sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Acho que vou considerar o uso de gravata...
De Steven M. Johnson, que escreveu um livro interessante acerca das suas ideias interessantes, chamado "what the world needs now", onde compila, como se vê, tudo o que o mundo precisa agora! :)
Faz-me lembrar o senhor Carlos Tavares, presidente da comissão do mercado de valores mobiliários (CMVM), a defender hoje mesmo as aquisições, fusões, acções... só que este não estava a ser irónico... Ouçam lá.
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
Poemarma...
Que o poema tenha rodas, motores, alavancas,
que seja máquina, espectáculo, cinema,
que diga à estátua: sai do caminho que atravancas!
Que seja um autocarro em forma de poema,
que o poema cante no cimo das chaminés,
que se levante e faça o pino em cada praça,
que diga quem eu sou e quem tu és,
que não seja só mais um que passa.
Que o poema esprema a gema do seu tema
e seja apenas um teorema com dois braços.
Que o poema invente um novo estratagema
para escapar a quem lhe segue os passos.
Que o poema corra, salta, pule,
que seja pulga e que faça cócegas ao burguês.
Que o poema se vista subversivo de ganga azul
e vá explicar numa parede alguns porquês.
Que o poema se meta nos anúncios das cidades,
que seja seta, sinalização, radar,
que o poema cante em todas as idades,
que lindo, no presente e no futuro o verbo amar.
Que o poema seja microfone e fale,
numa noite destas, de repente, às três e tal,
para que a Lua estoire e o sono estale
e a gente acorde finalmente em Portugal!
Que o poema seja encontro onde era despedida,
Que participe, comunique e destrua para sempre
a distância entre a arte e a vida.
Que salte do papel para a página da rua,
que seja experimentado
muito mais que experimental.
Que tenha ideias sim, mas também pernas,
e até se partir uma não faz mal!
Antes de muletas que de asas eternas.
Que o poema assalte esta desordem ordenada,
que chegue ao banco e grite: abaixo a pança!
Que faça ginástica militar aplicada
e não vá como vão todos para França.
Que o poema fique
e que ficando se aplique
a não criar barriga
a não usar chinelos.
Que o poema seja um novo Infante Henrique
voltado para dentro e sem castelos.
Que o poema vista de domingo cada dia
e atire foguetes para dentro do quotidiano.
Que o poema vista a prosa de poesia,
ao menos uma vez em cada ano.
Que o poema faça um poeta de cada funcionário
já farto de funcionar.
Ah, que de novo acorde no lusíada
a saudade do novo, o desejo de achar.
E que o poema diga:
o longe é aqui!
E aponte a terra que tu pisas e eu piso,
ah, que o poema chegue ao pé de ti
e te diga ao ouvido o que é preciso.
Que o poema actue directamente sobre o real
nem que por vezes seja só um poeta em movimento.
Ah, que o poema para ser original
transforme em braços e acção o pensamento!
Que ponha sinos a tocar dentro das rosas
e seja, mais que rosa, flor de cacto.
Que o poema saiba ver dentro das coisas
a mão do Homem feita poema em acto.
Que o poema me dispa de tudo o que não presta
e me transforme na sua própria acção.
Nem quero outra glória, nem quero outra festa.
Morrer como Guevara na Bolívia da canção!
Só tu, povo fardado de ganga azul,
poderás dar-me a glória ou recusar-ma.
Aí vai o meu poema, a minha taça do rei de tudo.
Aí vai, para ser arma!
(de Manuel Alegre)
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
À volta dos jovens licenciados...
Eduardo Sá e Isabel Stilwell no seu melhor, na rubrica "À Volta dos Dias", da Antena 1, no passado dia 17 (se não estou em erro). Podem carregar aqui e ouvir o programa que passarei a comentar. Se não quiserem, eu de seguida faço um resumo dos factos, ou dos argumentos, mais interessantes aí referidos.
Vem o programa a propósito da já cansativa saga em torno do “que parva que eu sou” dos Deolinda. Canção que suscitou no psicólogo a vontade de se rebelar contra as criancinhas mal educadas deste país. O programa é uma pequena conversa entre os dois acerca dessa manifestação do Eduardo Sá sobre os resultados da “industrialização da educação”, expressão que não deixa de apanhar o seu autor em contramão, conforme adiante se verá.
Passemos então a enumerar algumas (quase todas) coisas que aí são ditas:
- “A industrialização da educação está a instruir as crianças mas não as educa como devia. (...) A família e a escola produzem funcionários e o mundo exige pessoas.”
- “Eles [os jovens “sabichões” que se identificam com a letra da referida música, presume-se] consideram-se... no fundo estão a dizer que são escravos, porque estudaram e aprenderam e são muito sábios e ninguém os emprega...”
- “...mas na realidade eu acho que não aprenderam, porque se tivessem aprendido tinham formas de lidar com esta situação.”
- “... aquilo começa pelos que não estão empregados, mas depois vai ver: Direito, 5% não está empregado; não sei quê... mas os 95% estão! Porque é que não se fala dos 95% que estão?”
- “Os licenciados em Portugal têm uma remuneração francamente acima, francamente acima, da média dos países da OCDE. (...) E quem faz uma licenciatura em Portugal ganha em regra o dobro do rendimento médio...”
- “Se são sabichões, se são vaidosos... no fundo estiveram a estudar, com tanto orgulho, mas não estiveram a aprender!”
- “Eu acho que estes são os filhos da nação, do pós 25 de Abril e do pós integração europeia. São filhos do desafogo económico das famílias.”
- “...são jovens que foram instrumentalizados...”
- “...são também filhos de pais... sobretudo parvos.”
- “Porque realmente um país onde não há uma racionalidade dos recursos de maneira a criarem-se nomeadamente licenciaturas que sejam exequíveis, que sejam viáveis, obviamente que são filhos de uma enorme parvoíce, que é transversal [olha lá Eduardo, se calhar também te apanhou!]”
- “Eu há um tempo fiquei sentada ao lado de um embaixador Finlandês (...) que me perguntava porque é que os nossos jovens não trabalhavam nas férias!”
- “...mas noutras coisas não têm nenhum hábito, nem acham que tirando um curso vão poder trabalhar num bar ou numa coisa qualquer ou num restaurante ou a ajudar ou a fazer não sei quê... querem ir directos para o lugar!”
- “Eu uma vez tive um estagiário que eu entrevistei que me disse... eu perguntei-lhe ‘mas o que é que você quer? (...)’ e ele disse ‘eu quero o seu lugar’! eu disse ‘tá bem... então olhe, não está vago, não tenho lugar para si’ (risos da Isabel)”
E agora passemos à crítica deste imenso rol de tremenda parvoíce:
- Concordo plenamente que a escola produz funcionários e que o mundo precisa de pessoas. Plenamente.
- Eu, que me identifico com o que é dito na referida música, conheço muita gente que também está nessa situação. Curioso é que quase todas essas pessoas, eu incluído, estão empregadas e a trabalhar, ou então estão a trabalhar e não sabem bem se estão empregados ou não... coisas das economias modernas! Estas pessoas, que trabalham, e sobretudo estas, que trabalham, é que se sentem escravas, mais do que as outras que estão desempregadas, senhora Isabel! A crítica do Eduardo e da Isabel centra-se nos desempregados, mas sinto que lhes escapou o “full picture” da coisa. A letra da música tem suscitado tanto sururu precisamente porque fala da situação de muitas pessoas, muito para além do problema do desemprego nos jovens licenciados. Já iremos à questão do desemprego. Mas o que está aqui em causa, penso eu, e mais do que pensar, sinto, é sobretudo a situação dos jovens que têm empregos que até não são maus de todo em termos de conteúdo, aliás muitas vezes até têm uma dose de responsabilidade muito considerável, mas que em termos de ambiente, de remuneração, de reconhecimento, são uma lástima. No fundo é uma questão de dignidade. Os jovens que trabalham sentem que estão a ser tratados como cidadãos de segunda, às ordens de uma geração instalada que tem a faca e o queijo na mão e faz deles gato-sapato. Chiça!... Dá vontade de acrescentar “compreenderam bem, senhores psicólogos que só se movem em meios de embaixadores?... ou querem um croqui?...”
- O que está aqui a ser insinuado é que a escola deve ensinar as pessoas a desenrascarem-se na economia onde vivem. Ou no mundo em que vivem, uma vez que se presume que a escola também deve ensinar coisas como “meu amigo, o mercado de trabalho é mau na tua terra? então emigra!”. São as regras do jovem bem sucedido do século XXI. Eu sei uma regra muito boa, que ninguém me foi capaz de dizer directamente, porque as pessoas ainda conservam, apesar de tudo, alguma consciência e alguma vergonha, mas que suspeito que nos dias que correm já pode ser dito à boca cheia: para ter sucesso despe-te completamente de escrúpulos. Lambe botas, manda-chuva, faz o que tiveres de fazer e logo verás que tens sucesso. Foi isto que os jovens não aprenderam, não foi?, a tal forma de lidar com a situação. Porque o que se quer dizer é simples, e todos o sabemos, porque afinal neste aspecto o Eduardo e a Isabel não estão sós: que se não se consegue encontrar um determinado tipo de trabalho, temos de nos sujeitar ao que houver. Lindo! Sublime! Gostava de ver o senhor Eduardo e a senhora Isabel a sujeitarem-se ao que houver!... É isto que se defende, e ao mesmo tempo não se compreende a analogia com a escravatura. Sinceramente...
- Esta tirada é magnífica pelo absurdo!... Cheira até a um pouco de surrealismo!... Dá vontade de rir!... Ora vamos lá ver... se morrerem 10000 pessoas numa explosão no centro de Coimbra (ou outra cidade qualquer com dimensão para isso), aconselha-se então que as parangonas sejam “99,9% da população portuguesa está bem”.
- Estou a reescrever este ponto. Tinha escrito aqui tanta coisa que só este ponto ameaçava ser maior que todo o texto (ao estilo de "isto não é um cachimbo"). Vou resumir. Vejam este estudo. Chama-se "O investimento em educação em Portugal: retornos e heterogeneidade". Se o Eduardo Sá estivesse mais atento, poderia ter reparado na palavra "heterogeneidade". No estudo pode-se ler que em 2006 o salário médio ilíquido dos licenciados era de 1625 € por mês, contra os 805 € para a média de toda a economia. Só que esse valor é uma média que inclui, por exemplo, o senhor Belmiro e muitos administradores de bancos e de grandes empresas (presumo que a maioria sejam licenciados). Além disso hoje a situação não é tão favorável (o próprio estudo lança as bases para uma previsão do sucedido, se lido com atenção). Mas não há estudos que cheguem ao conhecimento do que se passa no terreno. E o que se passa no terreno é que muitos amigos meus com licenciatura não descolam dos 1000 €, muitos andam a saltar de trabalho precário em trabalho precário (coisas que nada têm a ver com a sua formação) e muitos outros (felizmente menos) nem trabalho conseguem. Quanto à afirmação de que os licenciados em Portugal têm uma remuneração francamente acima da remuneração na OCDE (mesmo considerando que o valor utilizado é para a média dos licenciados e que Portugal é um dos países da OCDE com maior desigualdade na distribuição do rendimento), eu cruzei dados deste relatório com dados da própria OCDE e estimei que os licenciados em Portugal só devem ganhar mais que os licenciados na Turquia, na Polónia, na Hungria e na República Checa. Para compensar, em países como a França, a Irlanda (pré-crise) e o Luxemburgo os licenciados devem ganhar cerca de 3 vezes mais que os portugueses. Eu não sei onde o Eduardo foi buscar os dados, mas gostava de ter acesso a eles!...
- Sem comentário.
- A primeira frase deste trecho não acrescenta nada. É um facto inócuo, tão válido como dizer que esta é a sociedade do pós-idade-do-ferro ou do pós-restauração-da-independência. A segunda parte é mais interessante, porque novamente faz pensar no que o Eduardo sabe que nós não sabemos... Somos filhos do desafogo económico das famílias?... Afinal estamos todos bem e não sabíamos, não é?... Bem, não vou comentar, que já basta de investigações nos números. Façam-na vocês, se quiserem, e depois mandem os resultados ao Eduardo, com os meus cumprimentos. Digam-lhe para deixar de frequentar ambientes de embaixadores, que pode ser que descubra um Portugal real, de jovens reais que se licenciaram, e que tiveram de se esforçar muito, eles mesmos e/ou os pais, para o conseguir...
- São jovens que foram instrumentalizados?... Deixa-me lá ver se compreendo, como se fosse realmente parvo: quer isso dizer que nós, idiotas não pensantes, fomos transformados em ferramentas por outros, e somos utilizados por esses outros, como ferramentas, para eles atingirem os seus objectivos. É isso? E nós vamos na onda, certo?... Pois... Certo... E de cada vez que há uma manifestação também é a instrumentalização dos panfletos dos comunistas, não é?... Pois é, pois é... Este mundo está cheio de desmiolados e de malta perversa, manhosa, que ataca pela calada.
- Sem comentário.
- Alguém dizia que as contradições são o espelho de uma mente pequena. Eu não vou tão longe, mas ainda assim acho que as contradições não auguram nada de bom acerca dos seus autores! Aqui vemos que o Eduardo defende licenciaturas que sejam viáveis, que sejam exequíveis, isto é, que sejam adequadas ao mercado de trabalho ou, acreditando que o mercado é Deus, como muitos fazem, com ou sem a consciência disso, cursos que correspondam às nossas necessidades económicas. Precisamos, portanto, de funcionários, isto é, pessoas que exercem funções, mesmo que sem pensar ou sem sentir muito acerca disso ou do que quer que seja. Se alguém achar que o mercado precisa de outra coisa, por favor avisem-me que nesse caso eu ando a dormir há muito tempo! Ora bem, agora confrontem isto com o que ele mesmo diz logo no início deste programa e tirem as vossas próprias conclusões. Um jovem que tiver uma paixão por arqueologia deve fazer o quê então, senhor Eduardo? Ou uma pessoa com pê grande é alguém que sabe desistir das suas paixões em função do mercado de trabalho?
- Senhora Isabel, qualquer dicionário a poderá elucidar sobre o significado do substantivo “férias”. No meu diz que férias são “dias feriados em que se suspendem os trabalhos judiciais, escolares, etc.; período de repouso concedido pelas entidades patronais aos seus empregados, todos os anos; (fig.) descanso”. Portanto, os jovens não trabalham nas férias, porque se trabalhassem não seriam férias. Vá... eu sei que a senhora Isabel sabe o que é que essa palavra quer dizer. Mas é bom colocar as coisas desta forma para pôr a nu a questão que aqui está em causa. Porque o que se defende é que as pessoas devem trabalhar nas férias. E, a ser assim, as férias têm de adquirir um novo nome... sei lá... se forem no verão podem simplesmente passar a chamar-se... verão?... ou trabalho de verão?... qualquer coisa, mas férias é que não, porque não o são! E por que razão as pessoas deverão trabalhar nas férias? Porque é formativo, não é? Pois... Saibam então os senhores Eduardo e Isabel que é precisamente esse o argumento mais utilizado para manter a escravidão de todos os jovens que trabalham, verões e sábados e domingos e noites e tudo! É que é sempre muito formativo. Nós, os jovens, calha de nunca termos a experiência pretendida, calha de nunca termos aquele diploma necessário, aqueles anos a exercer aquela função... calha de faltar sempre qualquer coisa. E calha também, de tudo o que se faça no trabalho, seja lá o que for, ser muito bom para a nossa formação. Por isso temos de agradecer se trabalhamos à borla, se trabalhamos horas extraordinárias (mesmo extraordinárias!) não remuneradas, se recebemos uma “bolsa” em vez de um “salário” com um pouco mais de dignidade... E, como diz um amigo meu, vamos todos acabar, aos cinquenta e cinco anos de idade, debaixo da ponte e com um currículo do caraças, cheiinho de formação! Isso mesmo! Férias? Nem pensar! Que parvos que somos a pensar em semelhante disparate!
- Os jovens têm de se sujeitar... lá está a doutrina. Que também soa um pouco à praxe... É da praxe ser da praxe que a praxe implique que os jovens sejam praxados... Isto é, que se sujeitem a tudo e mais alguma coisa antes de poderem exercer o cargo para o qual se prepararam. Sobretudo, nunca deixar que um deles chegue lá na flor da idade, com o seu potencial ao máximo, não vá ele demonstrar que os que já lá estão há décadas afinal podiam fazer as coisas um pouco melhor! Por isso mesmo os jovens em Portugal têm de sofrer décadas a fio, sempre aliciados com a cenourinha, até serem formatados e adquirirem aquela pátina que lhes permite saltar para os lugares, se tal chegar a ocorrer, e não alterar absolutamente nada ao status quo. Calha de noutros países deste planeta azul os jovens, incluindo alguns portugueses, saltarem logo para os lugares. Aí esses jovens destacam-se. Calha de por vezes nesses países fazem coisas mais valiosas que os que têm o queijo e a faca na mão aqui no nosso país. Calha que esses países são quase sempre mais desenvolvidos que o nosso, não só neste aspecto. Calha... Mas a praxe é a praxe... e é da praxe respeitar a praxe.
- Este ponto não acrescenta nada de novo, a não ser que o jovem não deve achar graça nenhuma à situação, mas a Isabel claramente ri-se com ela.
Bem, fiquei chocado, simplesmente chocado, com a atitude demonstrada pelo Eduardo Sá e a Isabel neste programa. Fico a pensar em quantos milhares ou milhões de pessoas neste país partilharão das suas opiniões!... Mas vá, benevolência, que como já alguém disse antes de mim, não vale a pena explicar com maldade aquilo que pode ser explicado com estupidez ou ignorância.
Eça, excerto da carta de Inglaterra que recebeu o título de “o Natal”, no final do século XIX:
“Já não falo de gregos e romanos: ninguém hoje tem bastante génio para compor um coro de Ésquilo ou uma página de Virgílio; como escultura e arquitectura, somos grotescos; (…) nunca ninguém tornou a falar como Demóstenes – e o servo, o escravo, essa miséria da Antiguidade, não era mais desgraçado que o proletário moderno.”
E nós para lá caminhamos, que me parece que as diferenças entre os nossos jovens trabalhadores e os proletários dessa época já foram maiores.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
A pergunta que se impõe...
No centro Mário Dionísio (cada da Achada, Mouraria, Lisboa), num debate acerca das revoltas que se vão passando pelo mundo e pelo nosso mundo, a questão que lancei:
O sistema em que vivemos (entenda-se por isto o que se quiser) foi capaz de produzir coisas boas e más. Todos nós somos capazes de enumerar coisas boas e más produzidas por este sistema. As pessoas, a maioria das pessoas com quem eu lido no dia-a-dia, não possuem um pensamento sistemático que lhes permita compreender o sistema em que vivem em toda a sua profundidade. Ao mesmo tempo as pessoas sentem que têm direito às coisas boas que o sistema produz, que os outros têm e que lhes são prometidas todos os dias e de todos os modos: computadores, telemóveis, automóveis, casas, corpos bonitos, férias no outro lado do mundo, etc. No entanto, a insatisfação crescente que sinto nas pessoas à minha volta resulta da sua frustração quanto a estas expectativas. Muitas delas sentem que não conseguem atingir os seus objectivos, por muito que se esforcem, por muito que trabalhem, e muitas nem trabalho conseguem.
Neste contexto, o que é que se pode esperar das manifestações e desta revolta toda que as pessoas sentem. Em que é que isto tudo vai dar, se as pessoas não compreendem o sistema em que vivem e não são capazes de propor uma alternativa, e se ao mesmo tempo não estão dispostas a deixar de ter as coisas boas que este sistema produz, mas que produz à sua custa?
As duas respostas que obtive foram:
- não sei;
- isto não vai dar em nada, é algo que se esgotará em si mesmo.
Actualidades...
Tudo isto acerca dum concerto "gospel" numa igreja nas Laranjeiras em Lisboa, a que assisti na noite de sábado, a convite do Frederico. Aí em cima está um jornal, numa mesa à entrada. O jornal tem o título "voz da verdade". Bom, considerando que era dia 19 de Fevereiro de 2011 e que, conforme se pode ver...
... o jornal já era de 20 de Fevereiro, esta coisa da verdade... bem, quem fala com Deus tem destas capacidades!...
Mas o mais divertido é a notícia que tinha na parte de baixo. Ora vejam lá:
Muito bom! E para que ninguém diga que a igreja é uma instituição retrógrada, aqui estão eles no seu melhor, a mostrar que compreenderam bem as lições de marketing:
Em nome do Senhor.
Da generosidade...
Em resposta a uma amiga...
“Eu assim de ânimo leve diria, que temos que fazer por nós próprios o suficiente para nos mantermos equilibrados e dar o que tivermos para dar, porque como dizia um amigo meu para dar de beber a alguém é preciso ter o jarro cheio. Se damos o que não temos logo de seguida cobramos, mesmo sem saber.”
Dizes “temos que fazer por nós próprios o suficiente para nos mantermos equilibrados e dar o que tivermos para dar”. Concordo plenamente. Como dizia uma professora minha do secundário, se cada um fosse capaz de tratar de si já este seria um mundo bem melhor! Acho que o imperativo “temos” se aplica bem a uma condição que é, para além de suficiente, necessária, porque é o exigível a cada um de nós: tratarmos de nós e um pouco dos outros.
No entanto, o seguimento da frase insiste na ideia de que não podemos dar o que não temos para dar, como que insinuando já uma justificação para aquilo que não fazemos, para aquilo que não damos. Para dar de beber a alguém é preciso ter o jarro cheio? À partida parece lógico. Mas vamos analisar a questão com mais profundidade. É claramente possível dar de beber a alguém tendo o jarro apenas cheio por metade, ou metade vazio, conforme se queira. Quando se diz “ter o jarro cheio” o que se está a querer dizer é que nós próprios devemos estar completamente saciados, antes de podermos dar aos outros. Ora isso levanta-me três questões:
- O que é isso de estar completamente saciado? Todas as pessoas serão capazes de justificar a sua avareza com tal palavreado. Porque é sempre possível dizer “não me chega”. Alguém com a barriga completamente cheia de alimento poderá sentir necessidade de ter ainda bastante alimento armazenado na despensa, porque “nunca se sabe o dia de amanhã”. Há outras coisas para as quais não existe despensa, acerca das quais as pessoas podem nunca estar completamente saciadas, como o afecto. E há outras para as quais só existe despensa como o dinheiro.
- A ideia de que para dar é preciso estar saciado esconde uma simplificação abusiva: a transformação da análise de algo que é muito complexo numa análise unidimensional. A vida, no entanto, é multidimensional. É possível ter o jarro cheio de uma coisa e ter outro jarro vazio doutra. Aliás, essa será a circunstância mais comum. Eu diria, numa generalização pouco fundamentada, que quase toda a gente está apta a dar alguma coisa de si aos outros, mesmo que seja ela própria muito carente de outras coisas. (E poderia ir até mais além. Porque se duas pessoas, cada uma com os ovos contados para a semana, trocarem alguns ovos entre si, ficarão na mesma em termos materiais, mas ganharão em termos imateriais...)
- Do ponto de vista do economista, a acumulação de água no jarro é feita com ganhos marginais decrescentes. Isto é, cada porção de água que se acrescenta à que já existe no jarro, tem um valor menor. Até que, finalmente, o jarro enche e a água que transborda tem um valor aproximadamente nulo. Ora dar coisas que não têm valor, ou que têm para nós um valor muito reduzido, é algo que todos podemos fazer sem grande esforço, sem dúvida, mas que dificilmente poderá ser qualificado como um acto generoso.
E no entanto, prossigo eu, actos generosos existem aos magotes à nossa volta. (Poderemos chamar às pessoas que praticam actos generosos “pessoas generosas”, mesmo sabendo que pessoas generosas também podem ser avaras. Mas esse é um problema que não me preocupa aqui e agora.)
Não se pode dar o que não se tem. Certo. Mas pode-se dar aos outros o que nos faz falta, isso sim. Há quem inclusivamente chegue ao ponto extremo, e bastante inútil, de dar aos outros coisas que esses outros valorizam menos que o ofertante. Se isso é possível? É sim. Isso acontece.
Afirmas então que os actos generosos até podem existir, quando analisados isoladamente, mas que a sua magia é logo de seguida anulada por aquilo que chamas de cobrança. Se damos o que não temos (que é o mesmo que dizer que damos o que temos, mas que nos faz falta, que nós valorizamos), logo de seguida cobramos, mesmo sem saber, afirmas. Cobrar, no sentido de exigir, de uma exigência muda, aos outros as mesmas atitudes que temos para com eles, e sem as quais se gera em nós um sentimento de injustiça e auto-compaixão. Se isso acontece? Sim, acontece. Se tem de acontecer sempre? Não, não creio.
Além de mais, a análise é aqui novamente simplificada. Há quem dê um pouco na esperança de receber muito. Na minha terra, não sei se aqui também, diz-se que essas pessoas são interesseiras. (O que é interessante. Porque interesseiro vem de interesse, que em inglês se diz interest, que nessa língua também significa juro, que é aquilo que cobramos pelo que emprestamos aos outros!) Há quem dê na esperança de ser ressarcido e ficar quite. Mas há também quem dê muito na esperança de receber apenas um pouco. E não vejo razão para considerarmos impossível que exista quem dê sem esperança de receber algo em troca (quem sabe se esperando um funeral grandioso ou uma entrada no céu ou na enciclopédia! :) tudo coisas bastante inúteis...).
Na realidade, quem dá recebe sempre algo em troca. Se o que se dá é valorizado por quem o recebe, e assim deveria ser sempre, então quem dá recebe sempre a satisfação de estar a melhorar a condição do outro, a satisfação de saber que está a agir bem, a satisfação consigo mesmo. E para quem gosta de qualificar esse gosto com os próprios actos, esse narcisismo, como um fenómeno egoísta, penso que esse é um egoísmo que bem podemos aceitar, e do qual, sinceramente, o mundo precisa em quantidades muito maiores do que as que tem.
“O outro merece ser ajudado, e nós que somos o outro também, também merecemos.” Ai ai, aquilo que as pessoas merecem!... Às vezes as pessoas merecem umas boas chapadas!... Eu não entendo o merecimento. É um conceito que não tem lugar na minha religião. Eu entendo a justiça. As acções, as omissões, as situações, as pessoas são mais justas, menos justas ou injustas. A ideia de merecimento, sobretudo quando tacitamente referida a coisas boas, traz atreladas as ideias de prémio e de recompensa. E isso, usando as tuas próprias palavras, é todo um paradigma que, usando mais uma vez as tuas palavras, me cheira a coisas de céu e de inferno.
Não defendo o prémio. E daqui podia partir para a crítica da tão consensualmente defendida cultura do mérito (que quer dizer nada mais que merecimento) e por aí adiante. Não o farei, porque não há papel para tanto. Mas do prémio falo. Quem pensa em merecimento tem o prémio metido na cabeça logo à partida. Faz o que faz a pensar no karma, no prémio, em tudo o que vai passar a merecer, todos os direitos que vai adquirir. E isso, digo eu, é feio.
Enquanto estudava engenharia mecânica fui várias vezes um dos melhores alunos da instituição onde estava. Existia, e provavelmente ainda existe, uma coisa estipulada numa lei qualquer chamada “bolsa de mérito” e que basicamente é um prémio em dinheiro, cinco salários mínimos, que era atribuído anualmente a um número pré-determinado de melhores alunos de cada instituição. Eu recebi várias vezes esse prémio. Insurgi-me contra isso, e no entanto recebi o prémio feliz da vida e não o partilhei com ninguém. Contraditório? Vejamos...
Insurgi-me contra tal prémio com os seguintes argumentos: o prémio é de tal modo difícil de obter que no meu curso, de engenharia mecânica, ele só era atribuído a um aluno de todos os anos do curso. Era mesmo para o melhor aluno de todos os alunos de todos os anos daquele curso. E, como tal, não funcionava de todo como incentivo a um melhor desempenho dos alunos. Isso era um facto. Todos já sabiam quem eram os melhores alunos que estavam na corrida para o prémio: aí uns dois alunos por ano, no máximo, isto é, bem menos de 1% dos alunos daquele curso. Na melhor das hipóteses, coisa que na verdade nem sequer se verificava, o prémio serviria de incentivo para os alunos que já eram muito melhores que os demais se tornarem ainda melhores.
Por outro lado, os melhores alunos que entravam na corrida e que ganhavam o prémio eram em geral alunos privilegiados logo desde a partida. Não tenho um estudo onde me possa fundamentar, mas arrisco dizer, correndo um risco pequeno de me enganar, que esses alunos eram os melhores alunos porque, na maioria dos casos, tinham à partida melhores condições que os demais: pais mais instruídos e mais cultos, cabeças mais inteligentes, mais livros em casa, acesso a computadores, ausência de dificuldades físicas, psicológicas e económicas (que está relacionada com tudo o resto), etc.
Entretanto, um número muito considerável de alunos vivia com dificuldades económicas. O estado possui um sistema de bolsas de apoio a esses alunos carenciados. No entanto, o processo de atribuição das bolsas, para além de ser permeável à falcatrua, era em geral apertado e com montantes muitos modestos.
Do confronto destes dois lados da questão resulta o seguinte: um aluno possui todas as condições para ser o melhor aluno, e isso em geral inclui as condições económicas, e é-o. Outro aluno possui todas as condições para ser um aluno sofrível, e isso em geral inclui as condições económicas, e é-o. Pois não basta ao melhor aluno sentir que esteve ao nível das suas capacidades, que subiu mais um degrau no sentido de ter uma vida de sucesso, que conquistou o respeito dos colegas e dos professores, e toda a demais satisfação que advém de se ser o melhor aluno, não lhe basta isso tudo, ainda tem de receber um prémio em dinheiro que é geralmente superior ao valor de uma bolsa de estudo de um aluno carenciado durante um ano inteiro! Um prémio, saliente-se, que não altera nada no comportamento dos alunos, porque os que podem ser os melhores, geralmente esforçam-se de qualquer modo por atingir esse estatuto.
E eu, recebendo tal prémio, e munido de tal argumentação, porque não o rejeitei? Porque, ao contrário do que é mais comum, eu era um desses alunos carenciados (na altura vivia com duzentos euros por mês para pagar tudo excepto a renda da casa que me foi cedida muito gentilmente por um grande amigo) e que nem sequer tinha direito a uma bolsa da “acção social escolar”. O dinheiro fazia-me muita falta... muita mesmo.
Mas, e esse é que é o ponto desta história, a injustiça da minha situação não tornava mais justo o injusto prémio que recebia. O que seria justo nesta situação seria atribuir o dinheiro a quem dele mais necessitasse. E o prémio para o melhor aluno deveria ser apenas esse: o de ser o melhor aluno.
De igual modo, em tudo na vida, o prémio do vencedor deve ser precisamente esse: o de ser o vencedor. Quando faço uma corrida com os amigos eu dou o meu melhor e não espero um prémio no final. Quando jogo jogos com eles acontece o mesmo. O prémio que se dá ao vencedor serve em geral para melhorar a condição de quem já está bem. E eu não vejo nisso justiça nenhuma. Nem beleza. E o paralelismo com a ideia do merecimento fica aqui tacitamente traçado. As coisas não devem ser feitas a pensar no merecimento que daí possa resultar. As coisas devem ser feitas simplesmente porque são as coisas correctas. Só isso.
Mas vamos à frase que deu origem a esta conversa acerca do merecimento, e troquemos o “merecer” pelo “precisar”. Ficaria então: o outro precisa de ser ajudado, e nós, que somos o outro também, também precisamos. Pois, aí já teria menos a acrescentar... Se calhar é bem verdade que todos precisamos de ser ajudados.
E aqui voltamos à questão do jarro cheio. Se todos precisamos de ser ajudados, se todos precisamos de nos ajudarmos uns aos outros, coisa em que acredito (“together we stand, divided we fall”), como poderemos fazê-lo se acreditarmos nessa coisa do jarro?... Só se aparecer um filho ou um sobrinho ou enteado qualquer de Deus!... A solução passa a meu ver por percebermos, aliás na onda do que já dizia ali em cima, que às tantas todos nós podemos dar, nem que seja apenas um pouco, nem que seja apenas de uma coisa.
A frase do merecimento parece-me que é apresentada como mais uma justificação para a nossa inacção. Mas não colhe. E já me debruçarei um pouco mais sobre isso no final deste texto.
Abordemos então a frase seguinte. Ela fala-nos da necessidade, na senda do que nós não podemos dar porque o nosso jarro não está cheio, e na senda do que nós merecemos, de “relaxar um bocado com a preocupação do bem e do mal”. De como merecemos esquecer-nos volta e meia dessas questões, a bem da nossa sanidade mental, ou coisa que o valha.
A relaxação acerca dos juízos sobre o bem e o mal... Isso, se bem estou a ver as coisas, equivale a um “tanto faz”. Está bem... Será que te posso apanhar num desses momentos de relaxação e fazer-te alguma coisa má?... Se calhar teria de me pôr a pau (“put myself on the stick”) para não seres tu primeiro a fazer-me uma coisa má!... Enfim, não sei se compreendo bem esse conceito de relaxação acerca do bem e do mal... Ou se calhar compreendo tão bem que me está a custar bastante encaixá-lo...
Porque eu não acredito na maldade das pessoas. Pode haver uma ou outra pessoa que tenha prazer em fazer mal aos outros. Mas não acredito que isso seja comum, e não acredito que isso seja marcante na construção do mundo que nos rodeia. O mundo é como é, construído por pessoas como nós, que procuram acima de tudo o bem próprio. E como a prossecução dos interesses próprios conflitua muitas vezes com a prossecução do bem dos outros, torna-se cansativo tentar conciliar as duas coisas. Torna-se muito cansativo, com o passar dos anos, fazer as coisas correctas e ao mesmo tempo alcançar tudo aquilo que julgamos que merecemos. E ainda mais quando percebemos que muitas vezes fazer as coisas correctas nos coloca ainda mais longe dessas coisas que julgamos que merecemos.
E por isso nós, todos nós, todos os que construímos o mundo tal como ele é, relaxamos um bocado com a preocupação do bem e do mal. Relaxamos um pouco, um poucochinho, um nadinha mesmo, ou um grande pedação... é conforme. Mas independentemente dessa conformidade, há uma outra conformidade entre a nossa relaxação e as coisas más que existem no mundo.
E há também uma verdade nua e crua acerca disso: é que quando as coisas más nos afectam directamente, é difícil relaxar um pouco que seja. Essa relaxação é um luxo a quem se pode dedicar quem não tem um ferro quente a queimar-lhe as costas ou uma arma apontada à cabeça. É um luxo a quem se pode dedicar quem sente a necessidade de readquirir o tal equilíbrio e a tal paz de consciência de quem tem dificuldades em conciliar as coisas que acha serem correctas com as coisas que o beneficiam.
Enquanto nós relaxamos, os outros tramam-se. E isso faz-me lembrar algumas passagens do texto do José Mário Branco intitulado “FMI”:
“...estás desiludido com as promessas de Abril, hein? as conquistas de Abril eram só paleio a partir do momento em que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, não é filho? e tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia: não é nada comigo, não é nada comigo... não é? e os da frente que se lixem! e é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada. precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém...”
“...entretém-te que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho... e vai para a cama descansado, que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada...”
“...entretém-te meu anjinho entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti: se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomates para o Canadá ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou se hás-de beber vinho sintético de Alguidares de Baixo... descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acha normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar... descontrai babe, come on, descontrai. afinfa-lhe o Bruce Lee, afinfa-lhe a macrobiótica, o bio-ritmo, o horoscópio, dois ou três ovniologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas.”
“...quanto menos souberes a quantas andas, melhor para ti.”
É... descontrai, descontrai babe, come on...
Acrescentas então que “tirando alguns actos francamente maus, que evitaremos cometer [sim, acrescento eu, porque os que são apenas ligeiramente maus são quase bons, tal como o chocolate, feito com o fruto do cacaueiro e com a cana de açúcar, é praticamente uma salada], é preciso mudar um bocadinho o paradigma: ora bem, será que tudo o que fazemos pelos outros deixa de ter valor se nos sabe bem e portanto se pode dizer que o fazemos para nos sentirmos bem?”.
Quanto a isto, se eu bem entendi a insinuação, penso que estamos de acordo. Conforme um texto que publiquei há pouco tempo, eu afirmo peremptoriamente que os actos que fazemos com o objectivo principal de melhorar a condição dos outros podem ser classificados como actos altruístas, mesmo que possam simultaneamente ser classificados como egoístas, no sentido em que ninguém nos obriga a fazê-los e os fazemos porque isso também nos dá prazer. Afirmo que a classificação desse tipo de actos como egoístas é uma classificação inútil. E afirmo, ainda nesse mesmo texto, que nem sempre actos altruístas, assim definidos, poderão ser considerados como bons ou como valiosos.
Portanto, respondendo à tua questão, eu diria que as coisas que fazemos pelos outros não são à partida valiosas só por causa disso (podemos bem querer ajudar alguém e só fazer asneira no processo), mas se o forem, não deixam de o ser por nos darem prazer.
Mas isto de atribuir maior ou menor valor às coisas e aos actos é um terreno muito pantanoso por onde não queria entrar muito... Porque embora afirme que as coisas que fazemos não perdem valor por nos darem prazer, também não deixarei de afirmar que terão, pelo menos segundo o meu juízo, maior valor um acto e um actor, de entre vários em tudo o resto perfeitamente iguais, que impliquem um maior esforço.
Assim, à tua pergunta “será que só se pode valorizar o que fazemos pelos outros e nos custa fazer?” a minha resposta é um rotundo não.
Quanto à cultura do pecado e da culpa. Se bem entendo o que dizes, a ideia que criticas é a de que só tem valor o sacrifício. Uma ideia que faz lembrar alguém a chicotear as suas próprias costas já ensanguentadas, como expiação dos pecados e como afirmação da sua devoção a uma ideia de bem, que pode ser uma ideia de divindade. Dizes que esse comportamento, não necessariamente o das vergastadas nas costas, talvez algo menos físico, e o modo de pensar e de agir associados estão muito enraizados na nossa cultura.
Bom, eu nasci e cresci no Porto, lidando com todo o tipo de gente do norte do país. Creio que estaremos de acordo se disser que há uma tradição religiosa mais arreigada no norte que no sul do país. Encontrei várias pessoas que tinham bem marcada na sua consciência a ideia de pecado, e que agiam genuinamente em função dessa ideia. Vivi e partilhei muitas experiências da minha vida com uma dessas pessoas. Sei muito bem, porque isso me afectou de forma directa e indirecta durante muitos anos (não apenas por causa daquele relacionamento) o terror que é viver com essa ideia de pecado a espreitar a cada esquina.
E portanto, embora compreenda o tom de crítica negativa quando dizes que essa cultura “começa a mostrar-se profundamente desajustada”, na realidade não compreendo exactamente o que queres dizer. Será que em alguma altura foi ajustada? E ajustada ou desajustada a quê?
Esse modo de pensar e agir existe e tem consequências que a meu ver são extremamente negativas. No entanto, não posso deixar de dizer que me parece uma ilusão pensar que isso está muito enraizado na nossa cultura. Porque apesar de conviver com gentes de todos os tipos e feitios do norte do país, as pessoas que conheci para quem o pecado era algo verdadeiramente a evitar sempre foram uma muito pequena minoria. O que me parece que prevalece é uma cultura não de pecado, mas de aparência. Isso sim. Imenso. Em quase toda a gente, ontem e hoje, e com pujança para continuar a ser assim durante muito tempo. O que isto significa é que as pessoas evitavam o pecado apenas se soubessem que isso ia ser conhecido pelos amigos e familiares... porque de resto, venha de lá o pecado! :)
Defendes então: “passemos a outro paradigma onde o bem e o altruísmo, o mal e o egoísmo, e outras tantas dicotomias deixam de estar aos pares, em lados opostos da barricada. Onde o egoísmo pode ser bom o altruísmo mau, e vice-versa.”
Podemos então passar a dicotomias aos trios! :) Estou a brincar, como é evidente!
Eu não costumo utilizar muito a palavra paradigma porque sinto que as coisas não andam ordenadas nas cabeças das pessoas, e menos ainda nos sentimentos, de acordo com paradigmas. E isso aplica-se bem ao egoísmo e ao altruísmo. Quando se fala em termos abstractos há essa tendência, de dizer que o altruísmo é bom e o egoísmo é mau. Mas se deixarmos de falar em abstracto e passarmos a falar de coisas bem concretas, os nossos juízos são outros. Por exemplo, não teremos dificuldade em confidenciar que aquela insistência que a nossa mãe tem para nos impingir mais comida é difícil de suportar, mesmo sabendo que ela só quer o nosso bem. E também não teremos dificuldade em sugerir a um amigo que se dedique a si próprio quando precisa de descansar ou de melhorar a sua condição física, ou de estudar para um exame ou qualquer outra coisa.
Nesse mesmo texto que publiquei recentemente eu chamo a atenção precisamente para isso, que egoísmo nem sempre é mau e altruísmo nem sempre é bom. E portanto parece-me que a este respeito estamos razoavelmente de acordo. É uma dicotomia em trio! :)
Porém, não posso deixar de salientar, embora reserve para o fim uma nota mais extensa sobre o assunto, que a tua apologia me parece um: porque não um salve-se quem puder? onde não há juízos de valor muito claros, onde tudo é mais ou menos bom, ou mais ou menos mau? ou bom e mau ao mesmo tempo?...
Finalmente afirmas “os conceitos que não se podem arrumar muito direitinhos na nossa cabeça podem deixar-nos inseguros, mas ser capaz de viver na insegurança é fundamental, na imperfeição, enfim”. Quanto a termos de ser capazes de viver na insegurança e na imperfeição... bom... todo o mundo está bem pejado de insegurança e de imperfeição (seja lá isso o que for), pelo que todos nós, que aqui vivemos, já passámos nesse teste. O que não é claro para mim é perceber o significado que tem aqui a palavra “fundamental”. A dúvida que me fica é se a palavra “fundamental” tem aqui alguma conotação com a palavra “bom”, se quando dizes que é fundamental ser capaz de viver na insegurança e na imperfeição, estás de algum modo a dizer também que é bom ser capaz de viver na insegurança e na imperfeição...
Por outro lado também fico na dúvida se a frase contém algum cheiro de crítica negativa à arrumação muito direitinha dos conceitos na nossa cabeça... No fundo, no fundo, toda a frase me cheira um pouco ao mesmo, ao que já vinha de antes, à defesa da tese de que o mundo é como é, que nós não somos ou não devemos ser encarados como responsáveis por isso, e à apologia do regabofe, em todos os sentidos.
Assim, e fazendo finalmente um balanço deste teu comentário, que eu indubitavelmente e sem ironia aprecio (quem dera as pessoas todas soltassem assim o que lhes vai por dentro, se é que lá lhes vai alguma coisa), depois de uma série de ideias, algumas das quais estamos em desacordo, outras em que concordamos, a ideia geral que me fica é a de uma apologia, uma defesa, de uma desculpabilização, de uma desresponsabilização, perante os nossos actos.
Há tempos explicava a uma nossa amiga o conceito de energia de activação. Na química, chama-se energia de activação à energia que é necessário fornecer aos reagentes para que o processo de reacção prossiga depois de forma autónoma. Por exemplo: todos sabemos que um fósforo arde bem, e de forma autónoma. Mas todos sabemos também que para isso aconteça é necessário friccioná-lo com força na lixa da sua caixa, ou aquecê-lo bastante com outra fonte de calor. Essa energia inicial que é necessário fornecer ao fósforo para que depois a reacção química prossiga por sua conta é a energia de activação.
O mesmo conceito pode ser transposto para a física. Quando lhe explicava isto tinha em cima da mesa um objecto qualquer com forma paralelepipédica. Imaginemos um livro. O livro fica mais estável na mesa se estiver deitado. No entanto, se o pusermos de pé, ele assim permanecerá. E apesar de estar numa posição mais instável, ele só passará para a sua posição mais estável se de algum modo o empurrarmos, isto é, se lhe fornecermos o equivalente à energia de activação.
Podemos prolongar a analogia para as pessoas e as sociedades. Quando adormecemos no sofá é porque nos faltou a energia de activação necessária para passarmos para a cama, onde dormiríamos melhor. E quanto à sociedade, é quase infindável a quantidade de coisas que poderiam ser melhores se as pessoas fizessem um esforço nesse sentido. Se as pessoas colocassem lá a energia de activação necessária para que depois tudo funcionasse de forma autónoma. É assim que passámos o tempo a dizer “ai, nos países nórdicos é que aquilo funciona bem” e no entanto nunca fazemos como eles.
A grande falácia em que vivemos é a de que as coisas se alcançam sem esforço. Fez-se a ponte entre o esforço e o pecado para defender atabalhoadamente um hedonismo cego que faz tábua rasa de todos os valores. Bem, todos não... porque agora as pessoas defendem as plantinhas e os animaizinhos... desde que isso não implique para nós grande esforço. É o tempo em que as lutas se fazem clicando em botões que permitem assinar petições electrónicas. Porque somos todos muito ecológicos, mas só deixamos de andar de automóvel no dia em que alguém (alguém... sabe-se lá quem... alguém!) inventar e implementar um sistema de transporte alternativo, mais ecológico, mais barato, mais rápido e mais cómodo.
E o discurso que adoptamos é o discurso do coitadinho. É a era dos traumas, dos psicólogos e psiquiatras e psicoterapeutas, das terapias alternativas, dos ovniologistas como dizia o outro, da libertação da ansiedade e da agressividade e do diabo-a-sete... Somos todos muito frágeis, precisamos todos de muitas coisas... Aliás, temos direito a elas! Temos direito a preocuparmo-nos apenas com o que é nosso e a esquecermos todos os outros, a coisa pública, os outros países, seja o que for. Temos direito a férias anuais no outro lado do mundo, mesmo que isso ajude a destruir o planeta. Temos direito a ser bem tratados por todos, mesmo que nos estejamos a borrifar para eles. Temos direito a afecto, a sexo, a chocolate, a televisão, a facebook. É uma exigência... Porque sem essas coisas ficamos com angústias, solidões, depressões, recalcamentos, ansiedades, esgotamentos, remorsos, ressentimentos, insatisfações, negações, introversões, descompensações, obsessões e muitos outros ões... Coitadinhos...
E no entanto não somos coitadinhos nenhuns. Eu não sou, tu não és, e quase toda a gente que conheço não é. Somos coitadinhos nas nossas cabeças apenas. Conheço pessoas cá em Portugal que são muito mais coitadinhas que praticamente toda a gente que anda para aí e que são ao mesmo tempo mais generosas. E não cobram. E se pensar noutros países e noutras pessoas, ainda o nosso discurso de coitadinho se torna mais ridículo.
O nosso discurso de coitadinho alterna com discursos em que somos os maiores. Temos necessidade de projectar assim o nosso ego nas alturas, coitadinhos, porque sem isso não nos sentimos gente. Oscilamos entre o herói e o coitado. E não somos nem uma coisa nem outra. Somos gente mimada, somos pouco resilientes, algo incapazes de sacrifício, um pouco perdidos... só isso.
Nunca na história tivemos, nós o povo, tantas armas para construir um mundo melhor, e nunca na história dedicamos uma fracção tão pequena do que temos a ajudar os nossos vizinhos, os nossos amigos e os nossos familiares (que infelizmente os outros nunca foram muito ajudados de qualquer maneira).
E perdemo-nos na multiplicação de justificações para os nossos pesos de consciência.
E o amor? O tal amor dos homens que se exprime... ou deveria exprimir... Quem ama não sujeita a doação a tamanho condicionalismo.
Ainda o José Mário Branco e o seu mesmo texto:
“...assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes. Assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: olá camaradas. Somos trabalhadores. Eles não conseguiram fazer-nos esquecer. Aqui está a minha arma para vos servir.”
“A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro. Faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto. Muito mais vivo que morto. Contai com isto de mim, para cantar e para o resto.”
Que justificações poderia ele ter inventado para se furtar à solidariedade?
Acerca disto deixo uma sugestão de leitura: “a era do vazio” de Lipovetsky. (Tens aqui uma ligação para uma tradução que parece manhosa, mas legível)
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
A Nokia e a Microsoft...
"Nokia and Microsoft intend to jointly create market-leading mobile products and services designed to offer consumers, operators and developers unrivalled choice and opportunity. As each company would focus on its core competencies, the partnership would create the opportunity for rapid time to market execution. Additionally, Nokia and Microsoft plan to work together to integrate key assets and create completely new service offerings, while extending established products and services to new markets."
Excertos do meu artigo de ontem aqui neste blogue:
"Basicamente não há procura para tanta produtividade.
E como é que se soluciona a coisa? Com aquela outra coisa a que chamei diversificação de necessidades e que normalmente é conhecida por inovação. O que é que fazemos com tanta gente sem trabalho?... Bom... fazemos inovação! Isto é: colocamos uma parte dessas pessoas a pensar em coisas que não lembram ao diabo, outra parte a produzir essas coisas, e uma parte considerável a tentar convencer todos os outros que essas coisas que não lembram ao diabo são essenciais ao nosso bem-estar. Et voilá, temos as nossas sociedades.
(...) O único problema é que o sistema se vai tornando cada vez mais instável, porque cada vez mais baseado em coisas que na realidade não são muito necessárias, coisas que apenas foram inventadas para entreter a malta, quem as compra e quem as produz.
De cada vez que há um problema económico as pessoas (...) voltam a distinguir mais claramente aquilo que são necessidades essenciais das que são menos essenciais e das que provavelmente nem necessidades são. E isso, que supostamente seria uma coisa boa, é desastroso para esta economia virtual toda. Porque de repente a procura dos penduricalhos que não lembram ao diabo desce abruptamente e lá ficam uma data de pessoas em maus lençóis. É o que se passa agora.
(...) Mas então, se as pessoas são ocupadas a fazer coisas que não lembram ao diabo, que mal vem ao mundo de elas deixarem de fazer essas coisas que não lembram ao diabo. Bom, na verdade até poderia vir muito bem ao mundo: deixávamos de perder tempo com coisas inúteis, as pessoas tinham mais tempo livre, poupávamos energia e tal e coisa. O problema é que ao ser assim, a confrontação entre as necessidades pouco ilimitadas e as produtividades crescentes ficaria muito à vista: alguns poucos produtores seriam capazes de abastecer toda a gente e, e aqui está o cerne da questão, apropriar-se-iam de todos os benefícios decorrentes dessa actividade. E como não está nem nunca esteve na moda a redistribuição dos ganhos entre toda a gente, acabaríamos com tremendas desigualdades e possivelmente com confrontos sociais daí resultantes (como aliás parece estar a acontecer)."
Ou seja:
e nós, o que ganhamos com isso?
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Cumbersas de economia...
Como se todos nós tivéssemos 3 anos... Na realidade, um dos grandes problemas da nossa sociedade é que somos dirigidos (o governo, as administrações das empresas, até as famílias) por pessoas que se esquecerem que lá dentro ainda têm 3 anos, com tudo de bom e de mau que isso implica.
Assim, falam-nos de crescimento económico. Falam disso como se isso fosse a coisa mais importante que há no universo. Mas esquecem-se que nós não comemos crescimento económico, não dormimos em crescimento económico, não afagamos nem somos afagados pelo crescimento económico e eu, pelo menos, ainda não tive oportunidade de ter sexo com o crescimento económico.
Reparemos no que é admitido tacitamente por toda a gente sem pensar muito no assunto: o crescimento económico é importante, num país "desenvolvido" um crescimento de 3% ao ano é bom, um crescimento de 1% ao ano é mau, um crescimento de 0% ao ano (sim, ainda lhe continuam a chamar crescimento) é uma tragédia.
Imaginemos agora que estamos no país com o rendimento per capita à paridade dos poderes de compra (é sempre giro usar jargão de economista para que ninguém perceba o que estamos a dizer e para julgarem que sabemos mesmo o que estamos a dizer...) mais elevado do mundo. Seria de supor que a manutenção desse mesmo rendimento no ano seguinte seria uma coisa boa, não? Não senhor. Manutenção é o mesmo que crescimento zero, ou seja, uma tragédia.
Porque é que isto é assim?
É assim porque os economistas e esses dirigentes todos sabem muito bem que o sistema em que estamos é um sistema de competição. Todo o palavreado sobre competitividade e o diabo-a-sete faz sentido num contexto de competição. Infelizmente, também todas as coisas más como o desemprego ganham sentido num contexto de competição.
E é assim que se perdem as fasquias absolutas e tudo se passa a medir em termos relativos. Porque não é importante saber se temos LCDs, telemóveis, computadores, aviões, automóveis, sofás, colchões (ainda ante-ontem comprei um), casas, terrenos, comida, gasolina, férias e mais o que seja, o importante é saber se temos mais ou menos que o vizinho. Ou até, o importante é saber se conseguimos produzir mais, melhor e mais barato que o vizinho.
Eu costumo dizer que a competição é boa no desporto, porque nos estimula a darmos o melhor de nós próprios, mesmo que no final do jogo percamos, porque depois vamos todos tomar um banho ao balneário e vamos todos, vencedores e vencidos, beber uma cerveja no bar (a terceira parte do jogo). Só que a competição na economia não é bem assim. Ela bem que nos pode estimular a darmos o melhor de nós próprios (e isso é discutível), mas no final vencedor e vencido não se sentam à mesma mesa a beber a mesma cerveja. E infelizmente, no jogo só há um vencedor, o que implica que alguém, necessariamente, vai ter de ficar para trás.
A competição, como alguém dizia numa frase que eu considero sublime, melhora a mercadoria mas piora o homem. E é isso que nós às vezes esquecemos: é que melhores mercadorias não significam melhores homens.
Parece que de alguma forma levámos uma lavagem ao cérebro que nos faz pensar que melhores homens e melhores coisas é tudo igual, que o que é bom para a economia é bom para para nós.
Vou tentar responder mais directamente à questão levantada pelo João: se a base da economia assenta nas actividades primárias, que exploram recursos finitos, qual é a solução do problema?
Primeiro: a questão da economia real.
A questão da finitude dos recursos é uma questão que já anda na cabeça dos economistas desde há séculos. Veja-se por exemplo Thomas Malthus e o seu "An Essay on the Principle of Population".
Ao longo desses mesmos séculos a humanidade sempre conseguiu iludir o problema da finitude dos recursos através de aumentos de produtividade, através do uso de novas tecnologias e através da prospecção e utilização de reservas antes consideradas inexistentes. Como é evidente, com maior ou menor optimismo, a humanidade nunca conseguirá alterar os dados do problema. A perspectiva de poder utilizar outros planetas é muito reduzida, portanto temos de nos contentar com o nosso. O aumento do número de pessoas e, para estes efeitos, o aumento de quantidade de tudo o que tenha existência física não podem continuar indefinidamente. Ponto. Isso não implica, no entanto, que a margem de manobra seja ainda suficientemente grande para podermos continuar iludidos durante mais uns séculos.
Segundo: a questão da economia que temos, que nem sei se é virtual, mas bem parece!
Quando se fala em crescimento da economia está-se quase sempre a falar do crescimento do PIB. Utilizar o crescimento do PIB como O indicador de excelência para aferir da satisfação das pessoas tem uma lista quase interminável de defeitos, que me vou abster de mencionar, mas que podem procurar na net (mesmo no meu blogue tem lá um artigo que aborda a questão).
Ora o crescimento indefinido e interminável do PIB é sempre possível, porque o PIB mede, mal ou bem, os fluxos monetários que ocorrem numa sociedade, e não os fluxos reais. Vejamos um exemplo de uma possibilidade para aumentar o PIB: os sujeitos A, B, C, ..., Z cortam o cabelo a si próprios. Numa iniciativa para aumentar o PIB da freguesia, o manda-chuva da zona incita a que se faça o seguinte: o sujeito A corta o cabelo a B e cobra-lhe 10 euros; o sujeito B corta o cabelo a C e cobra-lhe 10 euros; ...; o sujeito Z corta o cabelo a A e cobra-lhe 10 euros. No final o trabalho foi o mesmo, o resultado foi o mesmo, mas houve muito mais dinheiro a circular (ironicamente podia ser sempre a mesma nota, ou até nem sequer uma nota, mas uma dívida) e o PIB cresceu.
A verdade é que as actividades primárias são a base da economia, mas cada vez mais a economia assenta em actividades secundárias (de transformação) e terciárias (de serviços) como bem sabemos. O exemplo que dei ali atrás é precisamente um exemplo de algo que as pessoas faziam por sua conta, mas que passaram a fazer umas às outras, isto é, de um serviço. Pensem só na quantidade de coisas que ao longo do último século as pessoas faziam para si próprias, ou para os amigos ou familiares, e passaram a adquirir a terceiros (não pensem em porcarias!). Isso conduz a um aumento do sector terciário, o que é interpretado pelos economistas como sinal de desenvolvimento da economia, e conduz a um crescimento económico, o que é interpretado pelos economistas como um aumento de bem-estar.
Mas vamos um pouco mais além. Pensemos que na dita freguesia, o manda-chuva queria, no ano seguinte, voltar a aumentar o PIB (já sabemos que ficar na mesma é sempre uma tragédia). Que possibilidades temos? Bom, podemos fazer a mesma coisa mas cobrar 100 euros em vez de 10. Só que isso é interpretado como subida generalizada dos preços, isto é, inflação, e logo não é contabilizado no crescimento do PIB. Precisamos de algo diferente... sei lá... um Ferrero-Rocher?
A meu ver, e assim sem pensar muito, as sociedades resolveram esse problema de três formas. A primeira forma é aumentar o consumo dos serviços. As pessoas cortavam o cabelo quatro vezes por ano? Pois então toca a estimular as pessoas a cortarem dez vezes por ano. E depois cem. E depois mil. Então passamos para a segunda forma, que é a diversificação das necessidades. Este é um ponto fulcral e vou voltar a ele. Bom, neste caso digamos que temos de convencer as pessoas a ir ao cabeleireiro para fingir que nos corta o cabelo, só que dizemos que é uma massagem à cabeça, ou uma forma qualquer de atrair energias positivas para o couro cabeludo. Finalmente a terceira forma é a do aumento da produtividade. Nesse caso um dos sujeitos da aldeia, por exemplo o sujeito P, de produtividade, torna-se super produtivo e corta o cabelo a toda a malta no mesmo tempo que antigamente se cortava o cabelo a uma pessoa só.
Mas como é que esse aumento de produtividade aumenta o PIB da aldeia? Pois é... Não aumenta! O aumento de produtividade só por si não aumenta o PIB. Só o aumento do consumo ou da produção (repare-se que tudo o que é produzido é consumido ou é armazenado, o que é considerado pelos economistas como um investimento ou consumo forçado) é que aumenta o PIB. A questão é saber em que medida o aumento da produtividade pode aumentar o consumo.
O aumento da produtividade é bom quando liberta recursos (tempo, pessoas, máquinas, matérias, seja lá o que for) para poderem ser utilizados na satisfação de outras necessidades. Na nossa aldeia, o aumento de produtividade do senhor P seria bom, se todas as outras pessoas pudessem agora dedicar-se a outra coisa que precisavam de fazer e antes não conseguiam.
A grande diferença para o que se passa hoje em dia é que o aumento de produtividade liberta recursos, mas depois há falta de imaginação para pôr esses recursos libertados a produzirem outras coisas. E porquê? Porque ao contrário do que os economistas gostam muito de dizer, as nossas necessidades não são ilimitadas, provavelmente em qualidade, mas certamente em quantidade. Por isso temos tanto, e aparentemente cada vez mais, desemprego.
Ponhamos os pés na terra e pensemos de maneira simples. Se antigamente um sujeito tinha uma tarefa que lhe ocupava muito tempo e inventava uma máquina para poupar tempo, logo poderia aplicar esse tempo a fazer outra coisa qualquer que estaria em falta. Hoje em dia é preciso fazer um esforço razoável para encontrar coisas em que possamos ser verdadeiramente úteis, uma vez que vamos estar sempre a competir com a elevada produtividade dos outros.
Basicamente não há procura para tanta produtividade.
E como é que se soluciona a coisa? Com aquela outra coisa a que chamei diversificação de necessidades e que normalmente é conhecida por inovação. O que é que fazemos com tanta gente sem trabalho?... Bom... fazemos inovação! Isto é: colocamos uma parte dessas pessoas a pensar em coisas que não lembram ao diabo, outra parte a produzir essas coisas, e uma parte considerável a tentar convencer todos os outros que essas coisas que não lembram ao diabo são essenciais ao nosso bem-estar. Et voilá, temos as nossas sociedades.
E, voltando à questão inicial, poderemos nesta economia mais ou menos virtual continuar a crescer indefinidamente? Bom, se calhar até podemos... O único problema é que o sistema se vai tornando cada vez mais instável, porque cada vez mais baseado em coisas que na realidade não são muito necessárias, coisas que apenas foram inventadas para entreter a malta, quem as compra e quem as produz.
De cada vez que há um problema económico as pessoas parece que acordam para a vida, parece que tornam a pôr os pés na terra, e de alguma forma, provavelmente porque são obrigados a isso, voltam a distinguir mais claramente aquilo que são necessidades essenciais das que são menos essenciais e das que provavelmente nem necessidades são. E isso, que supostamente seria uma coisa boa, é desastroso para esta economia virtual toda. Porque de repente a procura dos penduricalhos que não lembram ao diabo desce abruptamente e lá ficam uma data de pessoas em maus lençóis. É o que se passa agora.
Mais um pensamento, para terminar. Mas então, se as pessoas são ocupadas a fazer coisas que não lembram ao diabo, que mal vem ao mundo de elas deixarem de fazer essas coisas que não lembram ao diabo. Bom, na verdade até poderia vir muito bem ao mundo: deixávamos de perder tempo com coisas inúteis, as pessoas tinham mais tempo livre, poupávamos energia e tal e coisa. O problema é que ao ser assim, a confrontação entre as necessidades pouco ilimitadas e as produtividades crescentes ficaria muito à vista: alguns poucos produtores seriam capazes de abastecer toda a gente e, e aqui está o cerne da questão, apropriar-se-iam de todos os benefícios decorrentes dessa actividade. E como não está nem nunca esteve na moda a redistribuição dos ganhos entre toda a gente, acabaríamos com tremendas desigualdades e possivelmente com confrontos sociais daí resultantes (como aliás parece estar a acontecer).
Digam-me então como é que se sai disto.
As taxas de juro...
"Mas, afinal, o que é que está a impulsionar os juros nacionais? A resposta é o Banco Central Europeu (BCE) e as dúvidas sobre o consenso europeu em torno do alargamento do fundo de resgate da zona euro."
"Para Cristina Casalinho, economista-chefe do BPI, o aumento da pressão sobre a dívida nacional "traz a ameaça de o Estado não conseguir financiar-se e, por isso, ter de recorrer ao FMI""
"A intensificação das pressões nos mercados financeiros surge num dia em que os dados sobre a evolução da receita fiscal em Janeiro deveriam, à partida, ter fornecido algum sossego aos investidores sobre a capacidade de o Governo conseguir cumprir a meta de reduzir o défice orçamental para 4,6% do PIB até ao fim deste ano."
Etc., etc., etc., etc.... as mesmas tretas do costume.
Ora vejamos. Uma instituição financeira qualquer considera adquirir títulos da dívida pública portuguesa. Constata que a taxa de juro interbancária é de qualquer coisa como 1%. Sabe que o spread interbancário é de qualquer coisa como... sei lá... 2%. Sabe, portanto que se emprestar a qualquer taxa acima de 3% estará a fazer dinheiro. Sabe também que existe um risco associado ao empréstimo e que tem a ver com a possibilidade de o devedor não devolver o dinheiro atempadamente. Sabe que o risco de uma pessoa não devolver o dinheiro é maior do que o risco de uma empresa não o fazer; que o risco de uma empresa não pagar é maior que o risco de uma instituição financeira não pagar; que o risco dessa instituição não pagar é maior que o risco de um Estado não pagar. Sabe, portanto, que o risco associado a empréstimos ao Estado português é muito baixo.
Mas a instituição financeira não existe para ajudar quem quer que seja, existe apenas para fazer dinheiro. Quem diria?... E portanto, sabendo que outras instituições financeiras são igualmente mercenárias e se recusam a emprestar antes de garantir um chorudo retorno, esta instituição financeira faz exactamente a mesma coisa. Podia emprestar a 3% e "ficar em casa", mas empresta a 7,6% e isso talvez dê uma promoçãozita qualquer lá na hierarquia e mais um iatezito qualquer lá nos accionistas.
Assim funciona. E o nosso presidente da república explica: os mercados são soberanos...
A satisfação das nossas necessidades...
Os tipos da margarina "planta" já tinham ameaçado, com as suas mulheres razoavelmente despidas e em poses lânguidas, em anúncios onde a margarina nem sequer aparecia! Mas agora os tipos da optivisão reduziram tudo ao essencial: um artigo qualquer que queremos vender, uma mulher nua, e já está!
Que se seguirá? :)
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
"Para ser escravo é preciso estudar..." - sequelas...
foi ontem escrito no jornal de negócios isto (ide lá ver).
E acerca disso que foi escrito acerca daquilo que foi cantado e tocado, eu escrevi o que se segue.
Li este artigo do jornal de negócios e o que me fica é cansaço... Eu cresci, sobretudo nos anos em que estudava economia, mas também antes e também depois, a ouvir opiniões deste tipo. E cansa-me. Porque o sujeito fala como se percebesse tudo, quando na realidade não percebe nada. Mas são assim todos os discursos sobre economia que nos dão para escolhermos o que acharmos mais adequado... todos os dias, dia após dia, nas rádios, nas televisões, nos jornais, nas escolas, nas conversas de café...
Vejamos alguns pontos sobre aquilo que é dito.
"O fenómeno nasce no baixo crescimento da economia europeia." Cá está. O problema é o baixo crescimento. De onde se deduz (se fosse necessário deduzir...) que a solução é o crescimento económico. Mas será?...
"...nunca saíram das faculdades alunos tão bem preparados como hoje." Bem, mesmo com a ressalva prévia de que isso depende das áreas, esta é uma frase que fará rir muita gente... Mas para lá dessa risota, o que se está aqui a tentar defender é uma relação entre a boa ou má preparação dos alunos com "formação superior" e os respectivos salários, para não dizer os salários de todos os jovens e até a situação económica do país. E será que a coisa é assim tão linear?...
"Os melhores têm sempre colocação e alguns (cada vez menos) com bons salários e perspectivas de carreira." Os melhores?... Melhores em quê?... Os melhores autómatos, será?... Será que um jovem, por ser muito competente, consegue sempre colocação e até com boas perspectivas de evolução?... Será a sua competência a pesar?... Ou será a capacidade de gerar mais-valia que pode depois ser apropriada pelo seu dono?... E não haverá uma subtil mas profundíssima diferença entre uma coisa e outra?...
"Em Portugal, o problema é agravado pela falta de crescimento económico durante pelo menos 15 anos (dez dos quais já lá vão) [o que é que isto quer dizer?], o que não cria oportunidades nem empregos." Cá está de novo: o problema é a falta de crescimento económico. Mas, na realidade, quando se diz "falta de crescimento económico" devia dizer-se, em abono da verdade, ou chamando os bois pelos nomes, de uma forma menos mentirosa, "baixo crescimento económico". Será que "baixo crescimento" é o mesmo que "falta de crescimento"? Se sim, porquê? E quão alto deverá então ser o crescimento económico para que solucione todos os nossos problemas?
"Temos falta de competitividade, precisamos de exportar e, por isso, baixam-se os salários - mas há maior inimigo da competitividade que esta quantidade alarve de impostos?" Muito bem! Ora então temos falta de competitividade. De onde se conclui que o aumento de competitividade contribui para a solução dos problemas. E não chega um aumento de competitividade interna, é necessário também um aumento de competitividade externa, para aumentar as exportações... Estranho... será que as pessoas nos outros países também pensam assim?... Pois é... E então a solução é a "competitividade", não é?... "Competitividade" vem de "competição", não vem?... Hummm...
E vou continuar um pouco com esta última frase, que ela é rica! Ora então, para aumentar a competitividade é necessário baixar os custos de produção, todos os bons cursos e manuais de economia no-lo explicarão. Fazem parte desses custos os salários e os impostos. Pois claro. E também, já agora, a segurança social e todos os benefícios sociais de que nos possamos lembrar. Ora, baixando os custos de produção, pomos os trabalhadores todos na merda, as instituições públicas todas na merda, mas aumentamos a competitividade, o que é muito bom para solucionar todos os nossos problemas!... Estão a ver alguma contradição?... Eu não, acho que está óptimo!
Mas vá, vamos por um momento acreditar que o sujeito tem razão. Então será que me podem explicar quão baixos deverão ser os impostos para que sejamos competitivos?... Lembrem-se, por favor, que os tipos do outro lado da fronteira estão a pensar no mesmo que nós...
"Os Deolinda não estão contra as propinas, não abrem trincheiras, não são sequer panfletários." Os Deolinda são, digo eu, uma produção artística de um conjunto de pessoas. Essas pessoas utilizam "os Deolinda" para diversos fins. Um desses fins deve ser arranjar pão para a boca. Outro desses fins deve ser obter reconhecimento. Outro ainda deve ser transmitir mensagens às pessoas. Deve ser, digo eu, que na realidade não sei, porque não conheço as pessoas atrás do projecto, ao contrário do senhor que sabe, a bem saber, o que "os Deolinda" querem e não querem, fazem e não fazem. Vai daí, o senhor afirma o que afirma, com ou sem fundamento, com ar de elogio. Sim, é de elogiar que as pessoas não sejam contra as propinas. Sim, é de elogiar que as pessoas sejam amigas de toda a gente e, como dizia o outro, metam uma gravata em cada fato-macaco e o pessoal todo no mesmo saco. Sim, é de elogiar as pessoas não serem panfletárias! Panfletárias?... Que horror!... Mas... o que é isso de ser panfletário?...
"Isto não é um movimento, é um não-movimento, o que já lhes deu a candura de um não agressor, resgatando dos mesmos que infamemente aniquilaram a "Geração Rasca" a simpatia dos que têm pesos na consciência." Agora o senhor entra pela poesia adentro. Isto é um "não-movimento"! Lindo! O que é isso de um "não-movimento"?... Não sabemos... mas ficamos a saber que é uma coisa muito boa, mais uma coisa de elogiar. Que maravilha que "os Deolinda" fundem um "não-movimento" que não identifica inimigos e em vez disso faz amigos por todo o lado!...
"Hão-de tentar instrumentalizar isto contra..." Instrumentalizar?... Ora ins-tru-men-ta-li-zar... no meu dicionário diz "Servir-se de alguém como coisa, meio ou instrumento para atingir os seus fins." Deus nos livre de alguém tentar usar esta canção como um instrumento para atingir os seus fins! Pelo menos sabemos que "os Deolinda" não o farão, porque esses, felizmente, segundo o senhor, não têm sequer fins! :) Que risota, senhor Guerreiro... que com esse nome já devia ter aprendido há muito que:
a cantiga é uma arma,
que quando não o é,
é uma arma ao contrário,
a dar um tiro no pé.
"Esta canção é uma carta enviada do futuro. Não é um aviso, é uma súplica." E aqui o senhor já está mesmo completamente dentro da poesia, pelo que me dispenso de comentar. A arte é assim: por muito que se estude, ou se gosta ou não se gosta.
Reflictam um pouco sobre as questões que eu levanto. O que o senhor que escreveu o artigo no jornal de negócios não compreende, e por isso mesmo acaba por não compreender nada, é que ele papagueia a lengalenga da ideologia que se infiltrou nele por todos os poros, pela comida e pelos genes desde que nasceu. A ideologia madura que se aceita sem se dar por ela, a mesma que nos trouxe até aqui, e que se insiste em brandir contra os problemas por ela mesma gerados. E no fim de tudo, como fica sempre bem, ainda se diz mal das ideologias.
Haja pachorra!
Vejam este meu artigo neste mesmo blogue. "Do que um homem é capaz"... Por exemplo, uma das coisas de que os homens são capazes é, para castrar a juventude, mascarar de virtude o querer vencer sozinho.
E essa juventude toda que se levanta para aplaudir "que parva que eu sou"?... Não admitirá ela, não admitiremos nós, que somos bastante parvos? Não admitirá essa juventude, não admitiremos nós, que queremos vencer sozinhos? Sozinhos, eu ou tu, ou nós os daqui, nós os de Portugal, nós os europeus, nós os tanto faz... Não admitiremos todos nós que nos dedicamos muito pouco uns aos outros?
Mas vá... não pensemos muito nisso, que não tarda vem daí o crescimento económico e logo tudo voltará a sorrir.