quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Parcialidade, ou sinais exteriores de lavagem...


O nosso homem viveu de uma determinada maneira. Outros homens, inspirados pela sua conduta, escreveram a sua história. Vários outros homens que mais tarde leram a sua história, interpretaram-na de várias maneiras. Uns acreditaram que o nosso homem tinha um objectivo, outros pensaram que o objectivo era outro. E assim, formaram-se vários movimentos, todos baseados no exemplo do nosso homem. Esses movimentos eram diferentes em alguns aspectos e similares noutros. Por razões muito humanas, os movimentos sempre souberam acentuar as diferenças entre si e com os outros. Por isso, os movimentos sempre lutaram entre si, e sobretudo sempre lutaram com os outros, os que eram alheios a qualquer movimento. Em nome do nosso homem os movimentos tentaram convencer à força milhões de outros homens. Em seu nome erigiram instituições com rígidas hierarquias e regras de conduta. Em seu nome construíram monumentos que faziam as pessoas sentir-se pequenas. Em seu nome moldaram as cabeças das pessoas. E com tudo isso, conseguiram manter enormes privilégios para alguns e muitos outros numa condição inferior, uma espécie de feudalismo material e intelectual.

O nosso homem? Jesus da Nazaré.

Quase todos hoje em dia acreditam que foi um homem bom. Muitos procuram o seu exemplo para os ajudar nas opções do dia-a-dia e para encontrar paz de espírito. Mas ninguém comete o erro de dizer que os padres que violam crianças, que as cruzadas contra os infiéis, que as mortes na fogueira, que a censura de livros e pensamentos, que o compadrio com instituições mafiosas são o resultado da vida de Jesus, ou aconteceram e acontecem por sua culpa.

Agora vejamos uma versão alternativa do texto inicial. Ide lá acima e substituí as duas primeiras frases por:

"O nosso homem escreveu os seus pensamentos naquilo a que podemos considerar a sua história."

Agora prossigam com o resto do texto: "Vários outros homens...", etc.

O nosso homem? Karl Marx.

Muitos hoje em dia acreditam que foi um homem mau. Ninguém lê os seus pensamentos, nem acreditam que isso os possa ajudar nas opções do dia-a-dia ou para encontrar paz de espírito. Mas todos falam dele como se o conhecessem ou como se o tivessem lido, e muitos cometem o erro de dizer que o autoritarismo, as ditaduras, o regime de Estaline, os campos de concentração, aquilo a que usualmente chamam, lá do fundo da sua profunda ignorância, de comunismo, são o resultado dos pensamentos de Marx, ou aconteceram e acontecem por sua culpa.

Ambos, cada um à sua maneira, foram crucificados por um povo imbecil.

Perdoai-lhes, Senhor, que eles continuam sem a mais pequena iluminação. Eu é que não te perdoo a ti, Senhor, que ao fim de milénios de horrores insistes em manter tudo neste jeito.

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