quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Das viagens e dos aviões e de perder países...

O livro “ponto azul claro” de Carl Sagan, livro que recomendo vivamente, começa com uma frase que diz qualquer coisa como: nós fomos deambulantes desde o início (“wanderers”, palavra que tenho dificuldade em traduzir, sendo que o mais próximo me parece ser “vagabundo”, sem a conotação pejorativa que a nossa moral lhe costuma anexar).

Pois fomos. E continuamos a ser. Se não o somos a uma escala, somos a outra. A humanidade, ao longo das décadas e dos séculos, nunca deixou de deambular, fisicamente e não só. Há qualquer coisa em nós que nos impele a procurar. A erva é mais verde do outro lado da montanha. E só estamos bem onde não estamos. E assim lá vamos nós.

À escala de uma pessoa e uma vida, a sua, a viagem, que pode ter muitas causas, permite o contacto com realidades distintas daquela que é a nossa. Presumo que possuímos uma realidade à qual podemos chamar nossa, mesmo que na realidade não seja mesmo nossa e mesmo que por vezes possa não ser esse o caso. Em geral acredito que essa é a principal causa para as viagens físicas que as pessoas fazem: o contacto com realidades diferentes. Quão diferentes serão essas realidades é algo que fica ao critério do freguês. Há quem dê meia volta ao mundo para rapidamente, à chegada ao seu destino, procurar um restaurante com comida do país de origem. Há quem se sinta reconfortado com a presença de símbolos que podemos adjectivar de globais e que em geral pertencem a grandes empresas multinacionais.

Aliás, só um aparte acerca desta coisa das “multinacionais”: penso que já não faz sentido dizer que uma grande empresa é multinacional. É uma grande empresa, pronto! O que é que as “nações” têm a ver com isto? Se já tiveram no passado, e por muito que eu ache certo ou errado, já não têm no presente.

Bom, há quem viaje então para reencontrar as mesmas coisas mas noutro lugar. É claro que também há quem viaje na maionese, na esperança de encontrar coisas diferentes no mesmo lugar! Há quem faça questão de ir do verão para o inverno ou vice-versa. Há quem goste de ir para sítios completamente diferentes onde não ouça nenhuma língua conhecida e não se coma nada parecido com salsichas e arroz e hamburgueres e assim.

As razões para procurar a diferença também variam, embora me pareça que resultam sempre de uma combinação com mais ou menos destes dois ingredientes: escape a uma realidade da qual se está cansado e procura de sensações novas. A viagem para um hotel tropical à beira-mar é um exemplo que talvez combine bem estes dois ingredientes, embora olhando bem à diversidade de coisas que há no mundo, para além do que passa na tv, eu diria que esse é um caso com pouca dose de inovação.

Mas descanso é algo que pode ser alcançado por muitas vias. Não é necessário viajar muito para descansar. Se calhar, na maior parte das vezes, até não é necessário viajar nada para descansar. Se calhar o que é necessário é simplesmente que as razões que conduzem ao cansaço se alterem. Muda-se o emprego, ou simplesmente não se vai trabalhar. Muda-se de sogra ou até de companheiro. Muda-se de casa. Desliga-se a televisão. Liga-se ou desliga-se a música. Pára-se o carro. Pedala-se. Pode-se fazer muita coisa para conseguir descansar sem ser necessário viajar, e estar aqui a listar essas coisas parece-me um pouco ridículo.

Para mim, o grande benefício das viagens é acima de tudo o conhecimento que delas se pode retirar. Diga-se que isto é como tudo na vida: vai dos sentidos e da cabeça de cada um. É tão fácil viver décadas sem saber o que é um choupo, mesmo passando todos os dias ao lado de um, como é ir à China e não ouvir chinês, sobretudo agora com a moda do mp3. Mas se se tiver a cabeça e os sentidos bem alerta, é possível aprender muito nas viagens. Sobre os outros, sobre a nossa própria realidade, e sobre nós mesmos. E ainda sobre os mais ou menos ténues fios que unem isso tudo.

Há mar e mar, há viajar e viajar. Para tudo é preciso tempo. E conhecimento é talvez das coisas que exija mais tempo. Para mim, que considero o conhecimento a maior recompensa da viajem (e não, por exemplo, a diversão, que muitas vezes trata aproximadamente do contrário, isto é, do adormecimento da cabeça), não fazem sentido as viagens curtas. Uma viajem deve ser longa. Quanto mais longa melhor. Quanto mais longo o tempo passado fora da nossa realidade, mais claros ficam os nossos olhos ao olhar para ela. Quanto mais longo o tempo passado junto de outra realidade, mais sábia fica a nossa mente ao pensá-la. Contraditório?...

As melhores viagens, para mim, são precisamente as que se fazem deambulando. Aquelas que não são episódicas, mas que fazem parte do nosso percurso. Que no final não têm voltar, mas sim continuar mais para diante.

Há coisas que nos prendem e nos impedem de fazer assim. E depois há opções. Porque como tudo na vida, nem tudo nas viagens são rosas.

Fernando Pessoa dizia que viajar é perder países. Pois é, pois é... Viajar é mesmo perder países. De cada vez que partimos, deixamos algo para trás. E se para mim o conhecimento é o que de melhor se tira da viajem, e se para adquiri-lo é necessário tempo, saltitar de um local para o outro é correr o risco de deixar tudo muito bem fragmentadinho e baralhadinho nas nossas cabeças. Vamos a Pequim e quando voltamos já podemos falar sobre a China inteira. Vamos a Bogotá e já conhecemos a América Latina. Vamos ao México e divertimo-nos imenso, e vamos a Londres tirar uma foto ao lado do guarda de chapéu esquisito e depois subimos à torre de Paris e atiramos uma pedrinha na torre de Pisa e perseguimos leopardos em África do Sul e subimos ao Empire State Building com pena de não poder subir às Torres Gémeas... E quando voltamos a Portugal descobrimos que já demos quase uma volta ao mundo, que depressa demais esgotámos tudo o que havia para ver e ficamos angustiados... Raramente, no entanto, ficamos angustiados pela principal razão que nos deveria deixar angustiados: que enquanto andámos a saltitar de um lado para o outro, perdemos Portugal, perdemos o nosso próprio país.

Perder países é perder conhecimentos profundos. E perder o nosso próprio país é perder as nossas próprias raízes.

Quando se olha para o mundo através dos óculos da física, pode-se regular a escala de acordo com o número inteiro que serve de expoente ao 10 e que precede a unidade internacionalmente aceite de comprimento que é o metro. 10 elevado a 0 e temos a escala do metro. 10 elevado a -3 e temos a escala do milímetro. Eh pá, acho que já preciso de óculos. 10 elevado a -6 e temos a escala do micrómetro. Bom, agora de repente já nem um microscópio normal dá bem conta do recado. 10 elevado a -9 e atingimos a escala do nanómetro e por esta altura já estamos muito próximo da escala do átomo, que é a do angstrom, 10 elevado a -10. 10 elevado a -12 é o picómetro. Em geral, tudo o que nos interessa passa-se em escalas superiores a essa, pelo que podemos parar aqui.

Se formos para o outro lado da escala, 10 elevado a 3 é o quilómetro. A esta escala podemos explorar as cidades. 10 elevado a 6 são 1000 quilómetros. Já estamos na escala dos países e dos continentes. 10 elevado a 9 é um milhão de quilómetros. Já estamos para lá da lua, na escala do sistema solar. A escala das viagens estelares atinge-se a 10 elevado a 12 metros. Por curiosidade, o universo conhecido terá uma extensão cuja ordem de grandeza andará nos 10 elevado a 24 metros.

Ao contrário do que intuitivamente se possa pensar, os mundos das escalas grandes e os mundos das escalas pequenas não funcionam do mesmo modo. Por exemplo, enquanto é fácil imaginar um fotão a passar muito rapidamente de um átomo para o outro, é impossível pôr uma nave espacial a passar rapidamente de uma estrela para outra. Mesmo se tivéssemos uma nave espacial que viajasse à velocidade da luz, levaríamos anos de viagem ininterrupta para chegarmos à estrela mais próxima! Outro exemplo: enquanto compreendemos bem que um calhau sólido a embater noutro calhau sólido possa fazer ricochete, à escala dos planetas a noção de “sólido” e de “ricochete” não faz muito sentido!

Bom, ao nível das viagens passam-se coisas semelhantes. Nós temos bem a mania de nos enfiarmos na nave espacial e irmos por aí fora à procura de estrelas novas. Quanto mais longe melhor! E depois de muito viajarmos pela galáxia, começamos a ficar constrangidos com a sensação de que não há mais nada para ver. No entanto não nos detivemos nas estrelas por onde passámos e não exploramos os seus sistemas planetários. Não nos detivemos nesses planetas e não analisámos a sua atmosfera, a sua litosfera ou os seus seres vivos. Acima de tudo, não nos detivemos tanto quanto poderíamos no nosso próprio planeta. Muito menos no nosso país, na nossa região, na nossa vila, aldeia ou cidade, nos nossos vizinhos e amigos e nas famílias deles, nos ribeiros e cantares e manjares lá da terra e nas verrugas da Dona Miquinhas! Viajar é perder planetas!

Isto são as viagens.

Quanto aos aviões, são bichos metálicos que andam no ar (segundo um amigo só o fazem por sugestão) quando se lhes dá o alimento correcto e o devido espaço para correr. Fazem muito barulho. Levam pessoas e coisas lá dentro. Às vezes caem e as pessoas morrem. As coisas não morrem, mas ficam espalhadas e com muito mau aspecto. Mas normalmente não caem. Levam as pessoas e as coisas muito depressa para sítios muito distantes. Como são bichos que comem, também deitam os seus dejectos, chamados fumo. O fumo dos aviões tem coisas más lá dentro e essas coisas más dão cabo do ar.

Os aviões têm de facto um grande impacto no ambiente. Não quero entrar em grandes discussões acerca disto, também porque não gosto de falar de coisas que não sei. Sei que fazem um barulho do caraças. Para os aviões comerciais normais esse barulho é sempre audível no solo que lhe fica imediatamente em baixo, não importa a altitude a que ele voe. Quando lá vai a 11 quilómetros de altitude é apenas uma nota inestética numa paisagem de resto silenciosa. Quando está prestes a aterrar, como é o caso sistemático com os aviões que passam ao lado do sítio onde trabalho, chegam a fazer vibrar os edifícios.

Mas também sei outras coisas acerca de aviões. E uma das coisas que sei é que queimam combustível que é um derivado do petróleo, não muito diferente da gasolina dos automóveis, e que o produto dessa combustão, tal como nos automóveis, dá de facto cabo do ar. Sei também, ou julgo saber, porque não pude investigar directamente este assunto, que um avião comercial consome por passageiro qualquer coisa como 5 litros de combustível por cada 100 km. Aproximadamente o mesmo que um automóvel. É claro que esse valor depende do curso da viagem, do tipo de avião, do número de passageiros que transporta, etc, mas os 5 litros aos 100 km são um valor médio aproximado.

Finalmente, sei o que toda a gente sabe, nomeadamente que para viajar para longas distâncias o avião não tem rival, pelas velocidades médias que permite alcançar. E como o nosso estilo de vida é sempre bastante ávido de tempo, o avião é essencial para em meia dúzia de horas nos transportar para destinos longínquos, destinos que nem numa semana inteira de viagem de automóvel ousaríamos alcançar!

Quando os aviões comerciais surgiram os voos eram caros e viajar de avião era considerado um serviço de luxo. Com o passar do tempo o serviço banalizou-se e foi-se tornando acessível a um número cada vez maior de pessoas. Finalmente, há poucos anos, o “boom” das “low cost”, isto é, a explosão das companhias de baixo custo, fez com que as viagens de avião se tornassem mesmo mais baratas que viagens noutros meios de transporte, mesmo para distâncias relativamente curtas.

De repente, em Portugal, e à imagem do que se passou numa data de outros países, toda a gente começou a viajar de avião a torto e a direito. Para os urbanitas, férias sem viagem de avião passou a ter o mesmo sabor que bolo de chocolate sem chocolate! É interessante pensar como quando eu era miúdo, as férias de sonho da malta lá do Porto eram qualquer coisa como ir ao Algarve ou, para os mais exóticos, ir a Paris, e isso só se fazia muito de vez em quando... e quase nunca de avião... e hoje férias sem avião, é o que se sabe!

O lado bom desta maior acessibilidade dos voos é relativamente evidente. O lado mau é que é geralmente mais difícil de ver. E infelizmente cá vou eu de novo ter de chamar a atenção para um aspecto negativo que não é tão evidente. Mas eu vejo-o, e claramente gostaria de não ser o único a vê-lo, porque me preocupa.

Preocupa-me aquilo a que se chama de globalização que estes aviões todos vieram permitir. Mas essa é uma conversa longa que vou deixar para outras calendas de outros calendários.

Preocupa-me o vício que isso causa nas pessoas. Eu defino vício do seguinte modo: é um vício aquilo cuja presença causa bem-estar, mas cuja ausência causa mal-estar. Podem divertir-se a classificar arbitrariamente uma grande quantidade de coisas ou atitudes como vícios usando esta definição. Mas uso-a para distinguir o que é viciante daquelas outras coisas cuja presença causa bem-estar, mas cuja ausência não provoca mal-estar. No caso das viagens de avião, parece-me que a tendência é para elas caírem cada vez mais na minha definição de vício. E isso preocupa-me.

Finalmente preocupa-me também o impacto ambiental que as viagens de avião provocam, sobretudo ao nível dos produtos da combustão que libertam para a atmosfera. Claramente, como consumidores de combustíveis fósseis, não poderão manter-se eternamente. Já pensaram como será no momento em que o petróleo acabar? Certamente não será para daqui a pouco, mas igualmente certo é que esse momento, aconteça o que acontecer, há-de chegar. Que farão então os viciados em viagens de avião?... Irão a nado?... Suicidar-se-ão?... Ou passarão a tricotar à lareira? Lareira de feixes iónicos abastecida a electricidade produzida a partir de energia solar e eólica, porque por essa altura já não haverá lenha para queimar, porventura nem moveis de madeira sobrarão, e a fusão nuclear continuará a ser uma miragem.

Mas entretanto, enquanto continuamos a retirar petróleo das profundezas da crosta e a espalhar metade dele pelos oceanos, petróleo esse de que somos todos responsáveis, os aviões continuam a poluir a atmosfera e a aquecer o planeta.

Façamos umas contas breves: se eu andar 50 km de carro por dia, todos os dias, ao fim de um ano terei andado 18250 km. Imaginemos que esse carro até gasta pouco, qualquer coisa como 5 litros por cada 100 km. Imaginemos agora que nas minhas férias eu opto por uma viagem de avião a Macau. Sei lá a quantos quilómetros fica Macau do sítio onde vocês se encontram a esta hora, mas se for a mais de 9000 km então vocês gastarão mais combustível na vossa viagem anual para espairecer a moleirinha do que num ano inteiro para trás e para diante em engarrafamentos!

E isto deveria fazer-nos pensar...

E se quisermos pensar um pouco mais, tentemos imaginar o que aconteceria se todas as pessoas do planeta também fizessem a sua viagenzinha anual para espairecer o miolo... Se quisermos sentir-nos ainda pior, pensemos que essas pessoas, ao saberem que nós andamos para aqui a saltitar de lugar em lugar sentados em aviões a jacto, ficam deveras com vontade de fazer o mesmo ou ainda mais, e que só não o fazem porque não têm o mesmo dinheiro que nós... Porque se o tivessem!...

Que legitimidade temos nós, portanto, de andar para aqui a fazer isto, com os narizes empinados, todos cientes dos nossos direitos, sobretudo depois de um ano inteiro de trabalho e ainda para mais quando todos os nossos amigos também o fazem? Que raio de legitimidade temos nós?... Mas que espécie de deus julgamos que somos?...

Bom, o que fazer então?

O consumo de viagens de avião não é diferente de todo o restante consumo, seja ele de latas de refrigerante, de viagens de automóvel, de camisolas, de horas na sauna, de lavagens ao cabelo, de livros, de tudo e mais alguma coisa: tudo o que consumimos tem um impacto no ambiente.

Claramente o que devemos fazer é deixarmos de nos preocuparmos com o ambiente! E já está! :)

Bom, eu estava a brincar, mas a verdade é que há muita gente que toma precisamente essa opção! E agora podemos discutir aqui se temos ou não o direito, ou o dever, ou a legitimidade para lhes chamar a atenção para o assunto (pode ser através de açoites ou de outro método moderno qualquer).

Se tudo o que consumimos tem um impacto no ambiente e se somos muitos, claramente vamos causar um impacto brutal. A questão não é necessariamente reduzir esse impacto a zero e deixar de viver. A questão é saber se esse impacto é suportável pelo meio ambiente ou não. E isto remete para os estudos sobre a capacidade de carga (ou lá como se traduz “carrying capacity”) da natureza e do planeta relativamente à nossa actividade. Claramente esta capacidade de carga variará consoante os critérios que forem adoptados.

Munidos de valores para aquilo que o meio ambiente é capaz de suportar, temos depois de proceder à repartição dessas capacidades poluidoras pelas pessoas do planeta. Isto pode parecer evidente, mas é tudo menos evidente. Pode-se pensar (e é sem dúvida aquilo em que acredito e que defendo) que a repartição mais justa seria feita através da divisão em partes iguais a cada habitante deste planeta. No entanto, as teses defendidas pelos maiores detentores da riqueza são bastante desiguais e, quem diria, tendem a atribuir a si próprios uma maior capacidade poluidora que aos demais. Mercados de carbono e princípios de poluidores-pagadores e quotas com base em registos históricos e o diabo-a-sete são todas formas de implementar essa repartição desigual.

Finalmente, depois de feita a repartição e de sabermos quanto é que podemos poluir, só temos de fazer um esforço por não poluir mais do que o montante que nos foi atribuído. Deixo à consciência, ao interesse e ao conhecimento de cada um as análises e as contas que lhes permitirão saber quanto é que é justo poluir. Mas não duvido nada que viagens de avião de milhares de quilómetros tivessem de passar a ser feitas apenas uma vez por década, ou menos!

Significa isso que teremos de deixar de viajar? Não, de forma alguma. Significa, a meu ver, que deveríamos deixar de ser os consumistas frenéticos que somos, crentes que a nossa felicidade não pode ser atingida de outro modo. Temos de aprender a viajar de outro modo. Se fizermos as coisas com mais vagar, se calhar até viajamos mais, aprendemos mais e, quem sabe, se calhar até nem perdemos países!

Sou como um rio...

Sou como um rio
Que corre ao contrário
Do todo ao nada
Na procura de mim,
do meu eu solitário

Subo contra a corrente
e a cada afluência
me aparto
de um bocado que sou.

Aperta-se o caminho
e aperta-me a angústia
de não saber se é certeiro
este frio ribeiro
que percorro sozinho.

Meu deus,
por onde vou?

E salto e mergulho
e pulo falésias
ascendente
e me aparto e liberto
e me vejo mais claro
cada vez mais claro
a cada afluente
e mais limpo e mais puro
e mais transparente
e porém...

A cada acalmia
a razão indaga
e o coração sente,
a questão recorrente
de uma alma
olhando-se ao espelho
perguntando
se é esta água fria
o sumo de onde veio.
E assim...


Permanentemente
batalho o tempo
e percorro o espaço
à procura de mim.
E salto e mergulho
e pulo falésias
cada vez mais claro
e contorno penedos
e perco afluentes
cada vez mais puro
e mais transparente
e procuro...
e batalho...
onde estou?
quem sou eu?...

E quando fatigado
finalmente paro,
deito-me em mim,
em mim me lavo.
Descanso-me.
Refaço-me.
Daquilo que sou
bebo força e alento.
E já saciado
levanto-me,
enfrento-me,
e descubro de novo
o que me faz correr
como um rio ao contrário:
que a sensação de ser quem sou
é só um acaso temporário.

AWF, Lisboa e Aveiro, 28 Setembro 2010

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Um simples balde de água...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Hoje de manhã...

Hoje de manhã liguei a radiotelefonia para ouvir as notícias...

Deus nos livre de semelhantes lavagens aos cérebros!... Que trapalhada! Como é que gente inteligente acredita em coisas tão estúpidas, meu deus!... De facto, custa a perceber como é que nós encaixámos nas nossas cabecitas que para sermos cidadãos cultos e informados devemos ler, ver e ouvir as notícias, ingerir sem digerir acontecimentos em segunda mão, seleccionados e apresentados de acordo com a vontade de outros, em vez de vivermos os acontecimentos em primeira mão e de os discutirmos com quem também o fez.

Em vez de sair à rua para viver, ficamos em casa com as notícias, que nos deixam informadinhos da vida!

Ora vejamos então o que se passou. Liguei a rádio e pouco depois chegou a hora das notícias. E foram elas assim por esta ordem:

1

Relatório da OCDE sobre Portugal aconselha (entre outras coisas) à diminuição dos impostos sobre os salários e ao aumento do IMI e do IVA. (ouvir)

A OCDE aconselha uma data de coisas, na realidade. Basicamente aconselha Portugal a crescer, uma vez que o seu problema é o crescimento! Sinceramente!... Mas vejamos com mais detalhe. Recomenda:
  • aumento do IMI, e em relação a isso não digo nada, e do IVA, que é dos impostos mais injustos (se alguém quiser perceber porquê terei todo o gosto em explicar), em substituição do IRS, que além de incidir nos rendimentos do trabalho, também incide, e bem, nos rendimentos do capital (rendas, juros, lucros e outras mais-valias), e além disso fá-lo de forma escalonada, com taxas maiores para quem tem rendimentos maiores - muito bem OCDE!
  • diminuição das contribuições para a segurança social dos patrões - muito bem OCDE!
  • diminuição dos salários dos funcionários públicos - muito bem OCDE!
  • aumento da poupança do Estado e dos particulares. Bem, nesta aqui deviam estar claramente a gozar connosco! Então vamos poupar o quê?... Só pode ser uma recomendação para os ricos... só pode! E nesse caso deve significar algo como: ricos, tratam de manter o vosso dinheiro paradinho, nada de o pôr a mexer! - muito bem OCDE!
  • diminuição do consumo. É sobejamente sabido que diminuir o consumo costuma fazer muito bem às economias moribundas!... De qualquer modo não será muito difícil atingir este ponto, pelo andar da carruagem - muito bem OCDE!
  • aumento do investimento em obras públicas de transportes, com especial referência para o novo aeroporto. Mas, será que a OCDE sofre de esquizofrenia?... Por um lado é preciso aumentar a poupança e diminuir o consumo, por outro é preciso aumentar o investimento?... Mas vá, há coisas que são mesmo necessárias para o desenvolvimento de um país. Não falamos de educação nem de bibliotecas ou de saúde ou de instalações desportivas ou algo do género. O que nós verdadeiramente precisamos para andar para a frente é de um novo aeroporto e de um TGV - muito bem OCDE!
  • diminuir o défice do Estado. Sofre mesmo de esquizofrenia - muito bem OCDE!
  • flexibilizar o mercado de trabalho. Claro! A culpa disto tudo é da porra dos trabalhadores que não fazem o que os outros querem que eles façam! Cambada de mal-educados!... Flexibilização nunca é demais! - muito bem OCDE!
  • apostar na educação. Bom, parece uma boa recomendação, aqui tenho de dar o braço a torcer. Só me fica a dúvida sobre como é que se irá implementar isso... Não pode ser o Estado a tratar disso, que esse precisa de cortar nas despesas e precisa de aumentar a poupança e além disso o pouco dinheiro que tem é para o aeroporto e para o TGV. Por outro lado será difícil pôr as pessoas a pagar a sua própria educação, uma vez que elas verão os seus salários a diminuir e terão de poupar mais, se conseguirem, claro. Além disso também vão andar atrapalhadas a mudar de emprego, a mudar de local de trabalho, a tirar cursos e cursos profissionais e a trabalhar horas extra por causa da flexibilidade. Claramente isto deve ser um incentivo a quem tem dinheiro para apostar na sua própria educação, na base do "aprenda-você-mesmo", que aliás é o espírito destas reformas de Bolonha do ensino superior - muito bem OCDE!
  • aumentar a produtividade. Bom, pode-se duplicar a produtividade duplicando os preços de venda. Há outras formas de o fazer. Mas seja o que for que estivesse no espírito de quem fez a recomendação, certamente isso será aproveitado para pôr os trabalhadores a trabalhar mais e pagar-lhes menos, que é a nossa forma usual de interpretar a questão - muito bem OCDE!
2

Reacção dos maiorais da nossa economia ao relatório da OCDE. Mira Amaral considera que "toda a gente sabe que a despesa tem de ser cortada" e que falar em aumentar os impostos o deixa perplexo. (ouvir) João Duque considera que é necessário "pensar seriamente como é que se vai tocar nos salários". (ouvir)

Transmite-se, portanto, a ideia de que a solução para os problemas nacionais, o que, subentende-se, é o mesmo que dizer a solução para os nossos problemas individuais, passa pela redução da despesa pública que, como toda a gente sabe, é em grande medida inútil.

Vai daí, podia-se começar a pensar nos carros de luxo dos políticos ou nos rios de dinheiro gastos em recepções de papas e de organizações como a NATO, mas não, porque toda a gente sabe que o problema são os salários dos funcionários públicos. E bem, nós até nem queríamos ter de mexer nisso... é uma pena... mas tem de ser!

3

Auxiliares de educação contratados pelo Estado a 3 euros por hora. (ouvir)

Cá está, de acordo com as notícias anteriores, uma medida óptima por parte do ministério da educação! Não só se aposta na flexibilização do emprego, como também se diminui as despesas do Estado! Além disso, também se diminui o consumo dos particulares, uma vez que eles assim mal têm dinheiro para sobreviver, o que está de acordo com as recomendações da OCDE!

O que está errado nesta notícia é que ela é apresentada como uma crítica à actuação do ministério!... Ora, sendo assim, afinal em que é que ficamos? Devemos contratar auxiliares de acção educativa como deve ser, dando-lhes contratos com direitos e um salário justo, ou devemos fazer o que está a ser feito?

É assim que o cidadão se informa e se cultiva... Boas notícias!

4

PSP vai receber 5 milhões de euros para se apetrechar para a conferência da NATO a decorrer em Lisboa em Novembro. (ouvir)

Veículos anti-motim, material para informação e contra-informação e para bloqueio de telemóveis, escudos, viseiras, capacetes, gás lacrimogénio, etc.

Tudo isento de concurso público, qual cereja no bolo!

Não sei bem se isto está de acordo com as recomendações da OCDE ou as do bom senso, ou até as minhas, mas concluo que tenho uma amálgama de coisas na cabeça suficiente para me sentir culto e informado e portanto esqueço um pouco a telefonia e vou tomar banho...

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Conversas sobre "psicologia positiva" no freecycle...

Aqui está a conversa que a oferta de livros de psicologia no freecycle originou. Mais portas abertas à reflexão...

---------------------------

Eu:

(...)

Estou interessado nos seguintes livros:
(...)

Ainda estão disponíveis?

Já agora uma pergunta indiscreta: tantos livros sobre este assunto da ultrapassagem de problemas psicológicos... Resultam? Aprende-se mesmo com eles? Ajuda-se mesmo os outros com eles? Fico curioso...

Ela:

:) eu estudei psicologia, eram os meus livros da faculdade que ficaram na arrecadação, eu não exerço.

Estes não são de auto-ajuda são mais técnicos, pensei que podiam ser úteis a quem exerça ou queira exercer.E sim, a terapia ajuda, depois também depende do terapeuta, do tipo de problema, às vezes é necessário medicação, depende de algumas coisas. Agora a psicologia ainda está um pouco "verde", tem cerca de 100 anos, muito deve haver para descobrir. Há agora umas abordagens interessantes da psicologia positiva, mas estes livros são mais para quem quer ser terapeuta, tenho dado alguns a estudantes :)

Eu já dei alguns dos livros que pediste, vou colocar um X nos que já não tenho.
(...)

Eu:

sobraram os livros da psique! :)
estou interessado à mesma.
onde e quando posso pegar neles? eu trabalho no lnec todos os dias até às 18, pelo que qualquer sítio em Lisboa às 18:30 deve dar. fico à espera de sugestões!

eu interesso-me por tudo o que se mexe e não se mexe. tenho curiosidade de ler o que dizem os livros. há diversas razões para ter levantado a questão que levantei. (...) a verdade é que eu gosto de acreditar que sou capaz de fazer um mundo melhor, começando por mim e, se for possível, tarefa arriscada, continuando nos outros. quanto mais não seja ajudo as pessoas ao acompanhá-las, ao ouvi-las. e pensei que talvez esses livros me pudessem ser úteis.

depois também pensei que se eles podem ser úteis para mim, talvez também possam ser úteis para as próprias pessoas que têm auto-estimas que andam pelas ruas da amargura, que têm crises profundas de ansiedade, etc etc. muitas dessas pessoas têm perfeita capacidade de ler livros de psicologia... quem sabe?... aliás, uma das várias pessoas que conheço com formação em psicologia garante-me que os psicólogos são na sua maioria apanhados da moleirinha! :) bom, a ideia é que os livros poderiam ser úteis para essas pessoas administrados directamente... ou talvez não... não sei.

finalmente, uma questão que me parece estar a tornar-se cada vez mais actual, não em mim, mas nas pessoas e no mundo que me rodeia (ou será apenas o meu ponto de vista?), é a de saber, do ponto de vista filosófico, se a ajuda é possível. eu acredito que sim. mas ao contrário das minhas crenças, parece que há cada vez mais individualismo e salve-se quem puder... tal como na economia, e na sociedade inteira em geral, as soluções colectivas são preteridas em favor das soluções individuais, as relações fragilizam-se, a solidão alastra... aliás, tenho uma data de amigos, em geral na casa dos 20, que acreditam que a felicidade se atinge precisamente na base do "who cares?" e que claramente se estão a marimbar para estas questões da ajuda, certamente a hetero...

na realidade, uma coisa que noto, e talvez até me possas dizer algo acerca disso, é que quanto pior as pessoas se sentem, mais têm tendência a fechar-se em si próprias e nos seus problemas e a esquecer que os outros que os rodeiam muitas vezes partilham os mesmos problemas. no fundo, quanto pior as pessoas se sentem, mais individualistas se tornam, o que acaba num "círculo viscoso"...

bom, desculpa esta conversa certamente inesperada num sítio onde é suposto dar e receber bens materiais.
fico à espera de uma sugestão de data e hora para ir buscar essas folhas todas.
obrigado.

Ela:

Xi alexandre, ultimamente vou a Lisboa quando o Rei faz anos, preferia que viesses a Paço de Arcos, mas vou ser sincera, acho que estes livros não vão servir os teus objectivos.

O que tu queres são livros de auto-ajuda e desses há muitos na internet, vou-te enviar um em inglês, ainda não li mas dizem que é muito bom. É a tal corrente da psicologia positiva que falei. Estes livros focam mais o que torna as pessoas felizes do que no que deixa as pessoas sem problemas. É uma diferença subtil, mas muito muito interessante....e agora não o encontro mas sei que o tenho algures, envio-te quando possa.

Os livros que tenho são muito bons livros académicos mas não para o que pretende. Tenho alguns desse género e podemos manter contacto.

Fico contente por seres uma pessoa interessada e que gosta de ajudar os outros. Muitas vezes as pessoas isolam-se porque se sentem sem valor, sentem-se envergonhadas, tristes não porque são más ou individualistas.

Compreendo bem o que queres dizer quando falas em dar o teu contributo para um mundo melhor, atitude que pessoalmente admiro muito e espero que nunca a percas.

Fica combinado que te envio o que tiver de livros de auto ajuda assim como sites onde os podes encontrar. E esses sim, podem ser administrados às pessoas directamente :) até porque as pessoas mudam comportamentos, emoções, através das novas aprendizagens, novos pontos de vista.

sobre o individualismo, não tenho grande opinião...sei que os grupos de amigos e a família, quando saudáveis são uma grande fonte de apoio e saúde emocional. E existem muitas formas de fazer amizades novas, é só preciso um pouco de imaginação, grupos com os mesmos interesses, voluntariado, viagens, exercício físico e mesmo internet, tudo boas maneiras de fazer novas amizades.

Beijinhos, espero que não fiques chateado comigo mas prefiro oferecer este tipo de livros a estudantes. Arranjo uns mais adequados a ti :) Lês espanhol, inglês?

Eu:

Xi, agora digo eu! :)

Então eu falo em problemas de individualismo e falo em ajudar os outros e tu concluis que eu preciso de livros de AUTO-ajuda? Houve aqui certamente alguma coisa que não consegui transmitir!... :)

Compreendo que prefiras oferecer os livros a estudantes. Acredito que podem tirar deles mais proveito do que eu.

Independentemente disso, e não quero ser agressivo com a crítica, não me atrai a forma como repetes na tua mensagem a ideia de que os livros não são para todos, ideia subsidiária da outra que suporta a compartimentação do saber em universos mais ou menos estanques e esotéricos e que entre outros nomes podem ser chamados de "especialidades". As pessoas que vivem dentro de um desses universos são os "especialistas". E assim, crentes no avanço da ciência, no aumento do conhecimento, no progresso tecnológico, lá vamos nós pela vida fora a cavar fossos, muitas vezes sem darmos por isso. Eu acredito que ninguém é à partida suficientemente desprovido de inteligência para não compreender os livros que para aí andam. No entanto, se acreditarmos nisso com muita força, aos poucos as pessoas acreditarão também que há coisas que não são para elas.

Finalmente, sobre a "psicologia positiva". Para que haja uma psicologia positiva é necessário que exista uma não psicologia positiva, talvez uma psicologia não positiva, ou então mesmo uma psicologia negativa. Claramente ela terá de definir-se por oposição àquilo que ela não é, como tudo o resto. E isso implica, novamente, uma compartimentação da psicologia. Eu compreendo a necessidade de fomentar aquilo que é bom (seja lá isso o que for). Compreendo também a necessidade de combater aquilo que é mau (idem). Não compreendo é que se opte por uma destas vias e se esqueça a outra. Isso seria equivalente a investirmos em muitos e bons hospitais e simultaneamente ignorarmos o tabagismo, o sedentarismo, a má alimentação, etc. Ou, alternativamente, seria equivalente a apostarmos numa boa alimentação, exercício físico e tudo o mais que possa contribuir para uma boa saúde, deixando os hospitais ao abandono.

Pois na realidade o que me preocupa, e tentei expressá-lo na mensagem anterior, é precisamente o equivalente a esta última analogia. Não creio que estas ondas de livros de auto-ajuda e de psicologia positiva estejam desligadas do individualismo e do modo de pensar "who cares" que eu critico.

Fica a reflexão.
E obviamente um obrigado pelo tempo gasto nas respostas e pela participação no freecycle.

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Estou para ver se a minha resposta vai gerar na outra parte o entendimento de que fiquei chateado porque não pude ficar com os livros!...
:)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

10 regras para bem escrever...

Não utilize nunca a dupla negação.
Cada pronome deve sempre concordar com os seus antecedente.
Nunca use vírgulas, que não sejam necessárias.
O verbo têm de concordar com o sujeito.
Em relação a deixar frases incompletas.
Nunca se deve infinitivos compostos separar.
É necessário saber usar correctamente os apóstrofo's.
Depois de escrever, leia sempre o que escreveu a ver se não se de nada.
Não dê erros hortográficos!

[compilação de Harold Evans, retirada do livro de Martin Gardner "Ah, apanhei-te!"]

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Frase do dia...

Um pouco do que nos faz mal, faz-nos bem.

Digo-o eu. E digo que se aplica a uma quantidade enorme de coisas de todos os tipos.

Lembrei-me disto a ler sobre dores musculares resultantes de exercício físico. Em inglês, delayed onset muscle soreness, DOMS. Uma passagem do artigo da wikipedia diz assim:

"Counterintuitively, continued exercise may temporarily suppress DOMS. Exercise increases pain thresholds and pain tolerance. This effect, called exercise-induced analgesia, is known to occur in endurance training (running, cycling, swimming), but little is known about whether it also occurs in resistance training."

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Fotos da Serra de Arga...

Fotos do "Burro e o Gaiteiro"...

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Fotos do Courel...

Facebook...



Este chegou-me através da Mariana Topa, a quem agradeço! :)

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Do que um homem é capaz...



Letra para ser lida, ouvida, cantada, devagar, de José Mário Branco:

Do que um homem é capaz,
as coisas que ele faz
p'ra chegar aonde quer

É capaz de dar a vida
p'ra levar de vencida
uma razão de viver

A vida é como uma estrada
que vai sendo traçada
sem nunca arrepiar caminho,

e quem pensa estar parado
vai no sentido errado
a caminhar sozinho

Vejo a gente cuja a vida
vai sendo consumida
por miragens de poder

Agarrados a alguns ossos
no meio dos destroços
do que nunca vão fazer

Vão poluindo o percurso
co'as sobras do discurso
que lhes serviu pr'abrir caminho

À custa das nossas utopias
usurpam regalias
p'ra consumir sozinho

Com políticas concretas
impõem essas metas
que nos entram casa dentro

Como a Trilateral
co'a treta liberal
e as virtudes do centro

No lugar da consciência
a lei da concorrência
pisando tudo p'lo caminho

P'ra castrar a juventude
mascaram de virtude
o querer vencer sozinho

Ficam cínicos, brutais,
descendo cada vez mais
p'ra subir cada vez menos

Quanto mais o mal se expande
mais acham que ser grande
é lixar os mais pequenos

Quem escolhe ser assim,
quando chegar ao fim,
vai ver que errou o seu caminho

Quanda a vida é hipotecada
no fim não sobra nada
e acaba-se sozinho

Mesmo sendo poderosos
tão fracos e gulosos
que precisam do poder

Mesmo havendo tanta gente
p'ra quem é indiferente
passar a vida a morrer

Há principios e valores
há sonhos e há amores
que sempre irão abrir caminho

E quem viver abraçado
à vida que há ao lado
não vai morrer sozinho

E quem morrer abraçado
à vida que há ao lado
não vai viver sozinho

De bicicleta para o trabalho...


Hoje, pela primeira vez, vi um sujeito a ir para o trabalho (não sei se no Júlio de Matos, mas foi lá que ele entrou) de bicicleta no mesmo troço que eu faço quase todos os dias, à beira (em lisboeta: ao pé) do aeroporto. Ia à minha frente. A bicicleta dele tinha umas rodinhas muito pequeninas!... Mas ainda assim não consegui apanhá-lo! :)

Hoje somos dois, amanhã tomaremos a cidade, e depois o céu será o limite! :)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Frase do dia...

"A escola é um rito iniciático que introduz o neófito à carreira sagrada do consumo progressivo..."

Atribuída a Ivan Illich.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

"Separation barrier"...

Algo para chocar um pouco. Vejam lá este artigo da Wikipedia. Milhares e milhares de quilómetros de barreiras que impedem a movimentação das pessoas (e por vezes também de alguns animais). Reparem na grande lista de barreiras e nos seguintes pormenores:
  • muitas barreiras são muito recentes, algumas ainda estão a ser construídas e outras ainda estão só no papel;
  • os governos que as mandam construir são geralmente defensores da liberdade, e os povos envolvidos são sempre povos pacíficos e com filosofias de vida milenares e o diabo-a-sete (obviamente ironizo);
  • as justificações para a construção das barreiras têm sempre a ver com algo que é ilegal.
Pois é sempre fácil para os governos considerarem que o terrorista está do outro lado e condenarem as actividades ilegais, todas elas, assim classificadas por força da lei que eles próprios construíram.

A humanidade, tão linda humanidade, não deixa de me chocar. Não deixa de me surpreender como as pequenas distrações de cada um de nós se transformam nestas barbáries.