento compete em regra às associações sindicais.
15.ª Este quase monopólio sindical da greve estende-se também à sua gestão, uma vez que os trabalhadores em greve, sejam ou não sindicalizados, no exercício deste direito, são representados pelas associações sindicais que decretaram a greve.
16.ª No âmbito da representação dos trabalhadores durante a greve, compete exclusivamente a estas entidades a prática dos atos relacionados com a realização da greve, o que inclui, além de outros, a constituição e utilização de fundos de greve destinados a compensar os trabalhadores que aderiram à greve da perda dos respetivos salários, uma vez que têm direta influência na capacidade de mobilização dos trabalhadores em aderirem a esta forma de luta e, consequentemente, na dimensão e força que ela assume.
17.ª Por esta razão, não é admissível que os trabalhadores aderentes a uma greve vejam compensados os salários que perderam como resultado dessa adesão, através da utilização de um fundo de greve que não foi constituído, nem é gerido pelos sindicatos que decretaram a greve.
18.ª Essa situação constitui uma ingerência inadmissível na atividade de gestão da greve, que incumbe exclusivamente às associações sindicais que a decretaram, o que constitui uma violação do disposto no artigo 532.º, n.º 1, do Código de Trabalho, que pode determinar a ilicitude da greve realizada com utilização daqueles fundos, caso se demonstre que essa utilização foi um elemento determinante dos termos em que a greve se desenrolou.
19.ª Os limites ao financiamento das organizações sindicais estabelecidos no artigo 405.º, n.º 1, do Código do Trabalho, também abrangem a constituição dos fundos de greve.
20.ª Nas operações de crowdfunding, os titulares das plataformas de financiamento estão obrigados a preservar a confidencialidade dos dados fornecidos pelos investidores, designadamente a sua identidade, pelo que não abdicando estes do anonimato, os beneficiários da operação não têm possibilidade de conhecer a sua identidade, o que não lhes permite controlar a origem dos donativos.
21.ª Não existindo regras no nosso sistema jurídico que regulem a concessão de donativos às associações sindicais e a constituição de fundos de greve, pode vir a apurar-se a existência de donativos que são ilícitos, por violarem o disposto no artigo 405.º, n.º 1, do Código do Trabalho, ou outras normas ou princípios que vigoram no nosso ordenamento jurídico.
22.ª A ilicitude desses donativos poderá provocar a ilicitude da greve caso se demonstre que estes, pela sua dimensão, foram determinantes dos termos em que a greve se desenrolou.
23.ª O artigo 541.º, n.º 1, do Código do Trabalho, aplicável ex vi do artigo 4.º, n.º 1, m), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, dispõe que a ausência de trabalhador por motivo de adesão a greve declarada ou executada de forma contrária à lei considera-se falta injustificada.
24.ª A falta injustificada, além do desconto do tempo de greve na retribuição e na antiguidade, determina a qualificação da ausência como infração disciplinar, com a inerente possibilidade de aplicação de uma sanção, a qual variará consoante o número de dias de falta e outras circunstâncias que influam na gravidade do comportamento do trabalhador, podendo ser ponderado o eventual desconhecimento desculpável pelo trabalhador do caráter ilícito da greve como fundamento para a não aplicação de qualquer sanção.
25.ª Além da responsabilidade disciplinar, a adesão a uma greve ilegítima também poderá fazer incorrer o trabalhador aderente em responsabilidade civil extracontratual, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, caso se verifiquem os pressupostos deste instituto, relativamente a danos resultantes da falta do trabalhador, podendo também, nesta temática, ser considerado, no domínio da culpa, o desconhecimento pelo trabalhador do caráter ilícito da greve.
26.ª As organizações sindicais que decretaram e geriram essa greve, também poderão ser civilmente responsabilizadas pelos prejuízos causados por uma greve ilicitamente decretada ou executada, desde que a sua conduta preencha os pressupostos exigidos pelo artigo 483.º do Código Civil.
27.ª Quando a ilicitude da greve resulta do facto de esta ter sido executada numa modalidade que não constava do aviso prévio de greve, os danos a considerar serão apenas aqueles que resultaram exclusivamente da ausência dessa informação.
O sr. António Costa tratou logo de homologar este parecer. Sabem o que é que significa homologar o parecer da Procuradoria Geral da República?... Eu explico: nada! A homologação serve apenas para dizer aos restantes membros do governo que esta é a versão dos factos em que o governo deve acreditar. Mas para efeitos da população em geral não serve para nada. E sabem qual é o peso jurídico de um parecer da PGR? Zero! Nicles! O parecer não é lei!

Mas vamos ver as coisas com um pouco mais de detalhe. O parecer diz que "não deve ser admitida a desproporção entre os prejuízos causados à entidade patronal e as perdas salariais sofridas pelos trabalhadores em greve". Ou seja, o parecer diz exactamente que as greves só são admissíveis se não causarem grande mossa à entidade patronal e/ou aos clientes da empresa ou instituição. Magnífico! A PGR apoia as greves que só fazem cócegas!

Logo a seguir diz que "os descontos salariais devem ter em conta não só o período efetivo em que cada trabalhador se encontrou na situação de aderente à greve, mas também os restantes períodos que, em resultado daquela ação concertada, os serviços estiveram paralisados, desde que se encontre demonstrada a inutilidade da sua aparente disponibilidade nos períodos de não adesão formal à greve". Ou seja: se um trabalhador estiver presente no local do trabalho, mas o trabalhador do lado tiver feito greve, e se só com o trabalho de ambos é possível fazer alguma coisa, então o trabalhador que compareceu ao trabalho deve perder o seu salário. A sério???...

Depois diz que " deve constar do aviso prévio a identificação dos setores que vão ser atingidos e nas greves rotativas o modo como se irá processar essa rotatividade". Ou seja, se o aviso prévio disser "haverá greve nos dias 4, 5 e 6 no sector X" e se durante os dias 4, 5 ou 6 houver alguns períodos em que não haja greve, a greve é considerada ilícita. A sério???... Aliás, refere mais adiante que como esses períodos em que não houve greve não estavam previstos, isso foi surpreendente, e logo a greve deve ser considerada ilícita.

Refere-se que "este quase monopólio sindical da greve estende-se também à sua gestão" e eu gostava de saber se as greves podem ou não ser convocadas por sindicatos, e quando o são, se é obrigatório ser por mais do que um sindicato... Porque a mim parece-me, que não sou jurista, que a PGR não tem nada que emitir pareceres acerca de quem ou como as greves são convocadas ou geridas.

O ponto 16º do parecer é uma pérola. Aliás, daqui para a frente a coisa fica maravilhosa!... Afinal os trabalhadores têm de ser pobres. A PGR é da opinião que os trabalhadores devem ser pobres, porque se o não forem a lógica subjacente à existência da greve fica desvirtuada!... Imaginem uma greve onde os trabalhadores têm dinheiro suficiente para não dependerem do trabalho, e com isso não têm a corda na garganta, e assim podem fazer greve por tempo indefinido!!!... Isso, diz a PGR, não pode ser!! Era o que faltava!!... E, se os trabalhadores conseguirem arranjar dinheiro para se sustentarem durante o período de greve, esse dinheiro só pode ser conseguido e gerido e mantido pelo sindicato que, já se viu, também não é propriamente muito bem visto. Antes dizia-se que o seu monopólio era uma chatice, agora exige-se que o seu monopólio de gestão exista. Magnífico PGR!!

Os pontos 17º e 18º deixam isso muito claro: se um grupo de amigos se juntar para me ajudar num período de greve, a PGR não vai gostar e vai emitir um parecer a dizer assim "meus amigos... ou vocês foram um sindicato, ou não podem ajudar o vosso amigo, porque o destino de quem faz greve é passar fome, está escrito nas estrelas, e vocês não querem ir contra o que está escrito nas estrelas, pois não?". Se a minha mãezinha reparar que eu estou a passar fome por causa da greve, ai dela que me dê alguma coisa, porque se o fizer, e conforme todas as ameaças dos restantes pontos do parecer da PGR, eu arrisco-me a perder o emprego, a ter de pagar indemnizações, assim como todos os meus colegas, mesmo os que nem sequer fizeram greve!! Ai Jesus!!...

Os pontos 19º a 26º são apenas um conjunto de ameaças infundadas, que dizem que se se apurar que os apoios financeiros aos grevistas vierem de partidos políticos ou coisas que o valham, um enorme cataclismo acontecerá aos trabalhadores. Pelo caminho, a PGR deixa o seu parecer sobre a ilegalidade de financiamento público através de plataformas digitais a grevistas. Sim, PGR, já sabemos que os grevistas têm de ser pobres... Mas, e se eu fizer uma operação de crowdfunding com o objectivo de ser rico, já pode ser?... E se depois de eu ser rico eu resolver fazer uma greve, isso já pode ser?...

À merda com estes pareceres da PGR!!... E depois de todas as ameaças, conclui-se no ponto 27º a dizer que afinal as consequências de tudo e mais alguma coisa são... aproximadamente nulas.

Parabéns!!... Se o objectivo fosse conduzir a opinião pública e amedrontar os grevistas, não teria sido possível redigir um parecer melhor!... Mas já se sabe que a PGR nunca faria semelhante coisa!


Perceberam o que está mal com esta aberração? Perceberam o que está mal com uma greve que é propalada nos meios de propaganda desde há muitas semanas mas cujas reivindicações nunca são discutidas? Já nem pergunto se perceberam que numa greve há sempre duas partes, porque estou convicto de que acreditam fielmente na versão da lavagem cerebral de que só existe uma parte: a dos grevistas. É tudo culpa de quem faz a greve... o facto de existir uma arena, leões e gente a comandá-los e a aplaudir na plateia, isso não é nada... é tudo culpa do lutador.

Bom, mas quer tenham percebido quer não tenham, aqui vos deixo um texto um pouco mais isento de vómito verborreico e de insultos e que talvez fosse bom, ah, se o mundo fosse assim tão belo!..., talvez fosse bom ler até ao fim. Mesmo até ao fim:

Um Governo à beira de um ataque de nervos (greve dos enfermeiros)
(21 Fevereiro)
(link)
Os últimos acontecimentos verificados a propósito da greve dos enfermeiros, da requisição civil decretada pelo Governo e da gigantesca campanha de manipulação levada a cabo pela sua “tropa de elite” de comentadores e opinantes, não devem permitir que deixemos de ver o que é essencial e, sobretudo, que deixemos de reflectir sobre aquilo que está aqui verdadeiramente em causa.

Creio, assim, que se impõe revisitar, ainda que de forma um pouco extensa, uma série de pontos, relevantes e reais, que são precisamente aqueles que o Governo do Sr. Costa e os seus apoiantes precisamente não querem que se discutam e aclarem aos gritos demagógicos de “eu sou pela vida!”, de “não admito greves que ponham em causa a vida e a saúde dos doentes!” e de “eles (os enfermeiros) estão ao serviço de interesses inconfessáveis e querem é destruir o Serviço Nacional de Saúde!”.

1) Reivindicações

Os enfermeiros são uma classe profissional profundamente preocupada, dedicada e empenhada nos cuidados de saúde dos pacientes a seu cargo. E as suas reivindicações são essencialmente quatro, e todas elas inteiramente justas”:

1.      Equiparação de vencimento aos outros técnicos superiores da saúde com habilitações literárias idênticas, como os farmacêuticos, os psicólogos e os nutricionistas (os quais têm vencimentos iniciais de 1.600€ mensais, enquanto os enfermeiros, mesmo que com mestrado ou até doutoramento, têm 1.200€);

2.      a recuperação da carreira (em termos de categorias) destruída há cerca de 10 anos por outra Ministra da Saúde (Ana Jorge) de um outro governo do PS, com o reconhecimento quer de 3 categorias, correspondentes aos diferentes níveis de responsabilidade, quer, também, da respectiva remuneração. O Governo diz que está a fazer isso, mas a verdade é que a grelha que quer aprovar, em termos salariais, representa 0 de valorização salarial já que a diferença entre um enfermeiro e um enfermeiro especialista será de 150,00€, que é exactamente aquilo que desde 2018 e por força da luta, em 2017, dos enfermeiros especialistas, já é pago a estes a título de “suplemento”;

3.      uma carreira justa também em termos de evolução de imediato e de futuro, já que, com a proposta do Governo, os enfermeiros – que, relembre-se, hoje estão praticamente todos (mais de 90%) na base da carreira, recebendo 1.201,48€ brutos mensais, tenham eles 1, 5, 10 ou mais de 20 anos de profissão! – terão 11 níveis de evolução, levando em média 10 anos para subir de nível (o que significa um século para atingir o topo da carreira!?);

4.      a idade da reforma aos 57 anos, devido à elevada carga física com procedimentos técnicos e físicos muito exigentes, à movimentação de pesos muitas vezes superiores ao próprio peso, ao risco de contaminação, à penosidade resultante do excesso de carga de trabalho (há muitos serviços que só funcionam com os enfermeiros a prestarem regularmente horas extraordinárias em cima das horas normais), dos turnos, e da impossibilidade prática de os enfermeiros mais velhos serem dispensados dos turnos e do trabalho nocturno, e enfim à dureza psicológica decorrente do contacto permanente com a dor, o sofrimento e até a morte dos pacientes a seu cargo.

2) No tempo do Passos Coelho os enfermeiros estavam calados?

As reivindicações antes referidas – ao contrário do que se tem ouvido dizer – são um “ponto de partida” negocial e já são antigas, tendo sido sucessivamente apresentadas aos diversos governos, e designadamente ao de Coelho/Portas. Mas foram assumindo cada vez mais premência quer com o agravamento progressivo das condições de trabalho dos enfermeiros nos últimos anos, quer com a sistemática postura dos diversos ministros da Saúde, em particular os últimos (Paulo Macedo, Adalberto Campos Fernandes e Marta Temido), consistente em fazerem contínuas e públicas declarações de “disponibilidade para o diálogo”, mas depois, e na prática, se recusarem a negociar de forma séria o que quer que fosse. O saco dos enfermeiros foi assim enchendo e enchendo até que, como era inevitável, um dia transbordou de vez. E foi o que agora aconteceu.

Mas se a dignidade e as condições mínimas adequadas ao exercício da profissão de enfermeiro foram assim sendo sucessivamente degradadas ao longo dos últimos 10/15 anos, a verdade é que essa degradação se acentuou de forma muito particular a partir de 2017.

É que Portugal é, segundo os dados da própria OCDE, o país com menor número de enfermeiros por 100.000 habitantes (4,2), quando a média geral é de 9,2. Há, como já referido, inúmeros serviços que apenas conseguem funcionar com um esforço sobre-humano dos enfermeiros, trabalhando as horas dos seus turnos mais uma coisa inconcebível que são as chamadas “horas extraordinárias programadas” (ou seja, horas extra, não para fazer face a situações excepcionais, mas sim como meio “normal” de suprir necessidades, violando assim o próprio conceito legal de horas extraordinárias).

Ora, face a esta situação, o Governo de Costa tem, de forma manipulatória, anunciado que tem contratado mais enfermeiros, mas sem que isso represente afinal mais enfermeiros ao serviço. Como é tal possível? É, infelizmente, bem simples. Por exemplo, até 2017 um determinado serviço funcionava com 15 enfermeiros, sendo 10 dos quadros (e cujos salários constam assim das “remunerações de pessoal”) e 5 contratados através de empresas prestadoras de serviços (e cujos valores entravam pela rubrica, não de salários, mas de “serviços” do Hospital). Com a declaração da inconveniência ou até da ilicitude deste tipo de contratação, esses enfermeiros foram mandados embora, e o Governo contratou então para os quadros (apenas) mais 2. E, assim, a Ministra da Saúde pôde, mais uma vez, intoxicar a opinião pública proclamando que até aumentou em 20% (de 10 para 12) o número de enfermeiros daquele serviço, quando na realidade eles diminuíram de 15 para 12!

3) O “perigo” dos novos sindicatos

A chamada “greve cirúrgica” decretada pelas 2 associações sindicais, o Sindepor e a ASPE, é uma greve que perturba profundamente o Poder. E não só o Governo como também os Sindicatos tradicionais, desde logo porque, não tendo aqueles sindicatos elos de ligação político-partidária, as formas de controle habitualmente usadas pelos partidos da área do Poder (como, por exemplo, o telefonemazinho para o dirigente do sindicato ou da confederação sindical para que trate de acalmar as respectivas bases…) aqui não funcionam. E os novos sindicatos, que já não se satisfazem com uns protestos simbólicos à porta do Ministério ou com umas formas de luta totalmente inócuas (como os abaixo-assinados, as cartas abertas ou até as greves às sextas-feiras de tarde), são perigosos, quer para o Governo, quer para os sindicatos tradicionais, que assim veem as lutas e os trabalhadores nelas empenhados escaparem ao seu controle. E, desesperados, não raras vezes se juntam até à entidade empregadora para atacar e discriminar os outros sindicatos. Não nos esqueçamos de que já vimos este “filme” nas recentes lutas dos professores e dos estivadores (como sucedeu com o STOP e o SEAL a serem atacados e até, no primeiro caso, excluídos das negociações, quer por patrões quer por outras associações sindicais!).

É este autêntico pavor por a luta dos enfermeiros ter escapado ao controle dos ditos sindicatos “tradicionais” que leva não só o Governo do Sr. António Costa ao desespero e ao frenesim no ataque a essa mesma luta, como à complacência, senão à cumplicidade, com esses ataques, e inclusive com a própria requisição civil, por parte dos mesmos sindicatos “tradicionais”.

4) Porque não cede o Governo? 

António Costa e o seu Governo são bem sabedores de que têm inúmeros outros trabalhadores a atingirem o ponto de saturação quanto ao espezinhamento dos seus direitos e às contínuas falinhas mansas do diálogo sem qualquer conteúdo real e concreto. Desde os próprios médicos e outros trabalhadores da Saúde até aos diversos profissionais do sector da Justiça, da Administração Interna, das Finanças, etc., para já não falar dos trabalhadores do sector laboral privado que constatam que o Governo não quer mexer uma palha nas mais gravosas medidas da Tróica, como a da facilitação e drástico embaratecimento da contratação precária e dos despedimentos colectivos, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação, bem como a da caducidade da contratação colectiva.

E, por isso mesmo, Costa quer a todo o custo destruir esta greve, seja de que forma for, para passar a mensagem aos outros trabalhadores de que “quem se mete com o Governo PS, leva!” (lembram-se desta frase de Jorge Coelho?) e de que nem pensem em fazer greves e/ou recorrer a formas de financiamento colaborativo como forma de combater a arma anti-greve favorita dos patrões que é a asfixia financeira).

O empenho difamatório, persecutório e ameaçador das actuações do Sr. António Costa e do seu governo têm aí a sua razão principal. E todos os trabalhadores do país devem ver hoje nos enfermeiros aquilo que o Governo lhes reserva para amanhã, quando se fartarem em definitivo das tais “falinhas mansas” sem conteúdo e das lutas “folclóricas” e se dispuserem a combater a sério.

5) “Mas eles até queriam negociar…”

É cada vez mais óbvio que, desde o primeiro momento, aquilo que o Governo quis foi “acabar com a greve dos enfermeiros” (para usar a própria terminologia da Ministra da Saúde em instruções aos Conselhos de Administração hospitalares) por meio da requisição civil. Aqui vão alguns factos, indesmentíveis, que inteiramente o comprovam:

1.      O Governo começou por pedir, no final do ano passado, um primeiro parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, quer sobre a licitude da greve, quer sobre a questão de saber se o Governo poderia decretar a requisição civil dos enfermeiros fora da verificação de um quadro de reiterado incumprimento dos serviços mínimos. E, ao mesmo tempo, iniciou uma intensa campanha de propaganda disfarçada de “abalizadas opiniões jurídicas”, sustentando e passando para a opinião pública a ideia de que a requisição civil, mesmo sem incumprimento de serviços mínimos, era legal e constitucionalmente possível;

2.      como o dito Parecer (o nº 35/2018, que terá sido aprovado ainda em Dezembro de 2018, mas só foi publicado em 19/2 no Diário da República, embora com data de 18/2) não lhe fosse favorável, declarando que os elementos fornecidos pelo Governo “não são suficientes (…) para se concluir pela ilicitude da greve” e ainda que “o Governo só poderá recorrer à requisição civil dos enfermeiros nos termos do Dec. Lei nº 637/74, de 20/11, caso se verifique um reiterado incumprimento ou cumprimento defeituoso dos serviços mínimos estabelecidos”, o que fez o Governo? Meteu na gaveta o dito “Parecer”, e tratou de, entretanto, forjar fundamentos para um “Parecer complementar” que viesse então ao encontro dos seus desejos!

6) Cirurgias URGENTES adiadas por causa da greve dos enfermeiros?

Seguiu-se então o verdadeiramente inaudito, com o adiamento de intervenções cirúrgicas a ser atribuído (nomeadamente em conversa com os doentes e seus familiares, naturalmente indignados com a situação tal como ela lhes era narrada) à greve dos enfermeiros, inclusive em estabelecimentos hospitalares onde não houve sequer greve (caso do Amadora-Sintra e de Leiria) ou então em hospitais onde essa não realização dos actos cirúrgicos foi propositadamente criada.

De que forma? Designadamente através dos expedientes de, como sucedeu nos Hospitais de S. João no Porto e Universitário de Coimbra, na altura da greve e da prestação dos serviços mínimos, se alargarem os programas cirúrgicos que estavam anteriormente delineados para uma extensão que nem com o funcionamento normal dos serviços seria possível cumpri-los. Ou ainda de se alterarem, em cima da hora, as classificações de prioridade dos doentes e depois, face à impossibilidade assim criada de serem intervencionados, mandá-los para casa porque… “a culpa é dos enfermeiros em greve”. Isto, ao mesmo tempo que sucedia (mesmo já em requisição civil, mas também antes dela) os equipamentos e os enfermeiros estarem prontos para a realização de actos cirúrgicos na parte da tarde e, todavia, os mesmos não se realizarem nesse período do dia (como, por exemplo, sucede, e desde há décadas, no Hospital de Viseu, ou seja, que não se fazem cirurgias nas sextas-feiras da parte da tarde).

7) As suspeitas acerca do Crowdfunding

O Governo foi também lançando, através dos “especialistas” governamentais da contra-informação, as insinuações de que o tal fundo de greve estaria a consistir em donativos de origem duvidosa, designadamente de associações políticas ou profissionais ou, sobretudo, de grupos privados da Saúde, que assim pretenderiam fazer concorrência desleal e destruir o Serviço Nacional de Saúde. E, mais do que isso, fez mesmo despertar dum longo e letárgico sono a ASAE para, qual seu “braço armado”, vir realizar ao referido fundo dos enfermeiros uma inspecção (que foi, não por acaso e muito significativamente, a primeira desde que ela está legalmente prevista e regulamentada).

E, assim, intencional e perversamente se preparou e se possibilitou aos usuais comentadores e opinantes, bem como aos sempre activos trollsdas redes sociais, começarem a propalar: “malandros dos enfermeiros. Afinal eles estão ao serviço de grupos privados da Saúde e estão a ser financiados por eles para acabar com o SNS!”.

É claro que o facto de rigorosamente nada permitir suportar semelhantes aleivosias e de o próprio site da Plataforma patentear que não havia donativos alguns dessa natureza e origem duvidosas – tal como depois noticiou o Expresso do passado Sábado, 16/2 – já não interessou nada, pois que a manobra (e a eficácia) da calúnia estava irreversivelmente lançada.

E nenhum dos caluniadores apareceu depois a retratar-se nos órgãos da mesma comunicação social que antes os promovera.

8) A novela dos Pareceres

Depois de o Governo ter finalmente decretado aquilo que desejava desde o primeiro momento, ou seja, a requisição civil, mas sem indicar, como devia, na fundamentação da respectiva Resolução do Conselho de Ministros um único facto concreto do alegado incumprimento dos serviços mínimos – incumprimento esse que os enfermeiros sempre negaram veementemente – o que se seguiu ainda foi mais inaceitável e inacreditável.

É que, entretanto, o Sindepor apresentou na segunda-feira 11/2, no Supremo Tribunal Administrativo, um processo administrativo especial e urgente para a protecção do direito fundamental à greve, o qual – uma vez mais contra a posição dos “especialistas” próximos do Governo – foi liminarmente aceite, sendo ordenada a citação do Governo e do Ministério da Saúde para contestarem em 5 dias, ou seja, até terça-feira 19/2.

Ora, não só continuaram então as manipulações dos programas cirúrgicos e as alterações da atribuição das prioridades, como se mantiveram as tais insinuações sobre o financiamento colaborativo.

Tudo isto até que na sexta-feira 15/2, ou seja, com o referido processo judicial a decorrer, vemos a ministra da Saúde convocar para as 19h45 uma conferência de imprensa (que depois prolongou cirurgicamente lá bem para o meio dos telejornais) e a aparecer, triunfantemente, a invocar que já proferira um despacho a homologar um (novo) Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o qual considerava a greve ilícita por questões relativas quer ao pré-aviso, quer ao financiamento, e ainda que – pasme-se! – “a ilicitude da greve está fixada”, pelo que a mesma tinha que acabar, procurando assim antecipar-se e substituir-se aos Tribunais e arrogando-se uma competência que, nos termos do artigo 205º da Constituição, só estes, e não de todo o Governo, têm, ou seja, a de declarar a ilicitude de actos ou situações.

Mas há mais ainda! É que, neste jardim à beira mar plantado que cada vez mais parece uma verdadeira “república das bananas”:

1.      O dito 2º Parecer aparece publicado na terça-feira 19/2 (ainda que com data do dia anterior), bem como o 1º Parecer, que permanecera fechado a sete chaves, mas já não era possível ignorar e cuja data, pasme-se, está truncada, pois o texto publicado no Diário da República refere: “Este Parecer foi votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, de … de fevereiro de 2019” (sic), assim não permitindo saber com precisão quantos dias durou a respectiva “quarentena”;

2.      é publicado também um despacho de homologação (o nº 1741-A/2019), mas da autoria do Primeiro Ministro, e que afinal é restrito à “parte relativa dos fundos de greve e às conclusões aí extraídas quanto à ilicitude de uma greve financiada através do recurso a mecanismos de financiamento colaborativo (crowdfunding)” (sic);

3.      o alegado – e publicamente anunciado nas televisões na sexta-feira 15/2 – despacho de homologação da Ministra da Saúde nãoé publicado e desaparece de circulação, e quando questionados pelos jornalistas sobre o que afinal se passava, os Serviços do Ministério respondem que ele não tem que ser publicado. Voltamos assim ao tempo dos despachos secretos de antes do 25 de Abril…;

4.      o dito 2º Parecer do Conselho Consultivo não só confunde, tão manifesta quanto lamentavelmente, as regras relativas ao funcionamento das associações sindicais (constantes do artº 405º do Código do Trabalho) com as regras legais de fundos de solidariedade ou do financiamento colaborativo levados a cabo por grupos de cidadãos (a já citada Lei nº 102/2015), como se permite um juízo opinativo da pretensa ilicitude da greve, com base – pasme-se! – em meras suposições ou suspeições (as tais da “campanha negra”), invocando que “pode vir a apurar-se a existência de donativos que são ilícitos, por violarem o disposto no artº 405º, nº 1 do Código do Trabalho ou outras normas ou princípios que vigoram no nosso ordenamento jurídico” (sic, 21ª conclusão), e que “a ilicitude desses donativos poderá provocar a ilicitude da greve caso se demonstre que estes, pela sua dimensão, foram determinantes dos termos em que a greve se desenrolou” (sic, 22ª conclusão).

Ou seja, dizem os doutos juristas da PGR que, como não sabem se houve ou não donativos ilícitos e se foi por causa deles que os grevistas fizeram aquela greve, então a mesma greve é ilícita! Novo regresso ao 24 de Abril, com a teoria do: “como não sei se fizeste ou não, então concluo que fizeste e que, deste modo, a tua conduta é ilícita”.

O que, aliás, não espanta, quando um dos autores do dito 2º Parecer, Eduardo André Folque da Costa Ferreira, se permite produzir esta verdadeira “pérola” do mais absoluto reaccionarismo:

“Em situações de limite, como a desta greve, há que refletir sobre a definição de mínimos nos serviços públicos essenciais, porventura reservando ao Governo a última palavra, em lugar de permanecer confiada a tribunais arbitrais desvinculados da prossecução do interesse público.”.

Por fim, convirá dizer que o dito Despacho homologatório do Primeiro Ministro – proferido sobre o parecer relativo à 1ª greve terminada em 31 de Dezembro e restrito à questão do crowfunding– constitui apenas uma interpretação oficial para os serviços, mas não para os trabalhadores que se encontram no exercício do direito fundamental à greve (como bem opinou, entretanto, contra os especialistas próximos do Governo, o Prof. Vieira de Andrade), não tem eficácia vinculativa externa, nem tem natureza normativa (não é lei!) nem jurisdicional (não é sentença) e não se pode de todo substituir à decisão dos Tribunais.

É claro que a “pólvora sem fumo” que o Governo julgou ter descoberto, mas que padece de inúmeras irregularidades e ilegalidades, foi logo tão abusiva quanto convenientemente amplificada para: “PGR decreta que a greve dos enfermeiros é ilícita!”. E de imediato transformada em instruções urgentes para se “acabar com a greve dos enfermeiros”, ameaçando-os com o corte das retribuições, com a marcação de faltas injustificadas e com processos disciplinares visando inclusive o seu despedimento.

E visa de igual modo criar uma intolerável pressão sobre os Juízes do Supremo Tribunal Administrativo para que não ousem proferir uma decisão desfavorável ao Governo sob pena de, se o fizerem, logo “levarem”, ou seja, serem acusados também de permitir o sofrimento e até a morte de doentes!

9) Concluindo…

A fúria persecutória do Governo parece assim não ter limites e decorre de todas as razões já atrás enunciadas. Mas nada tem que ver com a vida ou a saúde dos doentes, com cujas listas e tempos de espera o Governo e a Ministra da Saúde nunca se preocuparam até à primeira greve dos enfermeiros. E cuja existência real até procuraram falsear através de manipulações estatísticas e de apagões informáticos operados pela chamada ACCS – Autoridade Central dos Cuidados de Saúde no período de 2014-2016, e detectadas e denunciadas no Relatório da Auditoria da 2ª secção do Tribunal de Contas nº 15/2017, de 17/10/2017, no tempo em que tal Autoridade era presidida precisamente pela actual Ministra da Saúde.

E, já agora, em 2016 faleceram cerca de 2.600 doentes à espera de uma intervenção cirúrgica sem que o Governo do Sr. Costa tenha decretado qualquer requisição civil contra si próprio. E sem que a grande maioria das pessoas que agora tão violentamente se insurgiu contra os enfermeiros tivesse então feito sequer algo de semelhante em nome do direito à vida!

Mas se já Gil Vicente foi certeiro ao dizer que “se queres ver o vilão, mete-lhe a vara na mão”, não é menos verdade que mesmo os maiores gigantes têm pés de barro e quem se habitua a mentir e a cuspir para o ar, inevitavelmente, acaba um dia afogado pelo próprio cuspo!

Concorde-se ou não com a greve de fome de Carlos Ramalho, Presidente da Direcção do Sindepor, o certo é que ela é a expressão de uma vontade de dignificação de uma classe que luta há bem mais de 10 anos e que esgotou todas as formas de luta “fofinhas”. Trata-se de um enfermeiro que sente que está a lutar, não apenas por si próprio e pela sua classe, mas sobretudo por todos os cidadãos que precisam do SNS.

Termino assim com um apelo, e um apelo muito sentido: não se despojem nunca do vosso espírito crítico. Examinem as questões com seriedade e profundidade, não alinhando nem em “bocas” nem, muito menos, em insultos ou campanhas negras de homicídio de carácter. Não aceitem como legítimas a manipulação e a contra-informação. Verifiquem sempre os factos. Debatam todas as questões até ao fundo e não aceitem que esse debate seja substituído pelos chavões e sound bitesrepetidos até à exaustão por quem não tem qualquer argumento.

Quem, como os enfermeiros, tem a Justiça e a Verdade do seu lado, sabe que um dia lhes será reconhecida a razão!
António Garcia Pereira

Ah, não se preocupem com a minha saúde mental. Eu sou um grevista porreiro, daqueles que não faz mossa nenhuma. Olhem por vós, que eu cá me desenrasco.


O texto ficou escrito assim há vários dias, sem que tenha tido entretanto oportunidade de o publicar. De então para cá um dos sindicatos dos enfermeiros desconvocou a greve. Um outro sindicalista foi avante com a sua greve de fome. Eventualmente conseguiu uma audiência com a ministra da saúde e acabou também por desconvocar a greve.

No meio disto tudo, ainda persiste em mim o nojo de quem argumenta para aqui e para acolá, mas que não soube nunca indagar acerca das reais razões que levaram os enfermeiros a encetar a sua luta, e que não soube nunca defender para si próprio e para o país inteiro um melhor sistema de saúde público, com pessoal, infra-estruturas e materiais adequados, devidamente pagos e motivados.


Já agora, deixo o link para apenas um dos diversos documentos que os sindicatos dos enfermeiros foram divulgando ao longo do tempo acerca das suas reivindicações:

 
E, pelo amor da santa, não me venham com a treta do "não há dinheiro", porque isso só revela ignorância. O dinheiro não se evapora!... Informem-se!
 

Foram todos atrás da tremenda lavagem cerebral posta a funcionar num canal de televisão perto de si. E calha de hoje ter sido publicado no youtube um vídeo que relata este tipo de situações muito bem. Se não quiserem ler livros sobre o assunto e perceber a sério como funcionam as televisões, ao menos vejam este pequeno vídeo a ver se a ideia passa. E, já agora, desliguem os televisores... porque muitas vezes ver por lá o que o ministro anda a fazer é mesmo pior do que não saber nada. Há fontes melhores... mas se não quiserem ir a elas, pelo menos desliguem os televisores!